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Pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa

A procura de um método torna-se um dos problemas mais importantes de todo empreendimento para a compreensão das formas caracteristicamente humanas de atividade psicológica. Nesse caso, o método é, ao mesmo tempo, pré-requisito e produto, o instrumento e o resultado do estudo. (VIGOTSKI, 1998)

A psicologia de Vigotski problematiza entre outras coisas a questão do método proposto pelas teorias tradicionais do desenvolvimento psicológico, que os utilizavam de forma reducionista, baseados em princípios empiristas e idealistas (Vigotski, 1998). Essas correntes teóricas da psicologia, usavam para a investigação, a estrutura estímulo-resposta e se diferenciavam na forma de interpretar teoricamente os dados apresentados. Vigotski (1998) interessava-se em romper com um viés metodológico que estivesse ligado a essa estrutura, pois a medida que propunha uma nova forma de elaboração de problemas, acreditava que era necessário buscar um método que desse conta de atender a esta demanda.

As abordagens teóricas da psicologia tradicional tinham como objeto de investigação processos de funcionamento psicológicos elementares com características psicofisiológicas (Vigotski, 1998). Já Vigotski (1998) interessava- se pelas funções psicológicas superiores e não encontrava nesse enfoque tradicional condições que favorecessem este estudo. Por conta disso, propõe o método de desenvolvimento-experimental, baseado na abordagem materialista e dialética, que defendia que o comportamento humano diferia do comportamento animal, pois no homem o desenvolvimento psicológico se dá a partir dos limites e possibilidades de desenvolvimento da espécie humana (Vigotski, 1998). Através dessa abordagem metodológica, ele buscou construir uma psicologia que refletisse o indivíduo em sua totalidade, relacionando dialeticamente os aspectos

internos e externos através da relação do homem com a sua história e o seu meio social e cultural (Freitas, 2002).

(...) o desenvolvimento da criança é um processo dialético complexo caracterizado pela periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de diferentes funções, metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma em outra, embricamento de fatores internos e externos e processos adaptativos que superam os impedimentos que a criança encontra. (VIGOTSKI, 1998, p. 80)

A utilização do método de desenvolvimento-experimental permite evidenciar os processos psicológicos interiores, permitindo o acesso às elaborações sobre as funções psicológicas superiores e os signos desempenham um papel extremamente significativo na história do desenvolvimento cultural do homem (Vigotski, 1996).

Vigotski (1998) enfatiza também que neste método proposto há três princípios fundantes:

1. A análise dos processos de desenvolvimento;

2. O estudo desses processos desde a sua gênese, observando as bases dinâmico-causais, que procuram dar ênfase à essência dos fenômenos psicológicos ao invés das características que são apenas perceptíveis; 3. A análise de todos os pontos que reconstróem os processos de mudança,

evidenciando sua dinâmica histórica.

O método de desenvolvimento-experimental não estuda apenas o sujeito que se desenvolve, mas também estuda aquele que se educa (Vigotski, 1996). Esse método

(...) estuda o processo de desenvolvimento natural e da educação como um processo único e considera que seu objetivo é descobrir como se reestruturam todas as funções naturais de uma determinada criança em um determinado nível de educação. (...) procura oferecer uma interpretação acerca de como a criança realiza em seu processo educacional o que a humanidade realizou no transcurso da longa história do trabalho, ou seja, “põe em ação as forças naturais que formam sua corporeidade (...) para assimilar desse modo, de forma útil para sua própria vida, os materiais que a natureza lhe brinda” (K. Marx, F. Engels, Obras, t. 23, pp. 188-9). (VIGOTSKI, 1996, p. 99)

Vigotski (1996) defende que esta proposta metodológica estuda a criança no contexto escolar, considerando as peculiaridades do ser criança, mas também privilegiando o seu contexto histórico-cultural, por esta razão, um dos grandes

fundamentos do método proposto é o estudo dessas complexas reações como um processo vivo, dinâmico. Mas como apreender essas reações?

Ginzburg (1990) propõe uma reflexão sobre um novo paradigma de investigação, denominado por ele como “paradigma indiciário”. O autor faz uma analogia do método de investigação proposto ao caçador que ao ir em busca da presa, reconstrói seus movimentos pelas pegadas que observa na lama, pelos ramos quebrados que percebe nesta trilha, pelas “bolotas de esterco, tufos de pêlos, plumas emaranhadas, odores estagnados” (GINZBURG, 1990, p. 151). O caçador aprende a farejar sua caça, registra, interpreta e classifica cada pista descoberta. Ginzburg (1990) relaciona esse saber do caçador à capacidade do observador na pesquisa remontar/reconhecer uma realidade que é tão complexa.

As pistas, para Ginzburg (1990), atuam como signos, indícios de algo que pode ser investigado, questões que dizem respeito aos aspectos metodológicos da pesquisa. Os signos, são então, tomados como pistas, indícios, palavras, pegadas, trilhas, tudo que está permeado de significado e compõem um cenário maior. Ginzburg reflete sobre a importância da percepção do todo no método de investigação, mas destaca a construção produzida por Morelli, um estudioso das obras de arte, que se torna um conhecedor dos modos de expressão do autor e dos copistas de suas obras de arte. Morelli consegue descobrir nos “pormenores mais negligenciáveis” (GINZBURG, 1990, p. 144), a originalidade ou não da obra de arte. O método proposto por Morelli evidencia a atitude de levar em conta os detalhes da investigação. Este método, mostra que está nos detalhes a riqueza dos aspectos que constituem uma pesquisa. Cada detalhe observado por Morelli seriam também, signos, pistas, possibilidades de caminhos para a compreensão, que compõe o todo maior da obra de arte. “O conhecedor de arte é comparável ao detetive que descobre o autor do crime (do quadro) baseado em indícios impercepitíveis para a maioria” (GINZBURG, 1990, p. 145).

Ginzburg (1990) cita que Freud indicava que a proposta de Morelli era apresentada como

um método interpretativo centrado sobre os resíduos, sobre os dados marginais, considerados reveladores. Desse modo, pormenores normalmente considerados sem importância, ou até triviais, “baixos”, forneciam a chave para aceder aos produtos mais elevados do espírito humano (...). (...) esses dados marginais, para Morelli, eram reveladores porque constituíam os momentos em que o controle do artista, ligado à tradição cultural, distendia-se para dar lugar a traços puramente individuais, “que lhe escapam sem que ele se dê conta”. (GINZBURG, 1990, p. 150)

O autor afirma que na década de 1870-80, as ciências humanas colocavam que o paradigma indiciário baseava suas investigações nos aspectos semióticos (Ginzburg, 1990). “O nome semiótica vem da raiz grega semeion, que quer dizer signo. Semiótica é a ciência dos signos” (SANTAELLA, 1983, p. 01).

Ginzburg (1990) ao refletir sobre este paradigma, descreve um estudo minucioso feito pelo caçador através das pistas ou indícios deixados por sua caça, estas pistas são signos propostos que o caçador deverá analisar e que contribuirão de maneira valiosa para a sua investigação.

A produção teórica de Vigotski e as reflexões feitas por Ginzburg quanto ao paradigma do indiciário fundamentam este trabalho de pesquisa em sua forma qualitativa.

Outra autora tomada como referência é Freitas (2002). Ela destaca que Vigotski busca estudar o homem numa constante unidade entre corpo e mente, entre o ser biológico e o social, não perdendo de vista que ele faz parte da espécie humana e possui uma trajetória histórica.

Vigotski busca uma solução para a proposição do método, reconhecendo a importância da descrição detalhada das riquezas dos fenômenos estudados, mas avançando para a busca da explicação destes fenômenos, através dos processos de significação que fazem parte da atividade psíquica (Freitas, 2002). Na abordagem qualitativa de pesquisa faz-se necessário então, trabalhar com cada aspecto desta estrutura simbólica.

Freitas (2002) coloca que enquanto nas ciências exatas o pesquisador está diante de um objeto mudo, nas ciências humanas e especialmente, na abordagem qualitativa de pesquisa, o pesquisador está diante de um sujeito expressivo e falante, um sujeito que para além da voz, se comunica também com a expressão, com os gestos. “Investigador e investigado são dois sujeitos em interação” (FREITAS, 2002, p. 24).

A autora destaca que Vigotski considera “que todo conhecimento é sempre construído na inter-relação das pessoas” (FREITAS, 2002, p. 25), por esta razão, a produção do conhecimento provocada através da pesquisa, assume uma perspectiva de aprendizagem, como um processo social compartilhado e capaz de gerar desenvolvimento.

Essa proposição metodológica é coerente com toda sua teoria dialética de compreensão dos fenômenos humanos. Partindo da premissa básica

de que as funções mentais superiores são constituídas no social, em um processo interativo possibilitado pela linguagem e que antecede a apropriação pessoal, Vygotsky também vê a pesquisa como uma relação entre sujeitos, relação essa que se torna promotora de desenvolvimento mediado por um outro. Sua posição tem importantes consequências para a pesquisa, em seus próprios experimentos e nos de seus colaboradores: é possível perceber a mediação do pesquisador provocando alterações de comportamento que possibilitam a compreensão de seu desenvolvimento. Seus estudos sobre o desenvolvimento dos conceitos na criança revelam como a palavra mediadora do adulto influi no próprio processo de formação de conceitos. (FREITAS, 2002, p. 25)

Diante disso, Freitas (2002) coloca que nessa perspectiva metodológica, o pesquisador se torna participante da pesquisa, por esta razão, torna-se impossível a neutralidade, pois suas ações se tornam também elemento de análise. Dito isso, é importante reconhecer, que pesquisador e pesquisado, estão num constante processo de aprendizagem e transformação.

Os estudos qualitativos com o foco na perspectiva histórico-cultural, ao refletir sobre a relação do individual com o social, destacam a importância da valorização dos aspectos descritivos e das percepções pessoais como uma instância que faz parte da totalidade social, modificando e sendo modificada por ela (Freitas, 2002).

Cinco características básicas estão postas no estudo qualitativo:

1. A pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, via de regra através do trabalho intensivo de campo [...]. 2. Os dados coletados são predominantemente descritivos [...]. 3. A preocupação com o processo é muito maior do que com o produto [...]. 4. O “significado” que as pessoas dão às coisas e à sua vida são focos de atenção especial pelo pesquisador. Nesses estudos há sempre uma tentativa de capturar a “perspectiva dos participantes”, isto é, a maneira como os informantes encaram as questões que estão sendo focalizadas [...]. 5. A análise de dados tende a seguir um processo indutivo. (Bogdan e Biklen, 1982 apud Ludke e André, 2013, p. 11-13)

Tendo em vista estas características da pesquisa qualitativa, encontramos na abordagem histórico-cultural princípios norteadores que inspiram nossa compreensão do fazer pesquisa e instigam em nós possibilidades de ressignificar o olhar frente ao nosso objeto de estudo, por esta razão escolhemos priorizar a abordagem histórico-cultural como norteadora da pesquisa qualitativa.

A presente investigação inspira-se nestes princípios teórico- metodológicos, buscando atentar sobre as pistas e indícios presentes nos gestos, nos olhares, nos sons, nos sorrisos, na birra, no silêncio e na palavra. Cada

expressão tem um valor enorme na apresentação dos dados coletados. Assim como na análise destes dados, cada detalhe tem um significado dentro deste contexto.