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5 PRIMEIRA ETAPA: DELINEANDO A VIOLÊNCIA CONTRA O

5.1 A SALIÊNCIA DOS DOCUMENTOS DAS ENTIDADES SINDICAIS

5.1.1 Situações de violência dentro das escolas

Nessa primeira categoria estão organizadas as modalidades de violência ocorridas nas escolas, a saber: bullying, depredação, vandalismo, atuação de gangues/tráfico de drogas e incivilidades.

De fato, a violência que atinge os jovens, principalmente os adolescentes, é tema de discussões em diversas esferas. Debate-se os motivos para as ocorrências, questões de enfrentamento e responsabilização ou não desses jovens perante os crimes cometidos. No tocante ao material analisado, os alunos (sobretudo os adolescentes) ganham destaque em relação a autoria da violência na escola, caracterizada principalmente por agressões físicas, morais e psicológicas. Dentre essas agressões, destacaram-se as práticas de bullying. De acordo com Fante (2005), a partir da década de 1990, o bullying passa a ser um objeto de estudo relacionado à violência entre pares na escola, cujas pesquisas foram mais intensificadas a partir dos anos 2000.

O bullying é uma forma de violência que ocorre na relação entre pares, sendo sua incidência maior entre os estudantes, no espaço escolar. É caracterizado pela intencionalidade e continuidade das ações agressivas contra a mesma vítima, sem motivos evidentes, resultando danos e sofrimentos e dentro de uma relação desigual de poder, o que possibilita a vitimização (FANTE, 2005, p. 28 e 29).

No site do SINTEAL, por exemplo, destacou-se uma manchete intitulada “Bullying NÃO”, de 2011, informando que a Secretaria de Estado da Educação encaminhou às 1.350 escolas da rede pública estadual de Alagoas, o material educativo da campanha “Bullying, isto não é brincadeira”. Apesar de campanhas como essas serem comuns em diversas escolas, conceituar o bullying a partir da realidade brasileira ainda é uma tarefa complexa. Isso se dá por se tratar de uma importação de um termo pouco adaptado às questões próprias da violência escolar brasileira, e, como resultado, o fenômeno ainda não se encontra diferenciado da violência geral entre pares, agressões e episódios de maus tratos. Os critérios que normalmente diferenciam essa modalidade de violência se referem a repetição das agressões e a falta de motivação evidente.

Ainda, o material analisado sugere que os atos violentos entre os estudantes eram de natureza física, verbal, psicológica e sexual. É interessante destacar que as causas mais comuns apontadas para o bullying são de caráter emocional ou psicológico, tais como: o desejo de popularidade, a necessidade de aceitação social e a busca de status e poder dentro do grupo. As causas ainda se referem a influência da família na geração e manutenção de comportamentos agressivos e violentos dos alunos, como: as agressões sofridas no âmbito familiar, a negligência dos pais em relação à vida escolar dos filhos, a falta de apoio emocional e estigmatização por parte da própria família.

Dessa forma, a escola se apresenta como um dos ambientes propícios para a manifestação deste tipo de violência, pois ela tanto pode contribuir para aflorar impulsos, como a agressividade, como também pode se apresentar como um espaço favorável para o estabelecimento de relações de confiança que podem combater o bullying ou situações de maus tratos entre os estudantes.

Apesar deste trabalho assumir que a violência contra o professor é relacional, ou seja, ela se dá num contexto de interação entre os indivíduos, os documentos analisados chamam atenção para autoria dos alunos nas ocorrências das instituições escolares. Charlot (2005) considera que os estudantes agressivos na escola podem ser aqueles que depositam suas esperanças na instituição escolar, no sentido de que ela possa suprir a necessidade de atenção ou cuidado que estes sujeitos estão buscando. Ou ainda, a possibilidade de expressão e o estabelecimento de limites. Dessa forma, o descontrole dos estudantes pode ser desencadeado por um estado emocional, uma reação impulsionada por alguma situação de estresse, seja por situações pedagógicas ou de outra ordem. Isso pode explicar a grande incidência de violência praticada pelos alunos em situações consideradas pedagógicas, por exemplo, durante as aulas ou atividades escolares, contexto que situa a maioria das notícias postadas nos sites dos sindicatos.

Como anunciado, além do bullying e da violência entre pares, boa parte dos textos abordava casos gerais de violência nas escolas, tais como: invasão, drogas, pichações e depredações. Uma manchete veiculada pelo SINTEP-PB, em 2014, denunciava que as aulas da noite no Lyceu Paraibano, em João Pessoa, estavam paralisadas. Alunos e professores da escola em questão, da rede estadual, paralisaram por uma semana as aulas do turno da noite para

cobrar mais segurança por parte da instituição. O movimento aconteceu depois que o vigilante da escola foi assassinado enquanto fazia a segurança na entrada do colégio. Na ocasião, após ser morto a tiros, o vigilante teve sua arma levada pelos atiradores.

Além desta, destaca-se ainda outra notícia veiculada no site do SINTESE, com data de julho de 2015, que tinha como título “Comunidade escolar faz ato para pedir segurança e condições de ensino e aprendizagem”. Segundo a manchete, cansados da falta de estrutura e da falta de segurança, professores, estudantes, mães e pais em reunião decidiram fazer ato para chamar atenção da população e das autoridades do Colégio Estadual Santos Dumont, em Aracaju. No dia 12 de junho de 2015, ladrões armados e encapuzados invadiram o colégio no turno da noite, horário em que funciona na unidade de ensino o Pré- vestibular do governo do estado (Pré-SEED), e roubaram pertences dos estudantes. As aulas do Pré-SEED, no Colégio Estadual Santos Dumont, foram suspensas por mais de 15 dias. Após o ocorrido, muitos estudantes ficaram temerosos de retomar as aulas.

Um dos aspectos da angústia social, gerada a partir da convivência constante com casos de violência, se refere às formas mais graves do fenômeno que passaram a ocorrer dentro das escolas: os roubos, os assassinatos, dentre outros. Porém, vale recordar o alerta de Guimarães (1996) de que mesmo que a violência urbana invada a escola, ela não pode ser considerada como violência escolar. Conforme a autora, é preciso fazer um esforço para diferenciar quando os crimes urbanos estão acontecendo na escola, quando a escola está apenas servindo de palco para esses crimes e quando realmente os crimes se constituem como violência escolar.

Apesar desses crimes mais graves não serem corriqueiros, dão um forte efeito da falta de suporte que contribui para aumentar a sensação de angústia e incapacidade dos docentes perante a violência. Esses casos de violência ocorridos nas escolas também contribuem para disseminar a sensação de que as instituições não são lugares protegidos, imunes às adversidades externas. Quando se deparam com situações de violência contra eles, os professores se deparam também com a desconstrução de conceitos básicos da identidade profissional, como a utilidade de sua profissão, a relação com os demais membros da comunidade escolar e até mesmo o próprio papel da escola.

Assim sendo, cumpre lembrar a caracterização feita por Charlot (2002) em que a violência na escola explicaria esses atos violentos que não se relacionam à prática pedagógica e são praticados muitas vezes por alunos, ex- alunos ou membros da comunidade dentro da escola. Por exemplo: “quando um bando entra na escola para acertar contas das disputas que são as do bairro, a escola é apenas o lugar de uma violência que teria podido acontecer em qualquer outro lugar” (CHARLOT, 2002, p. 434).

É também no espaço escolar que as gangues se constituem, trocam informações e recriam seus nichos, funcionando como mecanismo de resistência às imposições sociais. Uma vez que a escola tenta compartimentalizar a vida escolar, ela acaba suprimindo os espaços simbólicos que determinam o “estar junto”, o “sentir em comum”. Os bandos, as pichações e as brigas metaforizam essa força invisível e espontânea que a todo instante rompe no corpo escolar (GUIMARÃES, 1998, p. 95).

Contudo, a depredação deste ambiente também parece estar atrelada a outros fatores. O vandalismo pode ser decorrente da resistência aos mecanismos de controle e práticas padronizadoras presentes na instituição escolar, que favoreceriam a eclosão de manifestações violentas contra o patrimônio e os agentes escolares. Desse modo, os atos de depredação seriam formas de contestação, protesto contra essas práticas. Esses atos podem estar relacionados à precariedade do ensino no Brasil e ainda, podem funcionar como forma de resistência às normas da escola.

Guimarães (1998) aponta que a escola parece estar sob a influência constante de dois movimentos: a violência utilitária dos poderes instituídos que se manifesta muitas vezes de forma simbólica, com a intenção de neutralizar as diferenças; as reações brutais e a resistência que subvertem a ordem a ser mantida.

O crescimento e atuação das gangues na escola e em seu entorno se relaciona com batalhas por territórios e principalmente com o tráfico de drogas. Em algumas escolas, o narcotráfico domina as relações entre alunos e funcionários, assim como o funcionamento da instituição em geral, obrigando a comunidade escolar a se submeter a determinados grupos de narcotraficantes, através de mediadores que representam a gangue no interior da escola, tendo em seu controle a área física escolar. Inclusive, existem traficantes que se

matriculam nas escolas para traficar drogas e há riscos de brigas e tiroteios no próprio pátio (GUIMARÃES, 1998; ABRAMOVAY & RUA, 2002).

Relacionado a isso, destaca-se uma notícia do SINTESE que tem como título “Não se pode naturalizar a violência na escola”, de julho de 2015. Foi realizado em frente à Escola Estadual Lourival Fontes, localizada no bairro Santo Antônio, um ato de protesto contra a violência e de solidariedade à comunidade escolar. Essa notícia vinculava as incivilidades ocorridas na escola com a frequência dos atos de violência na instituição. Tal articulação caracteriza o último núcleo de sentido dentro da categoria violência escolar, que são as incivilidades e a banalização da violência no ambiente em questão.

Voltamos novamente a Charlot (2002) para compreender que em alguns estabelecimentos escolares as incivilidades estão incorporadas aos comportamentos cotidianos, onde alunos e professores são profundamente atingidos no que diz respeito à identidade profissional e pessoal e a sua dignidade. Essas incivilidades, de tão frequentes, passam a se configurar como violência. As pequenas agressões corriqueiras se tornam banalizadas e concorrem para propagar ainda mais a sensação de impotência e de conformismo. Também, essa violência banalizada pode ser naturalizada em algumas situações nas relações interpessoais na escola, como, por exemplo, as humilhações públicas, destrato e xingamentos.

É importante “desnaturalizarmos a violência, sob pena de, em não o fazendo, acabarmos por banalizá-la a tal ponto que nada mais tocará nossa sensibilidade, tornando-nos cada vez mais duros com o outro, menos solidários e fraternos” (SANTOS, 2001, p.117). A falta de empatia, o acesso constante a situações de brigas e xingamentos podem se transformar em imobilidade perante essas ocorrências.

Ainda, considerar o êxito escolar como um esforço apenas individual, é afirmar a abstenção do Estado da responsabilidade de proporcionar condições adequadas ao pleno desenvolvimento dos sujeitos. Muitas vezes, condições adversas e desigualdades são desconsideradas em favor da ideia de que apenas o empenho individual ocasiona sucesso. Conviver também com situações de negligências constantes contribui para exclusão de grupos sociais, discriminações e preconceitos em vários âmbitos, inviabilizando uma vida social

participativa e digna ao público que a escola, principalmente, a pública se destina. Essas questões foram organizadas na segunda categoria a seguir.