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Audiência de custódia: a busca pela humanização do processo penal brasileiro e seus reflexos no sistema prisional

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GRANDE DO SUL

LUANA CAROLINA BONFADA

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA:

A BUSCA PELA HUMANIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL

BRASILEIRO E SEUS REFLEXOS NO SISTEMA PRISIONAL

Ijuí (RS) 2016

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LUANA CAROLINA BONFADA

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA:

A BUSCA PELA HUMANIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL

BRASILEIRO E SEUS REFLEXOS NO SISTEMA PRISIONAL

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso – TCC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Patrícia Borges Moura

Ijuí (RS) 2016

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Dedico este trabalho à minha família, pelo incentivo e confiança em mim depositados durante toda a minha jornada acadêmica. Vocês são minha fonte de inspiração.

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“O direito deve ser um ativo promotor de mudança social, tanto no domínio material, como no da cultura e das mentalidades”. (Boaventura de Sousa Santos)

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais e à Lívia, que nestes

quatro anos de faculdade sempre me

incentivaram e apoiaram.

Ao Maurice, pela paciência, dedicação e incentivo incomparáveis.

À minha orientadora, Patrícia Borges Moura, com quem tive o privilégio de conviver e contar com sua dedicação e disponibilidade, me guiando pelos caminhos do conhecimento.

Aos meus colegas de estágio do Ministério Público de Ijuí, especialmente ao meu chefe, Dr. Valério Cogo, e seu assessor,

Marcelo Seidler, o meu mais sincero

agradecimento por todos os ensinamentos a mim transmitidos durante o período no qual tive o privilégio de exercer funções junto à Primeira

Promotoria Criminal de Ijuí/RS. Esses

aprendizados sem dúvida contribuíram

significativamente na elevação do meu amor pelo Direito Penal e Direito Processual Penal, na medida em que sempre desenvolveram um trabalho criterioso, responsável e admirável, transmitindo, acima de tudo, muita humildade.

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RESUMO

A entrada em vigor da Lei nº 12.403/2011, no que tange à aplicação de medidas cautelares, de coerção pessoal, como alternativas à prisão preventiva, não parece ter atingido tal propósito. Percebe-se essa negativa, sobretudo, quando se constata a massiva utilização da prisão cautelar, o que é facilmente identificável na população carcerária brasileira. Nesse contexto, o presente trabalho se propôs a analisar o papel da audiência de custódia que, embora ainda sem regulamentação na legislação infraconstitucional, tem sido implantada em vários estados do Brasil, bem como no Distrito Federal, em razão da Resolução nº 213/2015, do Conselho Nacional de Justiça. E mais, buscou verificar a importância da implantação da audiência de custódia com vista a uma maior humanização do sistema processual penal brasileiro, na vida no cárcere, enquanto política pública de segurança. Portanto, o estudo aprofundou a averiguação sobre a Resolução Normativa nº 213/2015, editada pelo Conselho Nacional de Justiça, em 15 de dezembro de 2015, a qual estabelece a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas (principal finalidade da audiência de custódia), que está prevista inclusive na Convenção Americana de Direitos Humanas (Pacto San José da Costa Rica) e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, dos quais o Brasil é signatário. Assim sendo, a presente pesquisa se propôs a analisar as benesses agregadas ao sistema processual penal brasileiro, com a implantação da audiência de custódia, verificando suas relações com os direitos fundamentais daqueles que vivem no cárcere. A fim de atingir os objetivos gerais, a pesquisa realizada foi do tipo exploratória. Utilizou-se de materiais e pesquisas bibliográficas, tanto em meios físicos, quanto virtuais, concluindo-se a pesquisa com base em dados apontados especialmente pelo Conselho Nacional de Justiça brasileiro.

Palavras-Chave: Sistema prisional brasileiro. Medidas cautelares de coerção

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ABSTRACT

The entry into force of Law nº 12.403/2011, regarding the application of precautionary measures of personal coercion, as alternatives to pretrial detention doesn’t seem the massive use of the precautionary prison, wich is easily identifiable in the Brazilian prison population. In this context, it was examined: the role of the custody hearing that, although no legislation in the infra-constitutional legislation has been implemented in several States of Brazil, as well as the Federal District, because Resolution nº 213/2015, issued by the National Council of Justice on December 15th,

2015, which establishes the presentation of everyone attached to the judicial authority within 24 hours (main purpose of the custody hearing), which is planned including the American Convention on Human Rights (Pacto São José da Costa Rica) and the International Covenant on Civil and Political Rights, of which Brazil is a signatory. Thus, this research aimed to analyze the aggregate largesse to the Brazilian Criminal Justice System, checking its relations with the fundamental Rights of those living in prison. In order to achieve the general aims, the research was exploratory type. He used materials and bibliographic research, both in physical, and virtual, concretizing to search based on data pointed specially the National Council of Brazilian Justice.

Keywords: Brazilian Prison System. Precautionary measures of personal

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 09

1 MEDIDAS CAUTELARES DE COERÇÃO PESSOAL NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO ... 9

1.1 A presunção de inocência e o sistema acusatório de garantias ... 13

1.2 Prisão pena e prisão cautelar: natureza jurídica ... 20

1.3 Principiologia das prisões cautelares ... 24

1.4 Fumus Comissi Delicti, periculum libertatis e prisões cautelares ... 27

1.5 Pressupostos, fundamentos e limites para a incidência das medidas cautelares alternativas à prisão preventiva ... 30

2 AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: A BUSCA PELA HUMANIZAÇÃO DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO E SEUS REFLEXOS NO SISTEMA PRISIONAL ... 35

2.1 A natureza precautelar da prisão em flagrante ... 36

2.2 Da materialização à homologação do flagrante: a decisão judicial ... 39

2.3 O estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro e a Resolução Normativa n.º 213/2015, do CNJ ... 43

2.4 A audiência de custódia: o que é e porque é necessária? ... 48

2.5 A experiência brasileira da audiência de custódia: seu papel para a política criminal contemporânea no Brasil e para a segurança pública como direito fundamental ... 52

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INTRODUÇÃO

Apesar de a sociedade brasileira, na contemporaneidade, ser considerada democrática, e de a Constituição Brasileira de 1988 de fato ser célebre ao elencar uma principiologia garantista, em proteção a direitos fundamentais, também se sabe a necessidade de serem instituídas políticas públicas de segurança mais eficazes. Muito embora, tal represente, no mais das vezes, a instituição de políticas mais rígidas, e que primem por um eficientismo penal e processual antigarantista na luta contra a violência e a criminalidade.

Nesse contexto é que se evidenciam práticas autoritárias e arbitrárias como forma de minimizar o clamor social gerado diante da criminalidade atual, que na verdade deveria ter sido corrigida no princípio do desenvolvimento da sociedade brasileira, através da forma basilar de uma comunidade pacífica e democrática: a educação. Não bastasse, a utilização da segregação como garantia da ordem pública e da instrução criminal, e não de medidas alternativas ao cárcere, é completamente contrária ao previsto no texto constitucional de 1988, o qual, de forma significativa, preza pelo bem-estar de todos, sem qualquer discriminação de origem, raça, sexo, cor, idade ou outro gênero.

Portanto, o que se observa? Inversão de papéis. Mesmo que não se confunda o campo da segurança pública com o Sistema de Justiça Criminal, resta claro que as instituições que naquele atuam, esperam, assim como uma boa parcela da sociedade, uma resposta mais repressiva do poder punitivo estatal. Desse modo, pode-se perceber que não se espera um trabalho preventivo ou ostensivo, mas sim uma maior severidade na punição àqueles que cometem delito.

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Daí porque não se pode ignorar a importância de tentativas de democratização do sistema penal, que priorizem direitos ao sujeito da persecução penal, e que possam garantir um mínimo de dignidade para aqueles que vivem no cárcere, e que vão de encontro ao clamor social.

É considerando esses percalços que o presente estudo irá se dedicar à audiência de custódia. Dentre os tópicos, buscar-se-á o aprofundamento acerca da temática, com destaque aos princípios que norteiam tal ato processual, fazendo-se uma breve retrospectiva das funções da pena ao evoluir da humanidade. Ademais, se realizará a análise dos fundamentos que deram origem à audiência de custódia no país, e se averiguará a necessidade de sua realização em todo território nacional.

Para tanto, serão realizadas pesquisas bibliográficas, tanto em materiais físicos, quanto virtuais, concretizando-se a pesquisa em dados apontados especialmente pelo Conselho Nacional de Justiça brasileiro.

Dessarte, no primeiro capítulo, será feita uma análise do princípio da presunção da inocência do preso perante o sistema acusatório de garantias, bem como da natureza jurídica da prisão cautelar e da prisão pena. Segue o estudo, conceituando-se os princípios que norteiam a decretação da segregação cautelar, além da necessidade do fumus comissi delicti e do periculum libertatis na fundamentação de tal. Igualmente, verificar-se-ão os pressupostos, fundamentos e limites para a incidência das medidas alternativas ao cárcere.

Já no capítulo subsequente far-se-á um exame de forma minuciosa acerca da prisão em flagrante, desde a sua materialização até a homologação para, a partir disso, analisar a implantação e a implementação da audiência de custódia, numa abordagem conceitual para, a posteriori, justificar a necessidade de sua realização. Ainda, será averiguada a importância da alegação do “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro e a Resolução Normativa nº 213/2015. Por fim, analisar-se-á a experiência brasileira com a audiência de custódia e o seu papel para a política criminal contemporânea no Brasil e para a segurança pública como direito fundamental.

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A partir desse estudo, o que se pretende com a presente pesquisa é concluir que a audiência de custódia apresenta características essenciais para a contribuição na melhoria do sistema carcerário brasileiro, em razão de utilizar o contato imediato do preso em flagrante com a autoridade judiciária e, através do diálogo, na presença do representante do Ministério Público e de um advogado, se analisar a necessidade de permanência da prisão ou não do sujeito flagrado.

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1 MEDIDAS CAUTELARES DE COERÇÃO PESSOAL NO PROCESSO

PENAL BRASILEIRO

É sabido que a Lei nº 12.403/2011 é fruto do PL nº 4.208, apresentado em 2001 pela Comissão de Juristas presidida pela professora Ada Pelegrini Grinover, conforme colaciona Aury Lopes Júnior(2013, p. 13), e que, anterior a ela, o destino do réu poderia conduzir-se por dois caminhos: o da prisão cautelar ou da liberdade provisória.

Assim sendo, Lopes Júnior (2013, p. 16) destaca dois pontos relevantes da Lei em comento, sendo um deles a adoção do modelo polimorfo, que rompe com o binário reducionista da prisão cautelar ou da liberdade provisória, para oferecer ao juiz um rol de medidas alternativas à prisão preventiva.

Dissertando acerca do assunto, Nereu José Giacomolli (2013, p. 67) registra a seguinte compreensão:

[...] Com a Lei 12.403/2011, a prisão preventiva deixou de ser a medida cautelar pessoal por excelência, bem como a regra em termos de medidas constritivas criminais. Situa-se, como já afirmado, na ultima ratio do sistema cautelar criminal. Além disso, sua função é eminentemente processual e não de antecipação de pena, ou seja, destina-se a tutelar o processo [...] A estratégia normativa de situar o recolhimento ao cárcere como a última das medidas cautelares não é suficiente para manter a prisão a níveis aceitáveis. Isso porque os aplicadores da legislação foram forjados na ideologia inquisitorial da década de quarenta (criminoso é inimigo), na concepção de que o recolhimento ao cárcere soluciona os problemas, diminui a criminalidade.

Evidencia-se de tal maneira que a inovação da lei visa justamente enaltecer um dos princípios norteadores do sistema processual penal, qual seja, o da presunção da inocência. O fato de uma pessoa aguardar em liberdade o trâmite do processo a que lhe vem sendo imputado um delito não significa que restará isento de condenação, tampouco que sua segregação cautelar durante o curso processual garantiria sentença de cunho condenatório.

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Bem se sabe que o direito à liberdade é uma garantia constitucional de toda pessoa, o qual só pode ser constrito quando presentes os requisitos para tanto. Assim, o que se verifica é que a adição das nove medidas alternativas à prisão preventiva, no artigo 319, do Código Processual Penal, é, no mínimo, um avanço em termos legislativos.

Diante de tais argumentos, o presente capítulo tem por objetivo abordar questões de suma relevância para o embasamento e fundamentação da decretação de prisões cautelares, bem como de medidas alternativas ao cárcere. Assim sendo, busca conceituar e discorrer acerca do sistema processual penal brasileiro – acusatório de garantias -, bem como do princípio da presunção de inocência, da diferenciação entre prisão pena e prisão cautelar, dos demais princípios norteadores do sistema cautelar e, por fim, dos fundamentos e requisitos exigidos para a decretação das medidas cautelares de coerção pessoal.

1.1 A presunção de inocência e o sistema acusatório de garantias

Deve-se ponderar que atualmente se vive em meio a uma sociedade considerada democrática de direitos. No que tange ao sistema processual penal brasileiro, portanto, qualquer acusado possui direito a um processo criminal em que

sejam respeitados o contraditório e a ampla defesa.

Tais garantias restam elencadas claramente na Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988), bem como, são oriundas do princípio do devido processo legal. Assim, é preciso que se entenda, primordialmente, o significado da palavra “sistema”, e, por conseguinte, a importância dos sistemas processuais penais. Por fim, verificar-se-á o preceito supracitado, bem como sua previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro.

Segundo Irving Marc Shikasho Nagima (2011), sistema, no viés jurídico, é o conjunto de normas, coordenadas entre si, intimamente correlacionadas, que funcionam como uma estrutura organizada dentro do ordenamento jurídico. Na visão de Paulo Rangel (apud NAGIMA, 2011), é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que

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estabelecem as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito no caso concreto.

Partindo desse pressuposto, é mister ponderar sobre a existência de três sistemas processuais penais: acusatório, inquisitivo e misto. Cada um destes possui suas peculiaridades, sendo que o adotado pelo processo penal brasileiro é o sistema acusatório de garantias.

Norberto Avena (2015, p. 10) expõe que o sistema inquisitivo é típico dos Estados ditatoriais, contemplando um processo judicial em que podem estar reunidas na pessoa do juiz as funções de acusar, defender e julgar. Dessa forma, não há obrigatoriedade de que haja uma acusação realizada por órgão público ou pelo ofendido, de maneira que é lícito ao juiz desencadear o processo ex officio.

Ainda Avena (2015) aduz que é possível que o magistrado substitua as partes e, no lugar destas, determine também, por sua conta, a produção das provas que reputar necessárias para elucidar os fatos.

Assim sendo, segundo Avena (2015, p. 09),

[...] o acusado, praticamente não possui garantias no decorrer do processo criminal (ampla defesa, contraditório, devido processo legal, etc.), o que dá margem a excessos processuais. Exatamente por isso, em regra, o processo não é público, sendo caráter sigiloso atribuído pelo juiz por meio de ato discricionário seu e à margem de fundamentação adequada. Não se fala de paridade de armas, sendo nítida a posição de desigualdade entre as partes. Na verdade, a própria defesa do réu é bastante restrita, não lhe sendo assegurada idêntica oportunidade de intervenção e igual possibilidade de acesso aos meios pelo qual poderá demonstrar a verdade do que alega.

Avena (2015) também argumenta que se define sistema processual misto como um modelo processual intermediário entre o sistema acusatório e o sistema inquisitivo. Isso porque, ao mesmo tempo em que há a observância de garantias constitucionais, como a presunção de inocência, a ampla defesa e o contraditório, mantém alguns resquícios do sistema inquisitivo, a exemplo da faculdade que

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assiste ao juiz quanto à produção probatória ex officio e das restrições à publicidade do processo que podem ser impostas em determinadas hipóteses.

Por fim, crê-se ser pertinente analisar o sistema acusatório de garantias, o qual é adotado pela Constituição Brasileira. Para Avena (2015), este é o sistema próprio dos regimes democráticos. Caracteriza-se pela distinção absoluta entre as funções de acusar, defender e julgar, que deverão ficar a cargo de pessoas distintas. Chama o autor de “acusatório” porque, à luz desse sistema, ninguém poderá ser chamado a juízo sem que haja uma acusação, por meio da qual o fato imputado seja narrado com todas as suas circunstâncias.

Nesse sentido, ensina Avena (2015, p. 09):

[...] asseguram-se ao acusado o contraditório e a ampla defesa. Como decorrência destes postulados, garante-se à defesa o direito de manifestar-se apenas depois da acusação, exceto quando quimanifestar-ser e puder abrir mão desse direito. [...] Como regra, são públicos os atos processuais, o que apenas é ressalvado em hipóteses expressamente previstas. Quanto à produção probatória, é de incumbência das partes, descabendo ao juiz substituir-se a elas no intuito de buscar a comprovação de fatos que, apesar de articulados, não tenham sido demonstrados pelos acusados.

Outra consideração importante que faz Avena (2015) é no que tange à isonomia processual, princípio decorrente do referido sistema. Significa que a acusação e a defesa devem estar em posição de equilíbrio no processo, sendo-lhes asseguradas idênticas oportunidades de intervenção e igual possibilidade de acesso aos meios pelos quais poderão demonstrar a verdade do que alegam. Assim sendo, é imprescindível também, a imparcialidade do magistrado ao conduzir determinado processo, a fim de que, verdadeiramente, se tenha defesa e acusação em situação processual análoga.

Nesse ínterim, vivendo-se em meio a uma sociedade considerada democrática de direitos, e que adota o sistema penal acusatório de garantias, é basilar que se analise o princípio da presunção de inocência, o qual prevê, primordialmente, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ou seja, toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa,

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tal como prevista sua garantia tanto na Constituição Federal de 19881, quanto no

Pacto de San José da Costa Rica2, do qual o Brasil é signatário.

Inicialmente, Lopes Júnior (2013) caracteriza o princípio da presunção de inocência como sendo o reitor do processo penal, aduzindo que tal é fruto da evolução civilizatória do processo penal.

Nesse sentido, pondera Luigi Ferrajoli (2002, p. 441), que este:

[...] é um princípio fundamental de civilidade, representa o fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado. “Basta ao corpo social que os culpados sejam geralmente punidos”, escreveu Lauzé di Peret, “pois é seu maior interesse é que todos os inocentes sem exceção sejam protegidos”.

É diante dessa opção, que, segundo Ferrajoli (2002), Montesquieu (1748) fundou o nexo entre liberdade e segurança dos cidadãos. O autor (FERRAJOLI, 2002, p. 441) assevera que “[...] a liberdade política consiste na segurança, ou, ao menos, na convicção que se tem da própria segurança”, e “[...] essa segurança nunca é posta em perigo maior do que nas acusações públicas e privadas”, de modo que “quando a inocência dos cidadãos não é garantida, tampouco o é a liberdade”.

É célebre o ensinamento de Montesquieu vez que retrata exatamente o que a sociedade atual vive. A presunção, de forma quase que absoluta, de que tal indivíduo cometeu determinado crime, desacreditando, portanto, na sua inocência, não garante sua liberdade, tampouco daqueles que acreditam na sua prática delituosa, uma vez que o receio possivelmente deve recair sob estes cidadãos.

Ferrajoli (2002) elenca que disso decorre - se é verdade que os direitos dos cidadãos são ameaçados não só pelos delitos, mas também pelas penas arbitrárias -

1 Artigo 5º, inciso LVII: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença

penal condenatória.

2 Artigo 8. Garantias judiciais – 1: Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e

dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza; 2: Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.

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que a presunção de inocência não é apenas uma garantia de liberdade e de verdade, mas também uma garantia de segurança. Ou, se preferirmos, de defesa social: da específica “segurança” fornecida pelo Estado de direito e expressa pela confiança dos cidadãos na justiça e aquela específica “defesa” destes contra o contraditório punitivo.

Em outras palavras, entende-se que, ao mesmo tempo em que analisado o princípio da presunção de inocência, ou seja, verificada a presença de culpabilidade de determinado acusado, após uma sentença condenatória transitada em julgado, tem-se a garantia de segurança, que é dever do Estado. Obviamente que esta proteção dar-se-á, então, com a devida condenação de tal indivíduo.

Mister ponderar, ainda, ao que Luiz Flávio Gomes (2007, p. 535) aduz que o termo culpabilidade se contrapõe, numa primeira acepção, de raiz constitucional – a da inocência. Isso, pois, nas palavras do autor, quando se diz que o réu é culpado, significa que sua inocência foi derrubada por provas contundentes e válidas produzidas no processo. E, desta forma, ser culpado normalmente significa ser penalmente responsabilizado.

Ainda, nesse sentido, José Antonio Paganella Boschi (2004, p. 65) destaca que da mente de Beccaria (1764), por exemplo, brotaram as primeiras ideias de proporcionalidade e de humanidade das penas (o que implica conduzir à culpabilidade), revoltado com o direito penal do horror praticado pelo Estado/Igreja, até o fim da Idade Média, e com a impunidade de certas figuras, como nobres, magistrados, cavaleiros e outras figuras proeminentes, que compunham a estrutura do consórcio montado à época.

Nesse contexto, e, ao mesmo tempo estritamente associado às prisões cautelares, Cruz (apud MACHADO, 2013) reporta que a segregação processual ou cautelar não era caracterizada pela marca da excepcionalidade, porquanto, ainda que já revogado, desde 1967, o permissivo legal que impunha a prisão pela simples natureza mais grave do crime. A praxe judiciária era tímida na concessão de liberdade provisória a investigados e réus criminais. Uma das razões para tanto era

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a ausência de percepção clara de que a liberdade deveria ser a regra enquanto pendia o processo penal.

Cruz (apud MACHADO, 2013) também menciona que uma possível justificativa para tal comportamento se poderia creditar ao fato de que a presunção da inocência (ou de não culpabilidade, na expressão utilizada pelo Constituinte) até então não era positivada em nossa história constitucional. Isso dificultava sua incorporação ao agir judicial.

Por conseguinte, válido ressaltar que, segundo Ferrajoli (2002, p. 442), o princípio da presunção da inocência, ainda que reabilitado pela doutrina, restou esvaziado ou no mínimo enfraquecido em ambos os significados garantistas a ela associáveis: seja no sentido de “regra do tratamento do imputado”, que exclui ou ao menos restringe ao máximo a limitação da liberdade pessoal; ou no sentido de “regra de juízo”, que impõe o ônus da prova à acusação além da absolvição em caso de dúvida.

Assim sendo, verifica-se que o contexto probatório carreado aos autos, especialmente naquele conjunto de provas produzido pela acusação, deve trazer convicção quanto à autoria delitiva, uma vez que certamente a decisão judicial será fundada com base no princípio da presunção da inocência. Caso contrário, ou seja, existindo dúvida, o que resta é, obviamente, a absolvição que, conforme Ferrajoli (2002), também é incumbência da acusação.

Ainda, segundo Sanguiné (2014), a presunção de inocência tem conexão com o princípio indubio pro reo, porém dele se distingue porque se aplica indiferentemente a todas as etapas do procedimento, enquanto o in dubio pro reo somente se aplica depois que o juiz tenha avaliado toda a prova, não tendo incidência no campo legislativo e tampouco no campo da interpretação legal, mas sobre a base fática da avaliação da prova da culpabilidade.

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[...] o princípio indubio pro reo constitui uma formulação antiga do atual direito fundamental à presunção de inocência, de modo que não tem sentido e fracassaram todos os esforços por distingui-los. Portanto, a melhor forma de interpretar tanto o favor rei quanto o indubio pro reo, é percebê-los como aspectos ou manifestações do âmbito de proteção da presunção de inocência. Desde uma perspectiva constitucional, não parece adequado vincular a presunção de inocência a um princípio geral de direito (favor rei ou indubio pro reo), pois se colocaria a latere sua natureza de direito fundamental constitucional e se dificultaria a sua tendência expansiva.

Assim, o que se percebe é que na existência de dúvida, se favoreça ao réu de tal maneira que não se perca o conceito de direito fundamental constitucional, uma vez que o princípio da presunção de inocência é tão somente uma nova maneira de expressar o princípio do in dubio pro reo.

Segundo Machado (apud CRUZ, 2013), vive-se desde o fim do último regime de exceção, o maior período de democracia ininterrupta da história da nação. Pode-se afirmar que estamos em pleno processo de amadurecimento de nossas instituições e, também, de nossa percepção do que a ideia de democracia implica no cotidiano das relações intersubjetivas e, mais ainda, das relações entre o Estado (por seus agentes) e os indivíduos.

Especialmente, no âmbito do sistema de criminal, para Cruz (apud MACHADO, 2013), são inegáveis os avanços normativos e funcionais com as reformas promovidas no Código de Processo Penal. Isso se deve também às constantes exigências de uma atuação cada vez mais transparente, objetiva e racional, por parte, sobretudo, de juízes e membros do Ministério Público, em que pese a forte pressão da sociedade e de alguns setores da mídia por uma aplicação mais rigorosa e inflexível das leis penais.

Assim sendo, percebe-se que o indivíduo que está inserido em uma sociedade e que, inerente a qualquer relação social, resulte suas ações em algo diverso do que se considera adequado, ou seja, havendo a possibilidade do mesmo ter cometido um crime o que se espera das instituições do Estado é a sua punição, ou, como coloquialmente falado, o “pagar pelo que fez”.

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Felizmente, como corroborado por Machado (apud CRUZ, 2013), esse papel institucional vem evoluindo com o decorrer do tempo, sendo possível se obter decisões cada vez mais claras, objetivas e racionais.

1.2 Prisão pena e prisão cautelar: natureza jurídica

É evidente que a evolução da forma de punir precisa ser contextualizada historicamente, considerando-se a época em que o fato fora praticado. Bem se sabe que, na Antiguidade, a forma utilizada para repreender atos delitivos era a retratação do delituoso frente à divindade, e que inexistia a concepção de privar alguém de sua liberdade como uma punição resultante de um crime. Conforme ensinam Shecaira e Correa Júnior (2002, p. 33), a pena aplicada à maioria dos delitos era a de morte, além dos açoites, mutilações (penas corporais) e aquelas denominadas infamantes.

Ainda nesse contexto, aduzem os autores mencionados (SHECAIRA; CORREA JÚNIOR, 2002, p. 24):

[...] a função da pena era reparatória, ou seja, pretendia fazer com que o infrator, ao ser punido, se retratasse frente à divindade. Além disso, a pena visava a restauração da integridade coletiva diante da divindade cultuada [grifo dos autores].

Ressalta-se que, incorporado a tal contexto histórico, considerando que o objeto da pena era o corpo do condenado, o cárcere era perfeito para mantê-lo sob vigia até o momento da execução, conforme Shecaira e Correa Júnior (2002).

Em momento posterior e ainda com base nas afirmações de Shecaira e Correa Júnior (2002), a vingança surge como forma de punição, ou seja, quando inicia a segregação dos grupos em outros secundários. Dentro de tal contexto, perante as ideologias distintas de cada povo, o homem usa de objeto punitivo (a vingança) e parte a fazer justiça com as próprias mãos, baseado, talvez involuntariamente, em fundamentos da Lei de Talião3.

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Referem Shecaira e Correa Júnior (2002, p. 26) que, quanto à forma de punição, as sociedades antigas desconheceram totalmente a privação da liberdade como punição autônoma, utilizando-a unicamente como modo de preservação do corpo do sentenciado para posterior aplicação da pena capital.

Já em outro contexto histórico, das Idades Média (do século V ao XV) e Moderna (entre os séculos XV e XVIII), a forma repressiva era aplicada com a perda da paz do infrator4. Tal período esteve sob significativa influência do Direito Penal

canônico, que visava, acima de tudo, a punição pública, contrariando, portanto, a prática individualista do direito germânico.

Ressalta-se tal período com certa primazia, pois foi nesse contexto que sobreveio a inicial premissa que seria a maior substituta da pena capital: o surgimento da privação de liberdade como pena, apesar de o foco permanecer nas sanções pecuniárias, penas corporais e pena capital, segundo Shecaira e Corrêa Junior (2002, p. 31).

Assinala-se que, concernente ao surgimento da Idade Moderna e como consequência de inúmeras guerras religiosas, ocorreu uma pobreza generalizada que se alastrou por todo continente europeu, crescendo, portanto, conforme Shecaira e Correa Júnior (2002, p. 31), o número de desafortunados e, consequentemente, o de delinquentes.

Nesse diapasão, verifica-se que a pena privativa de liberdade como sanção, difere da pena utilizada em tempos antigos, na qual tinha como propósito o corpo do condenado. Destaca-se que a repressão não ocorria de imediato, sendo necessário, portanto, o cárcere até o momento da execução.

Nas palavras de Shecaira e Corrêa Junior (2002, p. 33-34):

[...] na Idade Média, a prisão seguiu o mesmo caminho, sendo usada apenas como sala de espera dos mais terríveis tipos de tormentos e

4 Nos primeiros tempos de predomínio germânico, a punição dos delitos era realizada através da

perda da paz, na qual se retirava a proteção social do condenado, possibilitando que qualquer pessoa o agredisse ou matasse impunemente. (SHECAIRA; CORRÊA JÚNIOR, 2002, p. 30)

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castigos. É neste período, porém, que a prisão-custódia dá lugar à prisão como pena, surgindo o primeiro sinal histórico da prisão como verdadeira pena privativa de liberdade. [...] Tinha a finalidade de fazer com que o recluso meditasse, refletisse e se arrependesse da infração cometida. Cárcere como penitência e meditação, o que originou a palavra “penitenciária”, usada até hoje.

Portanto, é vísivel que a prisão cautelar era utilizada como um método de acolhimento e passagem, isto é, o réu ficava recolhido até o momento de sua condenação.

Ademais, verifica-se que a privação da liberdade do indivíduo surgiu diante da necessidade de alteração da forma de punir. Isso, pois, durante a Idade Moderna, período superveniente à queda de Constantinopla e ao desaparecimento do feudalismo, houve acentuação da pobreza e, consequentemente, do número de delinquentes, conforme corroboram Shecaira e Corrêa Júnior (2002).

Dessa forma, a privação da liberdade foi a solução encontrada, uma vez que a pena de morte não era adequada para ser aplicada a inúmeros seres humanos. Em tal contexto, segundo Melossi e Pavarini (apud SHECAIRA; CORRÊA JÚNIOR, 2002, p. 34):

[...] o surgimento da prisão pena aplica-se menos pela existência de um propósito humanitário e idealista de reabilitação do delinquente, e mais pela necessidade emergente de possuir um instrumento que permitisse a submissão da classe menos favorecida ao regime dominante, vale dizer, o capitalismo.

Da mesma maneira que as mudanças e a evolução na forma de punir predominaram no cenário mundial em determinadas épocas, o Brasil passou por tais influências, sendo hoje a pena de custódia também uma forma de punição, senão a mais utilizada pelo sistema processual penal brasileiro.

Diante de todo exposto, pode-se dizer que a prisão pena é resultado de uma sentença penal condenatória transitada em julgado, que teve o reconhecimento da autoria delitiva de tal acusado pela prática de determinado crime. Assim, pode ser considerada como a pena final do processo, que, durante o curso, mediante provas carreadas, teve comprovada a culpabilidade do indivíduo.

(24)

Diversamente, a prisão cautelar busca a segregação do acusado como meio excepcional, com caráter provisório, configurados o fumus comissi delicti e o periculum libertatis. Ora, quando se mencionam estes dois requisitos, bem se sabe que a cautelar, quando decretada, é, basicamente, com a finalidade de prevenir o risco que a liberdade do acusado possa acarretar ao andamento da persecução penal, à ordem pública, ou à aplicação da lei penal. Portanto, não há que se falar, em hipótese alguma, desta ser determinada com fim punitivo, uma vez que é intrínseca ao princípio da provisionalidade.

Contudo, bem se sabe que tal natureza acautelatória deveria ser excepcional ao sistema, uma vez que a antecipação de pena é claramente inconstitucional. Conforme corrobora Carlos Eduardo Neves (2002), verifica-se cotidianamente a utilização abusiva da prisão preventiva e o indeferimento de pedidos de liberdade provisória. Ainda, é visível que magistrados utilizam a segregação cautelar como forma de antecipação da pena, de acordo com o que corrobora Neves (2002).

Nesse aspecto, menciona Ferrajoli(2002, p. 623):

[...] o traço inconfundivelmente policialesco do instituto – com a incompatibilidade em relação a todas garantias penais e processuais, e antes de toda presunção de não culpabilidade – resta no caráter arbitrário, em todos os casos não cognitivos, mas protestativos dos seus pressupostos [...].

Policialescas, de outra parte, são também duas funções efetivas – de ordem punitiva e processual – desenvolvidas com prevalência pela polícia. A primeira função é aquela ligada à sua natureza de pena antecipada. Sob tal aspecto, a captura do imputado suspeito imediatamente após o fato, representa, indubitavelmente, a medida de defesa social mais eficaz: primeiro se pune, e, depois, se processa, ou melhor, se pune processando.

Assim, verifica-se a evidente disparidade quando da decretação de segregação cautelar sob o fundamento de defesa social, vez que, conforme Ferrajoli (2002, p. 623) são essas apenas medidas preventivas, sendo cominadas não apenas com base em provas, mas na simples suspeição de culpabilidade, ou, pior, na presunção de periculosidade social do réu.

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Por fim, considerando o estudo da massiva decretação de uma prisão que sequer advenha de sentença condenatória transitada em julgado, e que, infelizmente, é, atualmente utilizada no país de forma significativa, é basilar que se examine de forma aprofundada os princípios que norteiam o sistema cautelar brasileiro.

1.3 Principiologia das prisões cautelares

Em consonância com a análise da presunção de inocência e o sistema acusatório de garantias, além da natureza jurídica da prisão pena e da prisão cautelar, é fundamental que se estude os princípios que norteiam a decretação de prisões cautelares no sistema processual penal brasileiro.

Prontamente, analisa-se o princípio da jurisdicionalidade. Pressupõe o dever de motivação das decisões judiciais, previsto no Código de Processo Penal Brasileiro5, e, acima de tudo, na Constituição Federal Brasileira, preconizando a

necessidade de ordem judicial fundamentada para a decretação de qualquer prisão cautelar6. Ausente o respaldo nas decisões acerca de prisão preventiva, tal ordem

seria impossível de cumprimento.

Outrossim, segundo Marcellus Polastri Lima (2006, p. 288), o estudo deste princípio significa a conclusão de que as medidas cautelares pessoais, tal qual as demais cautelares no processo penal só podem ser adotadas, em regra, por órgão judicial competente. De suma relevância ponderar aqui que de nada adianta a concordância do Ministério Público à manifestação da autoridade policial quando esta não for submetida à apreciação da autoridade judicial, por exemplo.

Ainda, para Lopes Júnior (2013), o contraditório é precisamente compatível com algumas situações de tutela cautelar. Percebe-se a relevância da opinião do autor, tendo em vista que, a seu ver, seria necessário que o detido fosse desde logo

5 Artigo 315, CPP: “A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre

motivada”. (BRASIL, 1941)

6 Artigo 93, inciso IX, CF: “Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá

sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX- todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões [...]”. (BRASIL, 1988)

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encaminhado ao juiz que determinou sua prisão, para que, após ouvi-lo, houvesse um interrogatório restrito à inquirição sobre a necessidade ou não do cárcere. Logo, na célere ideia do autor, resta evidente a intenção de uma audiência de custódia, que certamente faria a decisão judicial mais justa e humanizada.

Veja-se referir o autor (LOPES, 2013, p. 21-22):

[...] pensamos que o ideal seria o juiz, à luz do pedido de adoção de alguma medida cautelar, intimar o imputado para uma audiência, onde sob a égide da oralidade se efetivaria o contraditório e o direito de defesa, na medida em que o acusador sustentaria os motivos de seu pedido e o réu, de outro lado, argumentaria sobre a falta de necessidade da medida (seja por fragilidade do fumus comissi delicti ou do periculum libertatis). Tal medida é muito importante e contribui para a melhor decisão do juiz.

Também, segue Lopes Júnior (2013) referindo que a provisionalidade é fundamental nas prisões cautelares, vez que são situacionais, na medida em que tutelam uma circunstância fática. Ou seja, dado o desaparecimento de tal suporte que legitima a medida e corporifica-se no periculum libertatis, deve cessar a prisão. Portanto, a ordem judiciária que decretar o encarceramento do delituoso não pode apropriar-se do tempo, devendo observar o disposto no Artigo 282, § 4º e § 5º, do Código Processual Penal brasileiro7.

No mesmo sentido, as palavras de Lima (2006) aduzem que o preceito da provisionalidade resta previsto no Artigo 316, do Código de Processo Penal, o qual assegura a revogação da prisão preventiva a qualquer tempo, caso desaparecidos os motivos que a autorizaram, podendo, ainda, caso apareçam novos motivos, ser novamente decretada.

Ainda, ressalta Lima (2006), que tal princípio difere da provisoriedade, que é comum às cautelares cíveis, e que diz respeito ao tempo de duração da cautelar,

7 Art. 282, CPP: “As medidas cautelares previstas neste título deverão ser aplicadas observando-se a:

§ 4o : No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante

requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único) e § 5o: O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de

motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem”. (BRASIL, 1941)

(27)

sendo certo que toda cautelar processual penal, mormente a prisão, deve ser temporária e decretada para o tempo necessário.

Apesar de diferir do princípio da provisionalidade, está o da provisoriedade intimamente aliado àquele, que, nas palavras de Lopes Júnior (2013), prevê a necessidade de fixação de tempo máximo para duração da prisão preventiva. O referido autor defende essa premissa em virtude de que a medida não deve equivaler-se à pena antecipada. De tal maneira, é preciso a determinação cronológica para que, por fim, não se precipite uma eventual sanção de pena.

Outrossim, de suma relevância destacar o princípio da excepcionalidade. Cá, diante da inobservância de tal, Lopes Júnior (2013) enfatiza uma das mais tristes mazelas do sistema processual penal: a segregação preventiva, que era para ser uma excepcionalidade, conforme o elencado no Código de Processo Penal brasileiro8, tornou-se medida substancial, acarretando, assim, a superlotação das

casas prisionais.

Em suma, a excepcionalidade consagra a pertinência de a prisão preventiva ser utilizada em ultima ratio do sistema. Obviamente quando elencados os princípios descritos, se evidenciou a precisão de certa proporcionalidade na decretação ou não da prisão preventiva.

Portanto, Lopes Júnior (2013, p. 47), preconiza:

[...] a necessidade “preconiza que a medida não deve exceder o imprescindível para a realização do resultado que almeja (SOUZA DE OLIVEIRA, Fábio Côrrea. Op. Cit., p.321)”. Relaciona-se, assim, com os princípios da provisoriedade e provisionalidade.

A proporcionalidade em sentido estrito significa o sopesamento dos bens em jogo, cabendo ao juiz utilizar a lógica da ponderação. De um lado, o imenso custo de submeter alguém que é presumidamente inocente a uma pena de prisão, sem processo e sem sentença, e, de outro lado, a necessidade da prisão e os elementos probatórios existentes.

8 Art. 282: “As medidas cautelares previstas neste título deverão ser aplicadas observando-se a: § 6o:

A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)”. (BRASIL, 1941)

(28)

Finalmente, ensina Lima (2006) que medidas cautelares só devem ser adotadas quando indispensáveis e se inexistirem outras medidas menos gravosas, o que, de certa forma, respalda a pertinência do poder geral de cautela no processo penal.

1.4 Fumus comissi delicti, periculum libertatis e as prisões cautelares

Além dos princípios norteadores do direito processual penal brasileiro, especialmente no que tange às prisões cautelares e as demais medidas cautelares de coerção pessoal, é válido explorar os pressupostos que também devem servir de embasamento para tais segregações. O artigo 312, do Código de Processo Penal Brasileiro9, discorre acerca das possibilidades que podem ser geradoras da prisão

preventiva, além da imprescindibilidade de requisito e fundamento para sua proposição.

Segundo Mellado (apud SANGUINÉ, 2014), o fumus comissi delicti consiste na dicção do legislador, na prova da existência do crime e do indício suficiente da autoria. Conforme inculca Mellado (apud SANGUINÉ, 2014), isso nada mais é do que um juízo de imputação, que consistirá em juízo de probabilidade penal, o qual pressupõe a existência de fatos objetivos que levam a considerar a pessoa suspeita do cometimento de um crime.

No mesmo sentido, Varone (apud SANGUINÉ, 2014), menciona que a expressão latina significa um juízo de prognóstico, de provável cometimento do crime, isto é, de uma razoável previsão de que, com base nos elementos disponíveis, o imputado será condenado em juízo.

Nessa esteira, Nieves Arrese Iriondo (apud SANGUINÉ, 2014, p. 119) refere que:

[...] como pressuposto para dispor a privação da liberdade de uma pessoa no marco de um processo penal devem existir elementos de prova sérios

9 Art. 312: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem

econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (BRASIL, 1941).

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que vinculem ao imputado com o fato investigado. Isso configura uma exigência inafastável no momento de impor qualquer medida cautelar, já que a prova que vincula a pessoa ao fato, é o que distingue a pessoa inocente – contra quem se decreta a medida – das demais pessoas, contra quem não se estabelece medida de coerção alguma, mas igualmente inocentes.

Assim, o que se verifica é que basta um indício de autoria, bem como é suficiente uma prova contundente da existência do fato delitivo, para a autorização da prisão preventiva. É assim que se evidencia que a custódia cautelar realmente tornou-se fundamental e não subsidiária, como deveria ser.

Outrossim, é imperiosa a presença do periculum libertatis como pressuposto para a decretação de medida cautelar, especificamente a prisão. Congênere, aduz Sanguiné (2014) o periculum libertatis consiste na finalidade da medida cautelar direcionada prevenir um risco processual e, se o imputado permanecer em liberdade, durante a investigação ou no curso da ação penal, garantindo, assim, a efetividade do processo e da sentença de mérito.

Ademais, adiciona o autor mencionado (SANGUINÉ, 2014, p. 117):

[...] o periculum libertatis consiste na situação de risco relevante para a efetividade do processo e/ou da execução futura da eventual sentença condenatória. Esse pressuposto contém duas exigências relacionadas com os requisitos legais eventuais previstos no artigo 312, CPP: (a) o cometimento de um delito doloso – não basta que seja culposo nem que seja uma contravenção – de determinada gravidade, isto é, cuja pena cominada seja superior a quatro anos; (b) necessidade da medida para o cumprimento de fins cautelares expressamente previstos na legislação, tais como evitar o risco de fuga, desaparecimento ou alteração das fontes de prova ou a prevenção da reiteração delitiva.

Trata-se, portanto, do risco de fuga do imputado, porquanto impediria a execução da pena e, em casos menos frequentes, para o desenvolvimento regular do processo mediante ocultação ou destruição de provas, ou, finalmente, para evitar o cometimento de novos crimes. (SANGUINÉ, 2014)

Destaca Victor Moreno Catena (apud SANGUINÉ, 2014) ser conveniente distinguir, dessa forma, as situações constitutivas do risco na demora (periculum libertatis) consideradas relevantes e legítimas para fundar uma prisão provisória (o

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perigo de fuga, de ocultação probatória, de reiteração delitiva, entre outras), das denominadas circunstâncias comprobatórias fáticas indicativas da existência de tal situação relevante de perigo (gravidade do crime, antecedentes criminais, proteção da vítima – especialmente de violência doméstica -, delinquência organizada ou habitual).

Conquanto, para Gérard Piquerez (apud SANGUINÉ, 2014), quaisquer dos requisitos referidos devem ser demonstrados por fatos precisos, em cada caso concreto, sob o perigo de conluio para alterar as provas, não sendo suficiente a gravidade da infração; outro fator a ser observado é que o perigo de fuga dependerá do caráter do interessado, da ausência de domicílio fixo, da profissão, dos recursos do apenado, dos seus laços familiares e outros aspectos que evidenciem a vontade do imputado de se subtrair à ação da justiça. A fuga não deve ser “objetivamente” possível, mas provável; o perigo de repetição da infração deve ser concreto e não apenas hipotético e não pode ser um produto de imaginação ou pré-julgamento.

Em raciocínio análogo, Ferrajoli (2002, p. 623) explica que:

[...] produziu-se, em suma, um tipo de espiral, por força da qual a praxe perversa, alimentada pela natureza do instituto, solicitou dela ulteriores perversões legislativas, que acabaram por provocar ulteriores perversões judiciárias e assim por diante.

O traço inconfundivelmente policialesco do instituto-com a incompatibilidade em relação a todas garantias penais e processuais, e antes de toda presunção de não culpabilidade – resta no caráter arbitrário, em todos os casos não cognitivo, mas protestativo dos seus pressupostos. Pela sua natureza, de fato, não são passíveis de provas ou desmentidos nem a “gravidade” dos indícios de culpabilidade, tampouco as razões opinativas que possam fazer supor o “perigo” de fuga do imputado. Este último motivo de captura, em particular, é irremediavelmente policialesco e revela o caráter da medida de prevenção e defesa social verdadeiramente assumido pela custódia cautelar.

Verifica-se que a necessidade da utilização da prisão preventiva retrata exatamente o pensar de Ferrajoli (2002): traço inconfundivelmente policialesco. E, assim, claramente se chega ao ápice do uso de tal medida, que deveria ser excepcional.

(31)

Portanto, a liberdade do imputado pode acarretar no risco de dificuldades no curso processual, além da possibilidade de fuga daquele e, obviamente, o posterior fracasso da função punitiva, tal como a persistência na prática criminosa.

Ora, verifica-se que toda essa presunção a que é incumbida ao periculum libertatis é um tanto quanto excedente. Apesar de se estar inserido em uma sociedade que enfrenta diversos problemas no que tange à segurança pública, e, consequentemente, às práticas delituosas frequentes, não se pode pressupor que, por ter cometido um crime hoje, o mesmo infrator venha cometer outro delito posteriormente, tendo em vista o auferido por Lopes Júnior (2013). Nesse sentido, Lopes Júnior (2013, p. 27), explica que “[...] o fundamento é um periculum libertatis enquanto perigo que decorre do estado de liberdade do imputado”.

Sanguiné (2014, p. 125) ainda acrescenta que o pressuposto do periculum libertatis (urgência da medida cautelar) deve se integrar à obtenção de finalidades constitucionalmente legítimas e adequadas com a natureza cautelar da prisão provisória.

Assim, se os fins visados com a prisão provisória não são constitucionalmente legítimos, a medida cautelar resultará ilegítima. Desse modo, o perigo na demora remete aos riscos relevantes, e estes dependem essencialmente das finalidades constitucionais legítimas dessa medida. (SANGUINÉ, 2014, p. 125)

Por conseguinte, considerando o elencado por Sanguiné (2014) e a forma como se vê as prisões cautelares sendo utilizadas atualmente, verifica-se que há, de fato, a necessidade de finalidades constitucionalmente legítimas e adequadas para sua decretação. Diante disso, ressalta-se que para a determinação das medidas alternativas ao cárcere preventivo, também se exige a corporificação com base no periculum libertatis e o fumus comissi delicti.

1.5 Pressupostos, fundamentos e limites para a incidência das medidas cautelares alternativas à prisão preventiva

(32)

Com as modificações feitas no CPP pela Lei nº 12.403/2011, é preciso que se estude a aplicabilidade das medidas cautelares diversas à prisão preventiva que se encontram elencadas no rol do artigo 319, do Código de Processo Penal brasileiro10.

Primeiramente, é de suma relevância destacar que Lopes Júnior (2013, p. 145) é enfático ao argumentar que não se trata de tais medidas quando não estiverem presentes os fundamentos da prisão preventiva, considerando-se que:

[...] são medidas cautelares e, portanto, exigem a presença do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, não podendo, sem eles, serem impostos. Assim, se durante uma prisão preventiva desaparecer completamente o requisito e/ou fundamento, deve o agente ser libertado sem a imposição de qualquer medida alternativa.

Em conformidade, Andrey Borges de Mendonça (apud SANGUINÉ, 2014) elenca que há um consenso no sentido de que todas as medidas alternativas à prisão possuem natureza cautelar, conforme se deduz dos termos expressamente utilizados pelos artigos 282, caput, e 319, do CPP. Destarte, para o autor (MENDONÇA apud SANGUINÉ, 2014), o magistrado deve verificar a existência concomitante de dois fundamentos materiais: indício de cometimento de crime (fumus comissi delicti) e o risco para o processo penal (periculum libertatis).

Para Mendonça (apud SANGUINÉ, 2014), portanto, estes dois fundamentos materiais sempre devem coexistir para a decretação de qualquer das medidas cautelares do Título IX, tanto em relação às medidas alternativas à prisão previstas

10Art. 319: “São medidas cautelares diversas da prisão: I - comparecimento periódico em juízo, no

prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX - monitoração eletrônica”. (BRASIL, 1941)

(33)

nos artigos 319 e 320, do CPP – qualquer que seja a intensidade lesiva – quanto à prisão cautelar (temporária ou preventiva).

Partindo de tais requisitos, lembra-se que as medidas alternativas à prisão preventiva também são de possível sobreposição nos crimes cuja pena máxima é igual ou inferior a 4 (quatro) anos. Isto é, nas situações que o artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal, veda a prisão preventiva, desde que se tenha, então, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis. (LOPES JÚNIOR, 2013)

Eis que, aí, surgira o grande medo de Lopes Júnior (2013), com o qual obviamente concorda-se: a utilização massiva e indevida da medida de controle. É esse, como já mencionado, um dos piores déficits da sociedade brasileira atual. Lopes Júnior (2013) defende que enquanto o uso desenfreado da prisão preventiva perdurar, tal como as medidas alternativas àquela forma de repreensão, por mais que parcamente, o número de presos continuará elevando-se, e, tristemente, trata-se do número de detidos que trata-sequer possuem processo ou trata-sentença condenatória transitada em julgado.

Em consonância com Lopes Júnior (2013), destaca-se o que ensina Javier Llober Rodríguez LL. M. (apud SANGUINÉ, 2014):

[...] a busca de alternativas à prisão cautelar não é uma consequência da presunção de inocência, mas do princípio da proporcionalidade, tendo em vista que também outras medidas que se aplicassem em seu lugar, pressuporiam uma limitação da liberdade pessoal do imputado. Partindo-se de que a prisão provisória não viola a presunção de inocência quando desempenha uma função de asseguramento processual, e não uma função própria do Direito Penal, então não se pode afirmar que, com base na presunção de inocência, devem buscar-se alternativas à prisão provisória. Trata-se, em realidade, de um problema de intensidade da limitação da liberdade pessoal, que está por isso relacionado com o princípio da proporcionalidade

E, para evitar o problema do uso desenfreado da prisão cautelar, o que fazer? Baseado no ensinamento de Sanguiné (2014), o Comitê de Ministros do Conselho da Europa prevê na Recomendação nº 13 (2006) como um de seus princípios gerais: para evitar a utilização inadequada da prisão provisória, se deve dispor do mais amplo elenco possível de medidas alternativas menos restritivas à conduta do

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suspeito. Não obstante, o Brasil não usurpa de um rol significativo de alternativas à segregação preventiva? Claramente, sim.

Bem se sabe, portanto, que no país em que se vive o déficit é outro. Conforme Fábio Machado de Almeida Delmanto (apud SANGUINÉ, 2014), no Brasil, a busca de alternativas às penas da prisão, especialmente as de curta duração, devido aos seus efeitos criminógenos, faz mais patente a necessidade de o legislador acudir às medidas alternativas à prisão cautelar.

Na mesma linha de pensamento, Giovanni Chiodi (apud SANGUINÉ, 2014) preconiza que enquanto se nota a tendência do direito penal material à despenalização, se constata com preocupação uma tendência inversa de instrumentalização do processo penal com fins punitivos: se diminuem as penas e se aumentam os prazos da prisão preventiva.

Assim, partindo-se da premissa da necessidade do legislador em acudir as medidas alternativas à prisão cautelar, é cabível acentuar, também, quanto à dificuldade de adoção destas. Trata-se do que já foi mencionado quanto ao cenário cultural em que se está inserido, fazendo com que além dos legisladores, os magistrados e membros do Ministério Público decidam acerca da temática, inúmeras vezes, tão somente de forma a satisfazer o clamor social.

Nesse diapasão, Ferrajoli (apud SANGUINÉ, 2014) leciona:

[...] a aflitividade da prisão provisória deveria reduzir-se ao mínimo, pois, se fosse verdade que não tem natureza punitiva, mas cautelar, e que a sua aflitividade é sempre uma injustiça, o cidadão que a padece deveria, pelo menos, ter direito a sofrê-la em locais dotados de toda a comodidade de uma boa pousada.

Por fim, conforme Vicente Gimeno Sendra (apud SANGUINÉ, 2014), a recente reforma operada pela Lei nº 12.403/2011 introduziu um amplo rol de medidas cautelares alternativas à prisão, menos gravosas e menos estigmatizantes, asseguradoras do efetivo comparecimento do imputado no julgamento, e que, ao

(35)

mesmo tempo, evitam o “contágio criminal” carcerário entre presos provisórios e apenados.

Outrossim, no mesmo sentido, Christophe Cardet (apud SANGUINÉ, 2014) recorda que o encarceramento incrementa a reincidência, pouco importando se está se tratando de prisão cautelar ou de prisão pena.

E, finalmente, em concordância, Fábio Machado de Almeida Delmanto (apud SANGUINÉ, 2014) afirma que uma das maneiras efetivas pela qual é possível conter, na prática, o uso abusivo da prisão cautelar consiste em escapar de uma radical bipolaridade político-criminal: prisão-liberdade provisória e criar um amplo rol de medidas cautelares alternativas à prisão.

Portanto, é visível a necessidade de adequação no uso de tais medidas, vez que as alterações advindas da Lei nº 12.403/2011 devem acarretar uma melhoria no sistema prisional brasileiro, a fim de evitar, entre outas coisas, que não se aumente ainda mais um de seus maiores problemas: a superlotação dos presídios. São também alternativas à drasticidade e à banalização do cárcere preventivo, com o intuito de minimizar as mazelas do sistema penitenciário brasileiro, ainda que não diretamente e a longo prazo.

Nesse sentido, a implantação e implementação da audiência de custódia, a priorizar a apresentação do preso em flagrante à autoridade judiciária em até 24h da comunicação do auto de prisão, pode ser um importante instrumento na viabilização do uso das medidas cautelares de coerção pessoal, alternativas à prisão preventiva, ao encontro do caráter excepcional dessa medida, como será abordado no próximo capítulo.

(36)

2 AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: A BUSCA PELA HUMANIZAÇÃO DO

PROCESSO PENAL BRASILEIRO E SEUS REFLEXOS NO SISTEMA

PRISIONAL

Dentre as formas de prisão possíveis segundo a legislação brasileira e, especialmente a processual penal, encontra-se a prisão em flagrante. Ela pode, inclusive, ser procedida por qualquer indivíduo da sociedade, não havendo necessidade de que seja dada a voz de prisão apenas por agentes ou autoridades policiais, conforme se depreende do disposto no artigo 301, do CPP.

Diante disso, destaca-se como Cordero (apud LOPES JR., 2013) aborda a situação de flagrância: “[...] o flagrante traz à mente a ideia de coisas percebidas enquanto ocorrem; no particípio, capta a sincronia fato-percepção, como uma qualidade do primeiro”.

Ou seja, a visualização do crime no momento de sua consumação pela prática do autor, capacita tanto particulares, como policiais, para deter aquela conduta, impedindo que se perpetue a prática delitiva. Conforme Lopes Jr. (2013), isso só é possível considerando a presença inconteste do fumus comissi delicti, que ocorre justamente pela contemplação do ilícito.

(37)

Contudo, o flagrante de maneira alguma é sinônimo de manutenção da segregação, uma vez que com base no artigo 30611, do Código de Processo Penal

Brasileiro (CPP), no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, o auto de prisão em flagrante deve ser encaminhado à autoridade judiciária competente para que analise o destino do preso.

Apesar disso, bem se sabe que, em inúmeros casos, tal período temporal não é respeitado e, além do mais, imediatamente após a não homologação do auto de prisão em flagrante, isto é, no mesmo despacho judicial, incontáveis magistrados decretam a prisão preventiva do flagrado, sem sequer ter contato pessoal com este.

É com esse intuito que se busca analisar meticulosamente a audiência de custódia, bem como seus benefícios. Ou seja, é visível que a partir da realização de tal ato em todas as comarcas do território nacional, inevitavelmente ocorrerá uma espécie de filtro, quer dizer, o contato imediato do flagrado com a autoridade judiciária pode possibilitar significativo progresso no que tange à redução do número dos encarcerados sem uma condenação transitada em julgado. E ainda que não se verifique tal efeito, ao menos, o que se espera, é que a autoridade judiciária, quando da apreciação do auto de flagrante, ao ouvir o preso, antes de decidir pela manutenção da custódia ou não, faça uma análise mais criteriosa de sua necessidade ou não.

2.1 A natureza precautelar da prisão em flagrante

Inicialmente, destaca-se que, conforme expressa previsão legal, a prisão em flagrante pode ser efetuada independente de decisão judicial que a preceda, ou seja,

11 Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao

juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.§ 1o Em até 24

(vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.§ 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela

autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

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