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Sedimenta-se na atualidade o entendimento de que cabe a toda coletividade a defesa do meio ambiente. O discurso inflamado pelo espírito ideário que trouxe à baila a concretização do Direito de Terceira geração em comento, em meados da década de setenta do século XX, transmuda-se, abrindo espaço para se questionar o desenvolvimento sustentável e as relações internacionais em matéria ambiental. Os ambientalistas de outrora realizaram uma façanha inimaginável, qual seja, povoar o coração e a mente dos insensíveis para as conseqüências que as atividades poluidoras acarretam à vida. Eventual defesa da poluição dar-se-ia sob a falsa alegação de que os instrumentos de defesa ao meio ambiente ocasionariam a estagnação do crescimento industrial do País.

O crescimento da tutela ambiental, entretanto, não deve refrear o discurso, pois muito ainda há de ser feito. A atividade de um único agente poluidor pode acarretar danos irreversíveis a toda uma gama de indivíduos. Neste diapasão, os modelos jurídicos estabelecidos a séculos outrora, estabelecendo relações aprioristicamente individuais, mostram-se ineficazes para resolver as problemáticas que as relações sociais trazem a lume no âmbito ambiental.

Como se não bastasse, há de se repensar o papel do Estado, notadamente quanto à atuação do seu poder de polícia, que, antes de deter um cunho

Imperioso registrar que as regras de não-cumulatividade do IVA-F não são claramente definidas na proposta de Emenda Constitucional, atribuindo-se essa tarefa ao legislador complementar, o que pode trazer sérios prejuízos ao contribuinte, quando não há maior rigidez na aprovação de regras que podem onerar sobremaneira os responsáveis tributários.

Conforme se pode verificar, a proposta de reforma tributária não se ajusta ao conteúdo valorativo contido na Constituição, que, ao longo de sua vigência buscou progredir no que diz respeito à oferta de meios hábeis a promover o desenvolvimento sustentável. A eventual aprovação do projeto de reforma tributária, nesse aspecto, apresenta grave retrocesso no que tange à concretização do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado.

Abolir a CIDE-Combustíveis criando em contrapartida um imposto com margem de incidência deveras abrangente é o mesmo que, como diz um dito popular, “cobrir um santo e descobrir outro”, pois, ao passo que vem (supostamente) a simplificar o sistema tributário brasileiro gera enormes descompassos com as finalidades impostas constitucionalmente até então.

Deve-se aplicar, deste modo, uma interpretação sistemática da Constituição e não somente se analisar o sistema tributário como uma parte isolada do texto constitucional em que o Estado arrecada recursos para financiar a atividade prestada. Ora, os tributos são instrumentos deveras importantes na concretização dos direitos fundamentais, pois podem ser instituídos para finalidades específicas, como no caso das contribuições, com o escopo de realizarem um determinado direito conferido aos administrados.

Dispor do interesse dos administrados, não se analisando as implicações práticas que de sua instituição decorrem, ou de que maneira a arrecadação de um determinado tributo repercute na sociedade, viola e ameaça a integridade do sistema constitucional brasileiro. Portanto, necessário que a Administração seja bastante cautelosa quando desejar implementar um novo mecanismo jurídico que venha a atingir direitos dos administrados. Deve-se previamente analisar a inserção do dito mecanismo no seio social, priorizando o alcance dos interesses públicos, eis

Assim, caso o tributo pago pelos empresários do ramo continue sendo cobrado, mas sob a forma de um imposto sem vinculação a uma finalidade específica, perderá o sentido a existência dessa cobrança, uma vez que já estariam sendo atingidos pelo raio de abrangência do atual ICMS.

Ressalte-se que a CIDE-Combustíveis foi criada para o fim específico de direcionar recursos ao desenvolvimento da área de transportes, a partir do financiamento da infra-estrutura de transportes e do subsídio a preço ou transporte de combustíveis, bem como ao incremento às políticas ambientais, numa tentativa de promover o desenvolvimento petrolífero com sustentabilidade. Essa finalidade chega a ser concretizada através da destinação das receitas a um orçamento próprio, que não pode ser direcionado a outra finalidade339 que não estas acima. Com a edição da reforma nos termos propostos, a concretização dessa finalidade estará cada vez mais longe.

Embora haja (vaga) previsão, na PEC, quanto à destinação dos recursos arrecadados com o imposto a ser criado, acabar com a CIDE-Combustíveis é alternativa equivocada. Caso venha a se consolidar a reforma, terminará por se criar uma lacuna no ordenamento jurídico, quando já existe lei que cria de modo adequado e específico toda a destinação dos recursos oriundos da arrecadação da exação ora em lume. O fato dos recursos oriundos do IVA-F serem encaminhados ao orçamento geral deixa vulnerável a aplicação de sua finalidade, além de desvirtuar completamente o sentido de ter se criado tributo (CIDE-Combustíveis) com vistas a acelerar o Desenvolvimento do país.

Destaque-se, de seu turno, que esse novo tributo terá campo de incidência extremamente abrangente se comparado com o da CIDE-Combustíveis, podendo até mesmo alcançar operações com bens ou serviços realizadas por pessoas físicas. Além disso, o fato gerador da nova exação será o mesmo do ICMS, que continuará a ser cobrado até o sétimo ano subseqüente à edição da Emenda, quebrando-se direitos fundamentais do contribuinte, uma vez que um mesmo fato seria tributado duas vezes, descumprindo, patentemente, o direito à isonomia.

339 Exceto os 20% (vinte por cento) da receita que devem ser destinados ao Orçamento Geral da

União até 31 de dezembro de 2011. Art. 76 da ADCT, texto alterado pela Emenda Constitucional n.º 56 de 2007.

direcionados os recursos ao orçamento geral, possam ser devidamente aplicados nas finalidades citadas.

Assim, do ponto de vista da adequação formal aos ditames constitucionais, a proposta de Reforma Tributária, aparentemente, encontra-se regular. Contudo, para que esteja adequada ao espírito da Constituição, mister que uma reforma se encaixe não apenas formalmente ao texto constitucional, mas essencialmente às reais circunstâncias fáticas do país no momento atual.

Nesse sentido, atualmente há necessidade de se vincular a uma finalidade específica a receita oriunda da arrecadação do tributo aplicável na indústria do petróleo. Criou-se a CIDE-Combustíveis justamente tendo em vista que a indústria petrolífera no Brasil está em ascensão e necessita de investimentos de infra- estrutura capaz de colocar o país em uma zona segura para o desenvolvimento.

Como defesa da permanência da CIDE-Combustíveis no ordenamento jurídico, pode-se citar, o incremento da malha rodoviária brasileira proporcionada pela destinação dos recursos oriundos desse tributo. Conforme assenta o Presidente da Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias, José Alberto Pereira Ribeiro, a CIDE-Combustíveis trouxe para o Brasil, hoje, uma nova perspectiva de desenvolvimento, pois o País agora tem recursos da ordem de R$ 9 bilhões ao ano para expandir a sua infra-estrutura de transporte e garantir o escoamento da produção no mercado interno e no exterior. Usando parte desses recursos como contrapartida de empréstimos internacionais, o Governo pode investir mais de R$ 15 bilhões ao ano. É o maior volume de investimentos de toda a história.338

338 Mas surge neste momento de euforia, uma ameaça a CIDE-Combustível: o projeto de reforma

tributária do Governo. O Ministério da Fazenda está pretendendo substituir a CIDE-Combustível por uma parcela de arrecadação de um novo tributo – o IVA – de futuro duvidoso e que começou a ser proposta a sociedade. Querem trocar a CIDE, que já mostrou ser um tributo eficiente e não inflacionário, que pode acabar com o gargalo que o setor de transporte representa hoje no desenvolvimento brasileiro, por um sistema tributário semelhante ao que levou a destruição da malha rodoviária brasileira e condenou ao atraso toda a infra-estrutura de transporte nacional. Com este retrocesso no sistema tributário brasileiro, pode ser jogado fora o grande esforço que o País fez para montar um novo sistema de financiamento para a infra-estrutura de transporte. Hoje, o Governo pode fazer planos de 15 anos para o setor e o presidente da República tem a certeza de que toda a obra que ele contratar terá condições de pagar e de responder por ela. Terá condições de negociar, através de seus ministros, preços e melhor qualidade. Vivemos uma nova realidade. A melhor realidade dos últimos 20 anos. RIBEIRO, José Alberto Pereira. Reforma tributária ameaça Cide- Combustível. Revista “O Empreiteiro”. Agosto de 2007.

Foi apresentada, pelo Ministro da Fazenda, Guido Mantega, em 21 de fevereiro de 2008, Proposta de Emenda Constitucional335 que pretende abolir do texto constitucional a exação tributária denominada CIDE-Combustíveis, e criar, em conseqüência, o tributo denominado IVA (Imposto de Valor Adicionado), de competência federal, e, por isso, chamado de IVA-F, haja vista a previsão de criação do IVA em âmbito Estadual (IVA-E), como substituto do atual Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

De acordo com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC)336 mencionada, haverá previsão de repartição das receitas oriundas da CIDE- Combustíveis com os Estados e Municípios, conforme a redação sugerida para o art. 159, II, pelo art. 1º da PEC, mantendo o caráter de concretização do federalismo cooperativo, que se funda em duas leis capitais: autonomia e participação337 das unidades federadas.

Destaque-se, ainda, que há previsão, pela PEC, de destinação de parte do produto da arrecadação do IVA-F para o pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo, o financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás, e o financiamento de programas de infra-estrutura de transportes, numa tentativa de manter os investimentos “vinculados” a tais finalidades, como o fizera a Lei regulamentadora da CIDE-Combustíveis, Lei Federal n.º 10.336, de 2001.

Como se observa, o projeto de Reforma Tributária pretende criar um novo imposto, mas manter parte de sua receita destinada às finalidades outrora estabelecidas para a CIDE-Combustíveis, além de partilhar as porções arrecadadas com os Estados e Municípios, como também vinha sendo feito com o tributo mencionado a partir da EC n.º 42, de 2003. Entretanto, a aparente tentativa de não mexer com o sistema de partilha e destinação de receitas estabelecido para a CIDE- Combustíveis apenas demonstra a necessidade de se manter um tributo com destinação vinculada, tendo em vista que não há garantia de que, sendo

335 Ver texto da Proposta de Emenda Constitucional ao final, Anexo I.

336 Como ainda não se encontra em tramitação no Congresso Nacional, não possui número de ordem. 337 A esse respeito, vide item 1 do capítulo V.

contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.334

Portanto, a destinação dos recursos da CIDE-Combustíveis, embora não especificada em sede constitucional ou mesmo na lei que a disciplina, deve ser, mesmo que orientada conforme a conveniência e oportunidade, ou seja, de modo discricionário, regida pelo princípio da eficiência administrativa, como forma de limitar essa atuação com certa margem de liberdade da administração municipal, uma vez que se deve atender às exigências do bem comum, e, para isso, cumprir com a finalidade da lei disciplinadora do instituto em pauta, que prevê as formas de se aplicar os recursos da CIDE-Combustíveis, como consentâneo do dever do Estado de regular a atividade econômica. Nesse sentido, a discricionariedade, em sede de administração municipal, deve estar pautada pelas normas e princípios constitucionais atinentes à Administração e, portanto, implementar e financiar a infra- estrutura de transportes, e projetos de preservação ambiental ligados à indústria de petróleo e gás natural.

2.3 Análise da Proposta de Reforma Tributária quanto à CIDE –