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Reflexão de Experiências Vivenciadas no Contexto de Estágio

Envolvimento da Família no Cuidar da Pessoa em Situação Crítica

2. Reflexão de Experiências Vivenciadas no Contexto de Estágio

Contrariamente ao meio hospitalar em que o doente/família recorre aos serviços de saúde e é acolhido pela equipa de assistência, no contexto extra-hospitalar é o doente, muitas vezes no seu domicílio, na presença da família ou até a própria família que ativa e acolhe os profissionais no seu lar para prestar assistência ao seu familiar. Isto significa que a possibilidade de prestar cuidados à PSC, neste contexto, na presença da família é muito frequente. Se nalguns casos que observei/colaborei com a equipa de assistência, a família esteve presente e inclusive fez parte integrante dos cuidados, noutros não se verificou, por motivos particulares de cada situação, pelo que passo a descrever dois casos vivenciados no contexto de estágio, para posterior reflexão das experiências vividas.

Caso 1:

Em contexto de VMER, os meios foram acionados para prestar assistência diferenciada a uma vítima inconsciente, após uma queda de aproximadamente quatro metros de altura. À chegada ao local verificou-se que se tratava de uma doente do sexo feminino com idade estimada de 60 anos já a ser assistida na ambulância pela equipa da SIV. No exterior da mesma encontrava-se uma familiar (irmã) visivelmente perturbada pelo sucedido, com manifestações de choro, inquietação, desesperada, a solicitar informações à equipa sobre o estado de saúde da sua familiar, ao que de imediato lhe foi dito, para a tranquilizar de alguma forma, que tentasse ficar calma que logo que possível era devidamente informada. Na abordagem à doente, pela gravidade da sua condição de saúde, a prioridade dos cuidados imediatos focou-se na componente técnica, ou seja, permeabilizar a via aérea com entubação orotraqueal e ventilação artificial e estabilização das funções vitais básicas, de modo a proceder ao transporte célere e seguro para a unidade hospitalar de referência. Estando a doente na ambulância, pelas suas características físicas (local restrito), a familiar teve de

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permanecer sempre no exterior, não tendo a possibilidade de puder estar presente nos cuidados prestados e pela gravidade da situação de saúde da doente e necessidade de proceder ao seu transporte o mais célere possível, a equipa não teve possibilidade de dar as informações necessárias como previamente estabelecido, nem lhe dar o apoio emocional no sentido de a tranquilizar, apenas foi possível comunicar-lhe que o estado de saúde da doente era grave e que havia a necessidade de a encaminhar o quanto antes para o hospital. Apesar desta ter compreendido a prioridade da atuação dos meios de intervenção, o desamparo e ansiedade extrema que vivenciou durante todo processo não foi devidamente acompanhado pela equipa de assistência.

Caso 2:

Em contexto de SIV os meios foram ativados para um doente com alterações do seu estado de consciência/dor torácica no domicílio.

À nossa chegada verificou-se que se tratava de um doente do sexo masculino de 52 anos, em paragem cardiorrespiratória. Supostamente um dos familiares (filho) terá iniciado manobras de suporte básico de vida com orientação do CODU após acionar o número de emergência. Imediatamente iniciam-se manobras de suporte avançado de vida com a família presente permitindo à equipa de assistência, enquanto realizava o procedimento questionar a mesma sobre as circunstâncias da paragem, problemas de saúde do doente, medicação atual. Apesar de se encontrar emocionalmente muito perturbada, a família tenta colaborar. Contudo por não se sentirem capazes de estarem a assistir, são os próprios familiares que decidem retirar- se do local. Apesar de todas as manobras de reanimação levadas a cabo pelas equipas de intervenção (VMER, SIV, Bombeiros), todas elas revelaram-se sempre infrutíferas, pelo que o óbito foi declarado no local pelo médico da VMER. Foi prestado apoio psicológico pelas equipas da SIV e da VMER aos familiares presentes, por forma a ajudar na gestão do início do processo de luto, através de escuta ativa, palavras de conforto e atenção, bem como possibilidade de puderem expor toda a angústia e sofrimento inerentes à situação, mas dadas as circunstâncias inesperadas da morte, pela instabilidade emocional instalada de imediato em todos os familiares presentes, foi acionada a Unidade Móvel de Intervenção Psicológica de Emergência (UMIPE) do INEM.

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A escolha destes casos em concreto não foi ao acaso. Na primeira situação pude constatar que a equipa, apesar de compreender a ansiedade, sofrimento da familiar que aguardava desesperadamente por informações da sua ente querida, não teve oportunidade de a integrar na assistência prestada, uma vez que a prioridade da sua atuação focou-se na estabilização das funções vitais da doente que se encontrava em risco de vida e no transporte célere para a unidade de saúde, além de que, pela complexidade dos cuidados, houve necessidade de envolver todos os elementos presentes. Assim, a minha sugestão, no sentido de colmatar esta lacuna na assistência, com vista à melhoria dos cuidados prestados, dado que facilmente pode ocorrer outras situações semelhantes, era integrar um terceiro elemento na equipa de assistência para que os cuidados à família fossem sempre contemplados independentemente do problema de saúde do doente.

No segundo caso a possibilidade da família puder estar presente foi importante, pois permitiu-lhes perceber que tudo o que era possível estava a ser feito, o que contribuiu para aumentar a confiança na equipa. Para a equipa também se tornou benéfica a presença da família na medida em que possibilitou a recolha de informação pertinente, que de outra forma seria mais difícil de aceder. Tudo isto contribuiu para uma maior dignificação e humanização dos cuidados prestados, pelo envolvimento da família nos cuidados prestados, embora considere que durante as tentativas de reanimação a família ficou desprotegida, com níveis de stress muito elevados que não puderam ser acompanhados devidamente pela equipa por estarem focados no doente, pelo que seria importante mais uma vez reverem a composição das equipas de assistência, por forma a que os cuidados fossem sempre prestados em tempo útil e de uma forma holística ao doente e à sua família.

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3. Conclusão

Em suma, é possível concluir que a vivência da doença é um processo que afeta todo o núcleo familiar, sendo crucial que os cuidados de enfermagem não se limitem à interação entre o enfermeiro e o doente, mas que seja englobada a família na assistência de enfermagem (Cabete et al, 2019).

Ao longo da minha experiência profissional e nalgumas situações vivenciadas no contexto de estágio a inclusão da família nos cuidados prestados à PSC em situações de PCR e/ou procedimentos invasivos nem sempre são contempladas.

Contudo pelas potencialidades, nomeadamente pela diminuição do stress, medos e ansiedades, pelo conforto emocional e espiritual, pela facilidade no gestão do processo de luto, pela dignificação e humanização dos cuidados e consequentemente satisfação nos cuidados prestados, demonstradas na evidência científica, a enfermagem avançada deve incluir na abordagem ABCDE do doente, também o F (envolvimento/empoderamento da família) em todos os contextos de atuação, pois essa prática contribui para a melhoria da qualidade e segurança dos cuidados prestados o que resulta em ganhos em saúde.

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141 APÊNDICE III

Apresentação da Ação de Formação em Formato PowerPoint realizada no INEM intitulada: “Envolvimento da Família no Cuidar da Pessoa em Situação Crítica”

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