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UMA PEDAGOGIA EM MOVIMENTO: A MÍSTICA, A LUTA E O TRABALHO NA VIDA DAS CRIANÇAS

INFÂNCIA, EDUCAÇÃO E MODERNIDADE

3. Pressupostos e caminhos teórico-metodológicos

Talvez o segredo daqueles que conseguiram ficar entre as crianças seja o de serem fiéis ao menino que vive dentro deles. De ouvirem a voz de seu próprio inconsciente, e de respeitarem o mistério da infância. (Maria Clara Machado) Consideramos que o próprio objeto já deflagra um pressuposto teórico- metodológico, ou seja, optar em priorizar o olhar das crianças sobre os processos educativos significa partir de uma concepção que valoriza as crianças pelo que elas são, sujeitos plenos em sua especificidade infantil; dotadas de sentimentos, percepções, críticas, desejos e razão, principalmente no que diz respeito a suas próprias vidas. Por isso, nesta pesquisa, buscamos de fato tomar as crianças como sujeitos de conhecimento, e não objetos sem vida, sem história, sem sentimentos, sem expectativas...8

O grande recurso que a pesquisadora utilizou para se aproximar respeitosamente do Outro a quem desejava conhecer, foi um incessante exercício de alteridade. Entrar nas entranhas do diferente e construir uma relação de igualdade sem escamotear as diferenças, tornou-se um desafio e um processo educativo muito edificante. O que possibilitou a construção de uma relação de alteridade entre pesquisadora – adulta - e sujeitos da pesquisa – crianças - foi a condição que guarda a pesquisadora de ser portadora de uma infância, de ter uma criança registrada em seu corpo histórico e presente em sua humanidade.

Assim, partindo da infância como continuum e não como uma etapa demarcada, pré-estabelecida e finita, as pesquisas com crianças permitem também ao adulto esse exercício de manter acionado seu “lado criança de ser” e, de um outro lado, também compreender o jeito adulto de se relacionar com a infância. Esse diálogo entre duas

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Ressaltamos que a construção desta pesquisa, com o recorte metodológico no protagonismo infantil, tem sua origem num estudo monográfico de especialização em Educação Física Escolar, realizado pela pesquisadora em um assentamento coletivo localizado no município de Garuva, no norte do Estado: assentamento Conquista do Litoral. Procurando compreender a concepção de criança e o papel atribuído ao espaço de atendimento às crianças de 0 a 6 anos do assentamento, denominado pelo MST de Ciranda Infantil, a pesquisadora também permaneceu durante uma semana junto dessa realidade, de onde conseguiu compreender alguns elementos reveladores de uma certa totalidade dentro do Movimento. Assim, nos dois primeiros capítulos, em que ainda não nos propomos a analisar o objeto mais específico do estudo, mas, traçar um panorama mais genérico da infância e do MST, trouxemos alguns depoimentos colhidos no referido assentamento, justamente para detectar relações identitárias entre dois contextos, possibilitas pela mediação do MST.

manifestações das crianças por meio dos outros elementos. Portanto, essa observação, junto com o reconhecimento do pouco tempo disponível para analisar tantas categorias, nos levou a tomá-la também como um eixo transversal. Dessa forma, passamos finalmente a focalizar nosso olhar para a relação das crianças com a mística, a luta e o trabalho.

Portanto, o fazer a pesquisa e encontrar os problemas, os necessários recortes, a clareza dos objetivos foi um processo que foi se constituindo na medida que fomos adentrando nas tramas da realidade. Foi a combinação de um olhar que levava consigo uma base teórica, mas que também se abria para deixar a realidade falar, de modo a permitir que a teoria fosse acionada a partir de uma demanda da realidade e, que essa, também fosse estranhada e refletida, com base em um arsenal teórico capaz de estabelecer as possíveis relações entre os contextos micro e macro, o singular e o universal, evitando cairmos num determinismo de mera empiria ou de abstração.

Vivendo, portanto, esse processo dialético entre um olhar aberto e ao mesmo tempo vigiado, foi ficando mais claro nosso objetivo de analisar as significações que as crianças dão para a mística, a luta e o trabalho, bem como a forma como estão produzindo esses elementos nos processos educativos que vivem no assentamento.

As intencionalidades que se desdobram a partir deste objetivo são as seguintes: 1) Oportunizar a expressão das crianças sobre o que vivem por meio de um projeto educativo definido e orientado para elas, de modo a contribuir para a construção de uma cultura no campo pedagógico e científico e, em especial no MST, de inserção das crianças como protagonistas da construção do conhecimento que diz respeito a suas vidas; 2) a partir do que as crianças dizem e fazem, apreender sinais de contestação, crítica, transgressões, desejos, criações e proposições a serem considerados na elaboração de propostas pedagógicas para a infância, especialmente no contexto estudado; 3) evidenciar as marcas das crianças no jeito de fazer o Movimento para, assim, contribuir no entendimento do ser criança e do que é mais característico da infância, especialmente no contexto do MST.

várias histórias que envolveram a vida daquelas pessoas, especialmente no que se referia ao processo da luta.

Na segunda visita, quando permanecemos cinco dias, já fomos com o nosso olhar mais aguçado para questões específicas da pesquisa, e com a intencionalidade de construirmos uma relação próxima com as crianças, protagonistas da pesquisa. Assim, fomos percebendo que elas sempre nos diziam o que queríamos ouvir, e, observando algumas de suas manifestações, vimos que apareciam diferenças, contradições entre o que diziam e aquilo que faziam. Foi assim que percebemos ser oportuno analisar também suas produções, ou seja, não só aquilo que elas dizem, mas também aquilo que elas fazem.

Outro recorte que foi se dando no processo, se refere aos temas, categorias que iriam orientar nosso olhar sobre as significações e produções infantis. Assim, no início, fomos a campo sem ter muita clareza do que olhar. A primeira intenção era analisar a participação infantil nos processos educativos da vida das crianças, mas vimos que os objetivos ainda estavam muito amplos. Assim, reorientamos o projeto para a perspectiva de olhar a relação que elas estabeleciam com alguns elementos centrais da Pedagogia do MST que se faziam muito presentes no contexto investigado. Em princípio, na terceira ida, fomos a campo motivados por cinco temas, a saber: a relação das crianças com a escola, a mística, a luta, as brincadeiras e o trabalho.

Voltando do assentamento, quando fizemos um afastamento ainda maior e começamos a olhar para os dados, é que fomos percebendo que, tanto a escola como a brincadeira, eram, de certa forma, transversais aos outros temas. A mística, a luta e o trabalho estavam na escola e se misturaram com o brincar. Além do mais, a escola não representava uma ação, um princípio pedagógico do MST, mas um espaço complexo que se subdivide em vários aspectos. Se fôssemos inserí-la como uma categoria, provavelmente, ao efetuar o recorte, deveríamos nos limitar a ela.

Já com relação à brincadeira, percebendo-a como uma prática que se caracteriza pela presença de uma situação imaginária, a intenção era conseguir perceber quando ela se manifestava, em que situações do cotidiano as crianças brincavam. Assim, não estávamos preocupados com os tipos de brincadeiras, a análise de seus conteúdos, mas sim com o seu caráter de expressar um modo infantil de relação com a realidade. Foi assim que vimos que a brincadeira também se encontrava fortemente presente nas

expressam na ação, os modos com que realizam determinada atividade. Em seguida, faremos uma breve apresentação de como esses conceitos e as categorias da pesquisa foram se definindo no desenrolar do estudo.