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Com as modificações feitas no CPP pela Lei nº 12.403/2011, é preciso que se estude a aplicabilidade das medidas cautelares diversas à prisão preventiva que se encontram elencadas no rol do artigo 319, do Código de Processo Penal brasileiro10.

Primeiramente, é de suma relevância destacar que Lopes Júnior (2013, p. 145) é enfático ao argumentar que não se trata de tais medidas quando não estiverem presentes os fundamentos da prisão preventiva, considerando-se que:

[...] são medidas cautelares e, portanto, exigem a presença do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, não podendo, sem eles, serem impostos. Assim, se durante uma prisão preventiva desaparecer completamente o requisito e/ou fundamento, deve o agente ser libertado sem a imposição de qualquer medida alternativa.

Em conformidade, Andrey Borges de Mendonça (apud SANGUINÉ, 2014) elenca que há um consenso no sentido de que todas as medidas alternativas à prisão possuem natureza cautelar, conforme se deduz dos termos expressamente utilizados pelos artigos 282, caput, e 319, do CPP. Destarte, para o autor (MENDONÇA apud SANGUINÉ, 2014), o magistrado deve verificar a existência concomitante de dois fundamentos materiais: indício de cometimento de crime (fumus comissi delicti) e o risco para o processo penal (periculum libertatis).

Para Mendonça (apud SANGUINÉ, 2014), portanto, estes dois fundamentos materiais sempre devem coexistir para a decretação de qualquer das medidas cautelares do Título IX, tanto em relação às medidas alternativas à prisão previstas

10Art. 319: “São medidas cautelares diversas da prisão: I - comparecimento periódico em juízo, no

prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX - monitoração eletrônica”. (BRASIL, 1941)

nos artigos 319 e 320, do CPP – qualquer que seja a intensidade lesiva – quanto à prisão cautelar (temporária ou preventiva).

Partindo de tais requisitos, lembra-se que as medidas alternativas à prisão preventiva também são de possível sobreposição nos crimes cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 (quatro) anos. Isto é, nas situações que o artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal, veda a prisão preventiva, desde que se tenha, então, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis. (LOPES JÚNIOR, 2013)

Eis que, aí, surgira o grande medo de Lopes Júnior (2013), com o qual obviamente concorda-se: a utilização massiva e indevida da medida de controle. É esse, como já mencionado, um dos piores déficits da sociedade brasileira atual. Lopes Júnior (2013) defende que enquanto o uso desenfreado da prisão preventiva perdurar, tal como as medidas alternativas àquela forma de repreensão, por mais que parcamente, o número de presos continuará elevando-se, e, tristemente, trata- se do número de detidos que sequer possuem processo ou sentença condenatória transitada em julgado.

Em consonância com Lopes Júnior (2013), destaca-se o que ensina Javier Llober Rodríguez LL. M. (apud SANGUINÉ, 2014):

[...] a busca de alternativas à prisão cautelar não é uma consequência da presunção de inocência, mas do princípio da proporcionalidade, tendo em vista que também outras medidas que se aplicassem em seu lugar, pressuporiam uma limitação da liberdade pessoal do imputado. Partindo-se de que a prisão provisória não viola a presunção de inocência quando desempenha uma função de asseguramento processual, e não uma função própria do Direito Penal, então não se pode afirmar que, com base na presunção de inocência, devem buscar-se alternativas à prisão provisória. Trata-se, em realidade, de um problema de intensidade da limitação da liberdade pessoal, que está por isso relacionado com o princípio da proporcionalidade

E, para evitar o problema do uso desenfreado da prisão cautelar, o que fazer? Baseado no ensinamento de Sanguiné (2014), o Comitê de Ministros do Conselho da Europa prevê na Recomendação nº 13 (2006) como um de seus princípios gerais: para evitar a utilização inadequada da prisão provisória, se deve dispor do mais amplo elenco possível de medidas alternativas menos restritivas à conduta do

suspeito. Não obstante, o Brasil não usurpa de um rol significativo de alternativas à segregação preventiva? Claramente, sim.

Bem se sabe, portanto, que no país em que se vive o déficit é outro. Conforme Fábio Machado de Almeida Delmanto (apud SANGUINÉ, 2014), no Brasil, a busca de alternativas às penas da prisão, especialmente as de curta duração, devido aos seus efeitos criminógenos, faz mais patente a necessidade de o legislador acudir às medidas alternativas à prisão cautelar.

Na mesma linha de pensamento, Giovanni Chiodi (apud SANGUINÉ, 2014) preconiza que enquanto se nota a tendência do direito penal material à despenalização, se constata com preocupação uma tendência inversa de instrumentalização do processo penal com fins punitivos: se diminuem as penas e se aumentam os prazos da prisão preventiva.

Assim, partindo-se da premissa da necessidade do legislador em acudir as medidas alternativas à prisão cautelar, é cabível acentuar, também, quanto à dificuldade de adoção destas. Trata-se do que já foi mencionado quanto ao cenário cultural em que se está inserido, fazendo com que além dos legisladores, os magistrados e membros do Ministério Público decidam acerca da temática, inúmeras vezes, tão somente de forma a satisfazer o clamor social.

Nesse diapasão, Ferrajoli (apud SANGUINÉ, 2014) leciona:

[...] a aflitividade da prisão provisória deveria reduzir-se ao mínimo, pois, se fosse verdade que não tem natureza punitiva, mas cautelar, e que a sua aflitividade é sempre uma injustiça, o cidadão que a padece deveria, pelo menos, ter direito a sofrê-la em locais dotados de toda a comodidade de uma boa pousada.

Por fim, conforme Vicente Gimeno Sendra (apud SANGUINÉ, 2014), a recente reforma operada pela Lei nº 12.403/2011 introduziu um amplo rol de medidas cautelares alternativas à prisão, menos gravosas e menos estigmatizantes, asseguradoras do efetivo comparecimento do imputado no julgamento, e que, ao

mesmo tempo, evitam o “contágio criminal” carcerário entre presos provisórios e apenados.

Outrossim, no mesmo sentido, Christophe Cardet (apud SANGUINÉ, 2014) recorda que o encarceramento incrementa a reincidência, pouco importando se está se tratando de prisão cautelar ou de prisão pena.

E, finalmente, em concordância, Fábio Machado de Almeida Delmanto (apud SANGUINÉ, 2014) afirma que uma das maneiras efetivas pela qual é possível conter, na prática, o uso abusivo da prisão cautelar consiste em escapar de uma radical bipolaridade político-criminal: prisão-liberdade provisória e criar um amplo rol de medidas cautelares alternativas à prisão.

Portanto, é visível a necessidade de adequação no uso de tais medidas, vez que as alterações advindas da Lei nº 12.403/2011 devem acarretar uma melhoria no sistema prisional brasileiro, a fim de evitar, entre outas coisas, que não se aumente ainda mais um de seus maiores problemas: a superlotação dos presídios. São também alternativas à drasticidade e à banalização do cárcere preventivo, com o intuito de minimizar as mazelas do sistema penitenciário brasileiro, ainda que não diretamente e a longo prazo.

Nesse sentido, a implantação e implementação da audiência de custódia, a priorizar a apresentação do preso em flagrante à autoridade judiciária em até 24h da comunicação do auto de prisão, pode ser um importante instrumento na viabilização do uso das medidas cautelares de coerção pessoal, alternativas à prisão preventiva, ao encontro do caráter excepcional dessa medida, como será abordado no próximo capítulo.

2 AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: A BUSCA PELA HUMANIZAÇÃO DO

PROCESSO PENAL BRASILEIRO E SEUS REFLEXOS NO SISTEMA

PRISIONAL

Dentre as formas de prisão possíveis segundo a legislação brasileira e, especialmente a processual penal, encontra-se a prisão em flagrante. Ela pode, inclusive, ser procedida por qualquer indivíduo da sociedade, não havendo necessidade de que seja dada a voz de prisão apenas por agentes ou autoridades policiais, conforme se depreende do disposto no artigo 301, do CPP.

Diante disso, destaca-se como Cordero (apud LOPES JR., 2013) aborda a situação de flagrância: “[...] o flagrante traz à mente a ideia de coisas percebidas enquanto ocorrem; no particípio, capta a sincronia fato-percepção, como uma qualidade do primeiro”.

Ou seja, a visualização do crime no momento de sua consumação pela prática do autor, capacita tanto particulares, como policiais, para deter aquela conduta, impedindo que se perpetue a prática delitiva. Conforme Lopes Jr. (2013), isso só é possível considerando a presença inconteste do fumus comissi delicti, que ocorre justamente pela contemplação do ilícito.

Contudo, o flagrante de maneira alguma é sinônimo de manutenção da segregação, uma vez que com base no artigo 30611, do Código de Processo Penal

Brasileiro (CPP), no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, o auto de prisão em flagrante deve ser encaminhado à autoridade judiciária competente para que analise o destino do preso.

Apesar disso, bem se sabe que, em inúmeros casos, tal período temporal não é respeitado e, além do mais, imediatamente após a não homologação do auto de prisão em flagrante, isto é, no mesmo despacho judicial, incontáveis magistrados decretam a prisão preventiva do flagrado, sem sequer ter contato pessoal com este.

É com esse intuito que se busca analisar meticulosamente a audiência de custódia, bem como seus benefícios. Ou seja, é visível que a partir da realização de tal ato em todas as comarcas do território nacional, inevitavelmente ocorrerá uma espécie de filtro, quer dizer, o contato imediato do flagrado com a autoridade judiciária pode possibilitar significativo progresso no que tange à redução do número dos encarcerados sem uma condenação transitada em julgado. E ainda que não se verifique tal efeito, ao menos, o que se espera, é que a autoridade judiciária, quando da apreciação do auto de flagrante, ao ouvir o preso, antes de decidir pela manutenção da custódia ou não, faça uma análise mais criteriosa de sua necessidade ou não.