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CAPÍTULO 3 – PRODUÇÃO TEXTUAL COMPLEXA E TRANSDISCIPLINAR A

3.2 O curso: desenho e desenvolvimento ,

3.2.7 Sexta unidade – Atividade extra

Quando os alunos estavam terminando de fazer as atividades da unidade 6 e o curso chegava ao seu final, depois de dez semanas de trabalho, como estava previsto desde a sua concepção, pois a temporada de avaliações institucionais estava chegando, surgiu, por parte de um dos participantes, uma sugestão para que pudéssemos contar pelo menos com mais um conjunto de atividades, o que foi prontamente aceito pelos demais alunos.

Essa foi uma boa oportunidade de se fazer uma revisão do trabalho que vinha sendo realizado desde o início do curso. Retomar, nem que fosse brevemente, o sentido das atividades que já tinham sido desenvolvidas, era uma boa maneira de ter representado, em

poucas páginas, uma síntese de todo o percurso.

Essa atividade extra era constituída por seis exercícios, que, com exceção do último, não faziam referência ao que estava sendo posto como o foco do trabalho. Foram concebidos, no entanto, para revisitarem a progressão temática, a argumentação, a organização das ideias em parágrafos e a paráfrase.

No primeiro exercício, o objetivo era trabalhar a estrutura de parágrafos. Ele era constituído por frases-núcleo que deveriam ser desenvolvidos em parágrafos completos.

No segundo exercício, o objetivo era reconhecer a ordenação de um parágrafo. Para isso, um parágrafo bem construído teve seus períodos embaralhados, sendo que a tarefa a ser realizada devia ser a recomposição desse parágrafo de uma maneira que fizesse sentido.

No terceiro exercício, o objetivo era semelhante ao anterior, porém não era mais o parágrafo que devia ser reconstruído. Objetivando era trabalhar com a ordenação de um texto, seus parágrafos foram desmembrados e baralhados, sendo que a tarefa dos alunos era dar-lhe uma organização aceitável, com base nas pistas da progressão textual que havia nele.

No exercício quatro, o objetivo era descrever ou narrar uma cena do desenho animado A dama e o vagabundo. A cena representa um jantar à luz de velas imerso num clima romântico, com músicos à luz da lua, que tanto pode ser descrita em seus elementos quanto permite que seja criada uma narrativa do mágico momento. A figura, no conjunto de seus elementos pictográficos, não pode ser percebida senão como uma teia de relações, enquanto os diferentes planos da imagem revelam a composição hierárquica de seus constituintes: à frente, o casal de cães apaixonados em seu banquete, seguido pelos garçons, as casas se afunilando e uma grande lua ao fundo. O que se pedia no exercício era que aquela disposição de planos e figuras fosse representada textualmente em parágrafos que constituíssem um texto coerente.

No exercício cinco, o objetivo era trabalhar com mecanismos que fazem as relações entre as partes de um texto. A tarefa dos alunos era identificar mecanismos linguísticos responsáveis pelas ligações entre as suas partes constituintes, que promovem a sua progressão, e também as relações de concordância e discordância entre os argumentos expostos pelo autor.

No exercício 6, o objetivo era trabalhar com a paráfrase. A tarefa era fazer uma paráfrase em prosa de um poema. Colocar em jogo as duas linguagens, tomando o sentido concentrado que está codificado no texto poético e reinterpretá-lo e desdobrá-lo no discurso mais explícito e extenso da prosa.

realizadas pelos alunos, nessa segunda parte, juntamente com as minhas observações.

As duas atividades da unidade 6 são bem distintas. A primeira tinha paráfrase como tema central a ser trabalhado, pois me pareceu que essa seria uma boa maneira de concluir o curso, por sua importância para o trabalho acadêmico, a segunda, que foi uma feliz sugestão de última hora, possibilitou uma retomada de todos os assuntos abordados no curso, constituindo, assim, uma melhor maneira para a finalização dos trabalhos, por ser um microcosmo de tudo o que já havíamos feito antes.

O hologramático é um princípio da complexidade que é muito evidente no trabalho com paráfrases, não pela atividade parafrásica em si, mas no que ela significa para quem a faz. Como é uma maneira de apropriação de um discurso alheio, o seu exercício nos faz participantes de uma comunidade que compartilha conhecimentos, de tal maneira que, toda vez que parafraseamos e tornamos nosso os discursos que eram de outros, passamos a fazer parte de um todo, uma espécie de uma redundância discursiva que possibilita que os discursos sejam propagados para outros mais e assim se desenvolva e transforme. Uma vez que a paráfrase é um procedimento criativo, ela tem sempre uma marca individual, fazendo-nos semelhantes às células de um organismo que, compartilhando um mesmo código genético, se expressam de maneira diferente.

O princípio recursivo também faz-se presente nas atividades parafrásticas, na medida em que os discursos de um autor retornam no texto de outro autor, com o qual dialogam e juntos constituem um novo discurso. Assim, como se fossem os turnos de uma conversa, o discurso antigo provoca, no novo, uma resposta, que, por sua vez, espera por novos interlocutores, numa espiral virtualmente sem fim, onde os significados se adensam e se complexificam.

Uma vez que a paráfrase é recursiva, constituidora de diálogos, ela também é dialógica, pois é no embate dos discursos que se opõem, que os conceitos evoluem; da contradição dos conceitos antagônicos, que novas ideias são geradas, mas a paráfrase ainda pode ser um recurso para a destruição do discurso parafraseado, o discurso do outro é incorporado para ser negado. A paráfrase é, então, um espaço privilegiado para as contendas, em que os pensamentos contraditórios se embatem, se afinam em acordos, ou se confrontam numa luta de morte.

A segunda atividade, na medida em que os assuntos já vistos foram revisitados, foi, também, metaforicamente, um holograma do curso. Assim, ele foi concluído segundo a mesma lógica com que havia começado: se a primeira unidade foi uma antecipação de todos os assuntos que viriam a ser estudados, a última foi retroativa, voltando ao começo, não como

círculo que se fecha, mas como uma espiral que não tem fim, porque sempre há algo a aprender, quando se trata de escrever. Os melhores mestres sabem que sempre há umas mal traçadas linhas nos espreitando, logo aqui neste parágrafo que acabamos de escrever.

Porque a escrita é uma habilidade que pode sempre ser melhorada, cada ação textual, na qual nos empenhamos, é um elo na corrente, que, ao mesmo tempo que reforça o já sabido, nos leva um pouco mais à frente. Nesse sentido, cada uma das atividades em si e o curso como um todo compartilham de uma espiral recursiva que, iniciada com um caniço e uma tabuleta de barro em algum lugar da Suméria, nos encontra no balbucio do bê-a-bá e nos transcende. Sabendo-se barro, acredito que o último desejo secreto de quem milita na arte da escrita seja poder escrever um epitáfio, resumindo sua vida de modo tão magistral, que apesar do pó e das cinzas, lhe conceda a graça de continuar vivo como texto.

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