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Presença da Família em casos de PCR e/ou Procedimentos Invasivos

Envolvimento da Família no Cuidar da Pessoa em Situação Crítica

1.3. Presença da Família em casos de PCR e/ou Procedimentos Invasivos

A presença da família em reanimação e/ou realização de procedimentos invasivos é uma área comum desta temática imposta pelo contexto de prestação de cuidados à PSC, pois nestes contextos existe um maior número de paragens cardiorrespiratórias e/ou procedimentos invasivos devido à instabilidade da pessoa doente.

No ambiente extra-hospitalar, os profissionais de saúde são muitas vezes confrontados com a necessidade de prestar cuidados a pessoas no seu domicílio ou na presença de familiares. Se numas situações a família é integrada e alvo de cuidados da equipa, no contexto de um acidente ou de uma doença súbita que ponha em risco a vida de um dos seus elementos, os cuidados à família podem passar para segundo plano, serem pouco estruturados ou mesmo pouco presentes. Isto não significa que as necessidades da família estejam a ser ignoradas pela equipa de assistência, mas a gravidade da situação de doença da pessoa assim o pode justificar (Cabete et al., 2019).

Desde a década de 1980 que o conceito de um membro da família presente no processo de reanimação cardiorrespiratória se tornou uma prática aceite em muitos países. Contudo, uma pesquisa europeia relatou que em apenas 31% dos países, os familiares podem estar presentes durante as tentativas de reanimação cardiorrespiratória hospitalar de um adulto e apenas 41% no caso de a vítima ser uma criança (Bossaert et al., 2015).

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As organizações internacionais, como o Conselho Europeu de Ressuscitação (ERC), preconizam o direito à família de estar presente durante as manobras de PCR e enfatizam a importância da mesma nos momentos de tomada de decisão conjunta entre o doente, o profissional de saúde e os familiares (Tiscar-González et al., 2018).

Concretamente, o ERC apoia o direito de escolha dos familiares no que diz respeito a estarem ou não presentes durante as tentativas de reanimação cardiopulmonar, tendo sempre em consideração que as questões culturais e sociais devem ser entendidas e avaliadas com sensibilidade (Bossaert et al., 2015).

Diversos estudos, demonstram que quando os familiares estão presentes nas práticas de reanimação cardiorrespiratória, experimentam um efeito emocionalmente protetor, que minimiza os danos traumáticos, que muitas das vezes estão inerentes aos sentimentos de impotência vivenciados nestas situações. Por outro lado, encontram benefícios na diminuição de sentimento de culpa e/ou deceção no que concerne aos cuidados prestados pela equipa de saúde, além de oferecer tempo aos familiares para aceitarem a realidade da morte, facilitando assim, o processo de luto (Bossaert et al., 2015; Barreto, Peruzzo, Garcia- Vivar, & Marcon, 2019).

Na mesma linha de pensamento a possibilidade da família puder estar presente nas tentativas de reanimação, ajuda-a a aceitar a realidade, evitando a tendência para a negação, permite verificar que todos os esforços de reanimação foram realizados, ficando a certeza que tudo o que era possível foi feito e evita a sensação de abandono (INEM, 2019).

Por outro lado, a presença da família da PSC em casos de PCR, proporciona segurança e conforto emocional e espiritual aos familiares, uma vez que é satisfeita a necessidade que geralmente estes últimos sentem de “estar com” o seu entre querido durante a vivência destas situações ou até mesmo de se despedirem do mesmo nos seus últimos momentos (Barreto, Peruzzo, Garcia-Vivar, & Marcon, 2019).

Barreto, Peruzzo, Garcia-Vivar, & Marcon (2019) realçam que o facto de promover apoio ao doente e à família, resulta numa prestação de cuidados centrada na dignidade e humanização que promove uma atmosfera calma perante uma situação crítica.

Do mesmo modo, verifica-se que os doentes que tiveram a oportunidade de ter a família presente aquando da realização de procedimentos invasivos, apesar de se preocuparem com as possíveis respostas emocionais e sofrimento dos seus familiares, na maior parte dos casos

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percecionam esta experiência de maneira positiva. Deste modo, esta prática é benéfica também para o doente, pois contribui para um ambiente de confiança e de tranquilidade, o que consequentemente se reflete na melhor confrontação e superação da situação (Barreto, Peruzzo, Garcia-Vivar, & Marcon, 2019).

Contudo, de acordo com os mesmos estudos, a presença da família durante a reanimação cardiorrespiratória e/ou procedimentos invasivos, pode traduzir-se em desvantagens tais como: a limitação da proteção do doente, principalmente no que se refere à sua dignidade e privacidade; danos psicológicos dos familiares posteriores à vivência de situações traumatizantes, resultante da observação da reanimação cardiopulmonar e da execução de procedimentos invasivos; distração dos profissionais de saúde decorrente da necessidade de estar atento a múltiplos focos de atenção; promoção do desconforto do profissional de saúde e aumento no nível de ansiedade relacionado com o facto da sua assistência estar a ser observada e avaliada; aumento da carga de trabalho, por se manterem nalguns casos as manobras por mais tempo que o protocolado; inibição da comunicação entre a equipa multidisciplinar (Barreto, Peruzzo, Garcia-Vivar, & Marcon, 2019).

Segundo Atwood (2008), citado por Lopes, (2017), quando a saúde de um doente começa a deteriorar-se ou quando existe a necessidade de proceder a procedimentos invasivos ou a manobras de reanimação, os profissionais de saúde geralmente solicitam aos familiares para se ausentarem, até que a equipa de saúde considere pertinente que estes regressem para junto do doente.

Tal acontece pelo facto de muitos profissionais de saúde entenderem os familiares como potenciais avaliadores da assistência e dos cuidados prestados e temerem que a presença dos mesmos aumente a possibilidade de processos judiciais, para além de sentirem receio que a presença dos familiares se traduza no atraso da execução dos procedimentos, pelo que a presença destes acaba por intensificar o stress dos profissionais de saúde durante a realização dos cuidados e de impotência diante do óbito do doente (Barreto, Peruzzo, Garcia-Vivar, & Marcon, 2019).

Em sentido contrário, de acordo com os estudos analisados por Malta et al. (2015), esta prática permite que os profissionais tenham a possibilidade de, a todo o momento,

“interrogarem os familiares acerca da história prévia ou antecedentes de doença, permitindo uma correta recolha de informação junto da família, ou mesmo saber se

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existe alguma declaração antecipada de vontade, por parte da pessoa em questão, no sentido de não quer ser reanimada ou reanimado. Simultaneamente, os profissionais poderão sentir-se realizados, por corresponderem aos desígnios éticos e deontológicos da profissão” (pp. 91-92).

No mesmo seguimento, na perspetiva de alguns profissionais de saúde, também foram identificados benefícios com a presença da família, sendo o principal deles, a possibilidade de se recordar da PSC, não apenas como doente, mas também como uma pessoa que “pertence a alguém”, o que, por sua vez, acaba por se traduzir diretamente numa maior humanização na assistência e no aumento da satisfação dos sujeitos com o serviço de saúde (Barreto, Peruzzo, Garcia-Vivar, & Marcon, 2019).

Daqui se conclui que este tema é controverso, por não haver consenso por parte dos enfermeiros em relação à forma de atuar nestas circunstâncias. Na minha experiência como enfermeira a exercer funções na área de cuidados à PSC, nestas situações concretas, independente dos benefícios/limitações da presença da família, os familiares são normalmente convidados a retirarem-se aquando da realização de procedimentos invasivos. Esta atitude da equipa não significa que todos a considerem a mais adequada, mas a política interna organizacional do serviço uniformiza estes cuidados nesse sentido, para acautelar a divergência de opiniões dos profissionais. No meu entender considero que apesar dos benefícios encontrados na evidência científica serem de enorme valor, a inclusão da família deve ser enfatizada, mas analisada caso a caso, tendo em conta a condição, preferências do doente, quando é possível saber, bem como a estrutura da família, se esta é capaz de estar presente, do ponto de vista emocional, para acompanhar e apoiar o seu familiar nestas circunstâncias. É da competência do enfermeiro especialista através do conhecimento adquirido estar atento a estas situações e adequar os cuidados de acordo com as particularidades identificadas em cada doente/família.

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