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5 METODOLOGIA: TRAJETÓRIA E CONTEXTO DA PESQUISA

5.1 Pressupostos metodológicos

Nossa metodologia de pesquisa é baseada nos pressupostos da pesquisa qualitativa (BAUER; GASKELL, 2002), porque nosso objetivo não é quantitativo, mas interpretativo. A condução da pesquisa nesse campo metodológico possibilita ao pesquisador construir uma visão mais geral e articulada do objeto investigado e sua relação com os aspectos socioculturais, políticos e econômicos.

A pesquisa qualitativa centraliza-se na natureza subjetiva do objeto analisado. Nesse tipo de pesquisa, o interesse não é contabilizar quantidades como resultado, mas, sim, a partir das respostas, que não são objetivas, analisar e compreender as relações discursivas que são construídas em torno do objeto analisado, que em nossa pesquisa é a Reforma do Ensino Médio.

Outro ponto que merece destaque sobre a pesquisa qualitativa é o fato de entendermos que não há um modelo único de pesquisa para todas as ciências, já que as ciências sociais e humanas possuem especificidades, o que pressupõe uma metodologia própria. De acordo com Bauer e Gaskell (2002, p. 8-9),

uma cobertura adequada dos acontecimentos sociais exige muitos métodos e dados: um pluralismo metodológico se origina como uma necessidade metodológica. A investigação da ação empírica exige: a) a observação sistemática dos acontecimentos; inferir os sentidos desses acontecimentos das (auto)observações dos atores e dos espectadores exige; b) técnicas de entrevista; e a interpretação dos vestígios materiais que foram deixados pelos atores e espectadores exige; c) uma análise sistemática.

Dessa forma, negamos o modelo positivista aplicado ao estudo da vida social, “uma vez que o pesquisador não pode fazer julgamentos nem permitir que seus preconceitos e

crenças contaminem a pesquisa” (GOLDENBERG, 1997, p. 34). Conforme aponta Deslauriers (1991, p. 58),

na pesquisa qualitativa, o cientista é ao mesmo tempo o sujeito e o objeto de suas pesquisas. O desenvolvimento da pesquisa é imprevisível. O conhecimento do pesquisador é parcial e limitado. O objetivo da amostra é de produzir informações aprofundadas e ilustrativas: seja ela pequena ou grande, o que importa é que ela seja capaz de produzir novas informações.

Portanto, a pesquisa qualitativa volta-se para os aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais. Dessa forma, a pesquisa qualitativa nos ajudará a compreender a representação discursiva sobre a Reforma do Ensino Médio. Segundo Magalhães, Martins e Resende (2017), por meio da pesquisa qualitativa,

é possível examinar uma grande variedade de aspectos do processo social, como o tecido social da vida diária, o significado das experiências e o imaginário dos participantes da pesquisa; a forma como se articulam os processos sociais, as instituições, os discursos e as relações sociais, e os significados que produzem (MAGALHÃES; MARTINS; RESENDE, 2017, p. 30).

Aliado a isso, temos a Análise de Discurso Crítica, que é um suporte teórico, mas também é método. Consideramos, assim como Chouliaraki e Fairclough (1999), que a ADC é teoria e método para investigar e analisar as manifestações entre o uso da linguagem e as relações de poder na sociedade, pois a ADC propõe uma reflexão teórica acerca do funcionamento da linguagem em práticas sociais, além disso, propõe enquadres analíticos para a análise de textos.

Ademais, a ADC apresenta uma importante teorização multimodal de análise dos textos, o que favorece a compreensão da linguagem como “parte irredutível da vida social, dialeticamente interconectada a outros elementos da vida social” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 3), a qual está conectada dialeticamente a outros elementos das práticas sociais. A semiose agrega todas as formas de construção de sentidos – imagens, linguagem corporal e a própria língua. Válido lembrar que a análise textual é, necessariamente, seletiva, isto é, optamos pelo questionamento de certos elementos sobre eventos sociais e textos e outros não são questionados. Logo, não há como esgotar todas as possibilidades de análise.

Além disso, como esclarece Fairclough (2003), a análise textual é um recurso que possibilita a investigação social, mas essa deve estar associada a outros métodos de análise. Sozinha, a análise textual acaba por ser limitada, é preciso, portanto, considerar a análise

textual na construção de significados, os efeitos causais e ideológicos presentes no texto e como esse texto figura em determinadas áreas da vida social.

Assim, a ADC é a análise das relações dialéticas entre semioses (inclusive a língua) e outros elementos das práticas sociais. Essa área do conhecimento preocupa-se com as transformações na vida social contemporânea, na função que a semiose tem dentro dos processos de mudança e nas relações entre semiose e outros elementos sociais dentro da rede de práticas. Dessa maneira, a função da semiose nas práticas sociais deve ser estabelecida por meio de análise.

Para Fairclough (2001, p. 27), para que um método de ADC seja “útil”, deve preencher quatro condições mínimas: ser multidimensional, para avaliar as relações entre mudança discursiva e social, relacionando propriedades de textos às propriedades sociais de eventos discursivos como instâncias de prática social”; ser histórico, focalizando a “estruturação ou os processos ‘articulatórios’ na construção de textos e na constituição a longo prazo de ‘ordens de discurso’ (configurações totais de práticas discursivas em instituições particulares ou na sociedade como um todo modificadas segundo as direções seguidas pela mudança social)”; ser crítico, mostrando “conexões e causas ocultas e intervindo”, ou seja, fornecendo recursos para os desfavorecidos; ser multifuncional, para contemplar “a relação entre práticas discursivas em mudança que alteram o conhecimento, as relações e as identidades sociais”.

No texto de Chouliaraki e Fairclough (1999, p. 60), eles apresentam um arcabouço analítico, o qual também norteia o desenvolvimento de nosso trabalho. A partir dessa proposta analítica, localizamos nosso trabalho na perspectiva da ADC e tentamos direcionar nossa pesquisa a partir da proposta apresentada.

Quadro 3 – A construção da pesquisa em consonância com o arcabouço para o desenvolvimento de estudos em ADC, de Chouliaraki e Fairclough (1999)

Arcabouço de Chouliaraki e Fairclough (1999)

Representação discursiva da Reforma do Ensino Médio

1. Dar ênfase em um problema social que tenha um aspecto semiótico

Em nosso trabalho, partimos de um problema social que tem uma faceta discursiva, a saber: a Reforma do Ensino Médio. O modo como a Reforma foi aprovada e o texto da lei foram essenciais para nossa decisão. Nosso interesse é também entender e analisar como a Reforma do Ensino Médio é representada discursivamente em três

gêneros diferentes. Tal problema é apresentado nas seções 1 e 2.

2. Obstáculos na superação do problema a) análise da conjuntura

b) análise da prática da qual o discurso é um momento:

(i) a(s) prática(s) é relevante para o problema?

(ii) Relação do discurso com outros momentos

. discurso como parte da atividade . discurso e reflexividade.

c) análise do discurso:

análise estrutural: a ordem do discurso análise interacional: . análise

interdiscursiva

análise linguística e semiótica.

Para a identificação de obstáculos na superação do problema, analisamos a conjuntura, as práticas particulares das quais o discurso é um momento e o discurso propriamente, levando em conta a análise estrutural, a interdiscursiva, a linguística e a semiótica. Para isso, nas seções 3 e 4, analisamos a conjuntura da Reforma do Ensino Médio. Na seção 6, fazemos o estudo da prática particular e do discurso das propagandas governamentais, das reportagens on-line e dos comentários virtuais. Investigamos o que pode estar sendo empecilho para sua resolução, por meio da análise das práticas sociais dentro das quais ele está localizado, dos elementos que compõem essas práticas e da relação entre eles e entre as práticas. Para a análise do discurso das propagandas, das reportagens on-line e dos comentários virtuais, partimos das seguintes categorias: vocabulário, estrutura visual (imagens), intertextualidade, interdiscursividade, modalidade e avaliação.

3. Funcionamento do problema na prática

Na seção 4, mostramos como a Reforma tornou-se um problema político-partidário e que, agora, também é um problema jurídico, uma vez que a lei ainda será julgada quanto a seu aspecto constitucional. Assim, para o governo federal, não há problemas a serem enfrentados; diferentemente, da comunidade escolar. Desse modo, para nós, analistas do discurso, é necessário essa discussão para que a Reforma seja entendida como um problema que precisa ser enfrentado por todos os envolvidos com a Reforma do Ensino Médio.

4. Identificar maneiras possíveis para superar os obstáculos

Na seção 6 e nas considerações finais, tentamos desvelar e denunciar, por meio do discurso, práticas hegemônicas de poder e de exclusão social, mostrando como a Reforma acirra as desigualdades de oportunidades de ingresso no ensino superior e como reforça o discurso

econômico e neoliberal para justificar o “novo” Ensino Médio. Ademais, a partir dos resultados, divulgá-lo para o maior número de pessoas por meio de apresentações, palestras e publicações.

5. Refletir criticamente sobre a análise

Apesar dos autores indicarem a reflexão crítica da análise, fazemos esse procedimento ao longo de todo o desenvolvimento da pesquisa. Mais especificamente nas considerações finais, é o momento reflexivo sobre a pesquisa, em que nos indagamos, por exemplo, sobre sua eficácia como apreciação crítica, sua contribuição para a emancipação social e o ajuste, em seus posicionamentos, a práticas acadêmicas nos dias atuais tão ligadas ao mercado e ao Estado.

Além disso, fazemos a triangulação de nossos dados e das teorias. Esse conceito tem sido muito discutido quando falamos em metodologia de pesquisa. Segundo Cohen e Manion (1983, p. 254), a triangulação “pode ser definida como o uso de dois ou mais métodos no estudo de algum aspecto do comportamento (...) numa abordagem multimetodológica”. Para eles, isso pode se dar de várias maneiras, de modo que se pode falar triangulação teórica, metodológica, temporal, espacial, de procedimentos de análise, entre outras formas. Portanto, a triangulação refere-se à combinação de diversos tipos de dados, de dados coletados em diferentes locais e época, de teorias e de metodologias, em uma pesquisa.

A partir dessa visão, em nosso trabalho, a triangulação se dá em dois níveis: (a) abordagens teóricas: a Análise de Discurso Crítica, os estudos sobre globalização, linguagem e novas tecnologias e as pesquisas sobre a história da educação e mudanças curriculares; (b) análise de dados: fazemos a triangulação dos dados coletados das propagandas, reportagens e comentários virtuais. Cruzamos os dados para comparar e entender as representações discursivas da Reforma do Ensino Médio em cada gênero, com o objetivo de desvelar possíveis relações de poder e discursos que tentam naturalizar74 as mudanças impostas pela Reforma.

74 Entendemos a naturalização ao fato de algum grupo social considerar os elementos de uma prática dada como

corretos, bons, legítimos, sem questionar se são, realmente, necessários ou desejáveis, o que condena alternativas de ação, identificação e representação. “Essa fabricação de consensos é um dos modos de garantir que os grupos instalados no poder consigam manter seus privilégios por estabilizarem – ainda que local, temporária e instavelmente – elementos da prática que sustentam desigualdades que são de seu interesse (GONÇALVES-