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CAPÍTULO 3 – PRODUÇÃO TEXTUAL COMPLEXA E TRANSDISCIPLINAR A

3.1 Preliminares

Antes de fazer a descrição do curso objeto desta pesquisa, me atendo aos eventos diretamente relacionados ao seu desenvolvimento, apresentando uma breve descrição das suas preliminares, que constituem a sua gênese e os primeiros passos de sua elaboração e organização. Faço isso, porque o processo de gestação de um curso, me parece ser uma fase muito instrutiva, de como ele foi sendo construído e delineado, a partir de ideias imprecisas até ficar com a forma que acabou tendo.

Um curso a distância precisa de um ambiente virtual onde possa ser desenvolvido. O Moodle é a plataforma oficial utilizada pela universidade onde o curso seria oferecido, mas não era obrigatório escolhê-lo, por isso fiz uma pesquisa pela internet para conhecer um pouco as opções com as quais eu poderia contar. Descobri que há uma infinidade de ambientes virtuais disponíveis, softwares livres ou não. De um modo geral, prometem que, por meio deles, se pode fazer uma educação interativa e colaborativa. Para isso, costumam oferecer uma série de recursos, como videoconferência, compartilhamento de tela e fóruns, entre outras opções.

A plataforma Vyew (http://vyew.com/s/) me pareceu, num primeiro momento, ser uma boa opção, por oferecer recursos interacionais que não estão disponíveis na distribuição oficial do Moodle, tais como videoconferência, compartilhamento de tela e quadro-branco eletrônico. O fato de ser, no entanto, um software proprietário, com uma opção de livre acesso

limitada, e a insegurança de ser uma plataforma provavelmente desconhecida dos alunos, me fez desistir de adotá-la.

O Moodle foi, no final, a plataforma escolhida, em sua versão 2.5. Ele não tem, na sua configuração padrão, os mesmos recursos que outras plataformas prometem, tais como voz sobre IP, videoconferência, compartilhamento de tela e quadro branco, mas como é adotado e administrado pela universidade e de um virtual relativo conhecimento pelos alunos, pois alguns professores costumam usá-lo em apoio às suas aulas presenciais, era uma opção técnica e pedagógica mais segura, tanto para mim, que era o professor, quanto para os alunos. O Moodle poderia até mesmo oferecer muitos outros recursos que estenderiam aqueles que são disponibilizados por default em sua instalação padrão. Há uma série de plug-ins disponíveis em seu site, entre eles o de videoconferência, que certamente poderiam fazer a experiência da educação a distância menos impessoal mas, provavelmente, os administradores de sistema não os instalam, porque poderiam drenar os recursos de banda disponíveis para os servidores de acesso da universidade, se fossem usados muito intensamente pelos usuários da rede. Assim, meu desejo inicial de poder usar videoconferência, quadro-branco eletrônico e compartilhamento de tela, um recurso que permite ao professor e ao aluno terem acesso aos desktops um do outro e trabalharem juntos, em tempo real, num mesmo projeto, teve de ser deixado de lado. Assim, a preparação do curso ficou condicionada, então, aos recursos disponíveis da plataforma e tradicionalmente utilizados em cursos a distância.

Resolvida a questão da escolha da plataforma, me ative, então, ao planejamento das atividades a serem desenvolvidas no curso de produção textual. Desde a elaboração do projeto de pesquisa, eu já imaginava estratégias práticas que pudessem estar de acordo com a proposta de minha pesquisa, que era descrever e interpretar o ensino-aprendizagem da produção textual, como fenômeno da experiência humana, num curso de língua materna a distância para graduandos, com base na complexidade e na transdisciplinaridade. As minhas primeiras tentativas de organizar o curso, no entanto, não me pareciam muito diferentes do que eu já estava acostumado a fazer, ou seja, parecia-me que o propósito de ser complexo e transdisciplinar não se materializava nas alternativas que eu imaginava. Fui percebendo, na prática, o quanto é difícil mudar do paradigma educacional tradicional, arraigado em anos e anos de prática, para o paradigma que Morin (2008) denomina de emergente, mesmo já tendo refletido longamente sobre as suas diferenças.

Por volta de março/abril de 20133, momento em que eu pensava conceitualmente o 3 O primeiro semestre letivo de 2013, na universidade onde o curso foi oferecido, só teve início no final de maio, devido à mudança de calendário causada por uma greve geral no Ensino Superior federal.

curso, tendo em vista o princípio complexo da recursividade, tive a ideia de que num curso, com as características do que eu estava elaborando, a distância e com extensão prevista de dez semanas, era necessário dar um caráter especial à sua primeira unidade para que ela pudesse, de alguma forma, não só estar relacionada, mas ser determinante e indispensável às demais unidades. Assim, procurei dar-lhe um caráter nuclear, com conexões, gerando uma rede com as outras unidades. Farei uma descrição detalhada dessa primeira unidade e das outras mais adiante.

A complexidade e a transdisciplinaridade têm um compromisso com a flexibilidade dos processos educacionais e o curso, baseado nessas duas perspectivas, não podia deixar de levá-la em conta. Assim, embora eu desenvolvesse uma concepção geral das possíveis atividades a comporem a proposta a ser implantada, não procedi à sua elaboração em bloco, de forma que todo o material didático já não estivesse previsto e pronto de antemão, quando do início do curso. Devido às dinâmicas que são próprias dos processos de ensino- aprendizagem, das quais podem surgir necessidades insuspeitas num primeiro momento, embora eu já tivesse um esboço do que poderia vir a ser o curso como um todo, só três unidades foram inteiramente elaboradas, para que as atividades pudessem ter início e a concepção subjacente a elas começasse a ser compreendida pelos alunos. A elaboração das unidades subsequentes foram, então, terminadas à medida que o curso estava acontecendo.

Elaborar um curso simultaneamente ao seu desenvolvimento, mesmo que parcialmente, é um tanto trabalhoso. No entanto, no contexto da concepção complexa e transdisciplinar que estava sendo proposta, era possível que os alunos sugerissem questões, tendo em vista as suas necessidades, que poderiam, mesmo, mudar os rumos de nosso trabalho.

No pôster que fiz para a divulgação do curso entre os universitários, procurei explicitar a sua proposta de ser um espaço de diálogo e participação, em que a produção de textos não poderia se dar como um conjunto de atividades realizadas por participantes isoladamente, mas que deveria ser fruto da participação de todos: um trabalho coletivo. Para isso, fiz incluir nele partes do poema Tecendo a manhã, de João Cabral de Melo Neto. Isso foi feito imageticamente, com galos espalhados pelo espaço do cartaz, de cujos bicos se projetavam versos do poema, numa alegoria de que o texto é tecido por muitas mãos e não produto de uma mente isolada, expressando que aquilo era o desejado para as relações de ensino- aprendizagem no curso que estava sendo oferecido: serem um espaço educacional onde os textos deveriam ser produzidos a partir de um diálogo entre os seus participantes, como pode ser visto na figura a seguir:

Figura 1: Pôster de divulgação do curso

Procurei divulgar o curso, chamando a atenção para a natureza social do texto e da sua aprendizagem, conforme ressaltam Britto (1983), Pécora (1999) e Bronckart (2003). Acreditava ser importante dar ênfase a esse aspecto na chamada para inscrição para um curso de produção textual a distância, porque já tinha consciência das dificuldades encontradas no ensino a distância no que diz respeito à participação coletiva dos alunos, que as plataformas virtuais visam promover, mas que as experiências práticas nem sempre confirmam.

Não sei se foi o apelo da proposta, ou a escassez de cursos de produção textual que hoje existe nas graduações daquela universidade, mas tive a grata surpresa de ter as suas 16 vagas preenchidas já no segundo dia das inscrições, sendo necessário encerrá-las bem antes do tempo previsto. Eu, temendo por uma pequena procura de candidatos, pois o curso era de extensão e teria ocorrência num período de aulas regulares, havia programado um período de inscrição de duas semanas, mas no segundo dia já havia até uma lista de espera.

Como já foi referido anteriormente, o Moodle foi o ambiente virtual de aprendizagem onde o curso foi ambientado, sendo que o mesmo estava instalado numa universidade pública do sudeste. Neste sentido, as configurações do sistema condicionaram a forma como o curso

foi construído e o modo de interação com ele. A construção do curso e subsequentemente as atividades que lá se deram não partiram de nenhum outro modelo de ensino online que eu conheça, sendo feito a partir do zero, tendo sido gestado durante um longo período. Isso poderia ser interpretado como uma aventura irresponsável, já que o planejamento de uma ação de educação a distância não pode ser algo que possa ser realizada com base na intuição, sem nenhuma fundamentação teórico-metodológica. Creio que intuição, juntamente com a imaginação, é uma das bases da criação mas, no caso da organização de um curso, ela só pode se revelar num contexto já preparado por uma reflexão aprofundada sobre os fundamentos teóricos e metodológicos que devem sustentá-lo. No caso do que é relatado aqui, foram os princípios da complexidade e da transdisciplinaridade que guiaram a sua criação, tanto no que diz respeito ao desenho das atividades quanto na sua realização efetiva no ambiente virtual.

No desenho de curso, fiz um grande esforço para que o material que estava sendo elaborado não tivesse traços que pudessem lembrar o material instrucional tradicional. Isso, porque esse material costuma ter certas características da instrução programada, método de ensino de inspiração skinneriana. Aquele método, baseado no estímulo e resposta é muito diverso das concepções complexas e transdisciplinares de educação, que têm o sujeito no centro das suas preocupações, propõem a ecologização do saber e da aprendizagem e a concebem como um processo não linear.

Um curso complexo e transdisciplinar deve estar aberto para mudanças de rota, revisões de metodologia, já que pressupõe uma reflexão constante da prática de ensino- aprendizagem, permitindo também que alterações no material didático façam parte da dinâmica das atividades que são realizadas nele. Nesse sentido, não acredito que o que resulta disso possa ser chamado de material instrucional, pois numa abordagem educacional complexa e transdisciplinar deve haver liberdade, flexibilidade e autonomia para que professores e alunos interfiram no processo educacional no momento em que ele acontece e possam, se necessário, dar um rumo diferente do que poderia estar previsto inicialmente. No caso do material instrucional tradicional, professores/tutores e alunos já recebem pronto o material didático que devem utilizar, sem que possam fazer alterações nele.

Tenho, mesmo, a convicção de que para ser coerente com as visões complexas e transdisciplinares da educação, não deveria haver a divisão de trabalho que normalmente existe na organização dos cursos de ensino a distância, em que se separam os planejadores dos professores e esses dos tutores. Se não for de todo possível evitá-la, pelo menos que não haja uma separação completa entre esses agentes. Não pode ser complexo e transdisciplinar a figura de um criador de cursos que elabora um material instrucional para um público que não

conhece ou que, no máximo, é visto a distância, deixando para uma tutoria, com um mínimo de autonomia, toda a responsabilidade de estar a frente do mundo real, onde o ensino- aprendizagem se dá de fato.

O material elaborado e o modo como o curso aconteceu não se basearam, portanto, num modelo prévio ou em algum design instructional definido a priori. Como resultou de um trabalho de aplicação dos princípios da complexidade e da transdisciplinaridade, sendo de natureza experimental, certamente tem muitas imperfeições, tanto na sua concepção quanto em seu desenvolvimento efetivo. Isso, no entanto, é bastante provável de acontecer num curso que tem em vista a pesquisa, em que se está tentando desenvolver e, ao mesmo tempo, compreender uma nova construção de conhecimento, como foi o presente caso.

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