• Nenhum resultado encontrado

Num trabalho de investigação e participação ativa sobre o problema da fome no mundo realizado por Ravignan (2004), o autor refere que:

“Devido aos media, a fome dos outros está sem dúvida mais perto de nós do que nunca. Nas nossas vidas de ocidentais atarefados, só se apresenta, em geral, como uma má consciência um pouco vaga. No entanto ela é um dos sintomas mais graves da degradação da vida humana no nosso planeta, pelo que deveria logicamente, constituir uma base para qualquer reflexão política que se pretenda enraizada na realidade. Não é o que se passa, como bem o sabemos: determinado jornal consagrará ocasionalmente uma página à questão da fome, determinado político aludirá a ela num discurso, mas quase sempre como algo que se passa longe de nós, que não põe em causa a nossa vida, que não é, verdadeiramente, um problema nosso. As pessoas pouco numerosas, que estão persuadidas do contrário pretenderão, justamente, alertar a

opinião. Nesse esforço, enfrentam vários obstáculos” (Ravignan, 2004, pp. 18-19).

Segundo o autor estes obstáculos começam pela falta ou má informação dos órgãos competentes sobre a real situação da fome no mundo. Ravignan, ainda discorre sobre o papel dos atores sociais que “pessoas de boa vontade (fora de contexto universitário ou governamental), apenas conseguem, de momento, desempenhar um papel de sensibilização da opinião; não chegam a permitir que as pessoas, ainda que o queiram, aprofundem os seus conhecimentos e alimentem a sua reflexão, a fim de assegurarem a transmissão de uma informação ainda excessivamente esporádica”. Este ponto de vista de Ravignan é importante para percebermos que o freeganismo tenta despertar através da mudança do seu estilo de vida a opinião pública sobre o desperdício alimentar que poderia colmatar uma boa parte da fome no mundo, através das suas práticas comensais que embora sejam consideradas “radicais”, talvez sejam o “limite” que se pode chegar para “cativar” as atenções para este flagelo mundial (Ravignan, 2004, pp. 18-19).

Com argumentos como o desperdício alimentar acentuado nas sociedades contemporâneas e a má distribuição de recursos para combater o flagelo da fome, os freegans ao adotarem modos ou estilos de vida diferentes, colocam-se algumas vezes à margem da sociedade a qual pertencem, assim, buscamos enquadrar o sentido de marginalidade aplicada ao freeganismo pelo artigo de Tavares, porque condensa o conceito tal e qual para o efeito desejado:

“Em seu estudo sobre as populações marginais, Robert Park (1978) faz referência sobre a marginalização social, considerando a sua interpretação tanto no plano individual quanto no plano coletivo. No plano individual, o conceito se aplica à pessoa que pertence a duas culturas, ou aquele que se encontra à margem do contexto social sem participar das oportunidades e privilégios, ou ainda, o conceito se aplica àquele sujeito que infringe a normas de conduta e aos princípios convencionalmente determinados pela sociedade, ou ainda o desajustamento psicológico que caracteriza a alienação. Em sua obra: Capitalismo e Marginalidade na América

30

Latina, Lúcio Kovarick (1975), afirma que, na esfera social, o conceito de marginalidade tem sido interpretado por duas vertentes teóricas: a do modelo funcionalista, que caracteriza-se pela falta de integração, e na dualidade entre as classes sociais, a exemplo da sociedade tradicional que se opõe à sociedade moderna; e a sociedade moderna e a marginal, que se opõem à sociedade integrada. Na esfera social, o conceito de marginalidade também se refere ao modelo

de análise histórico – estrutural, que entende a marginalidade como resultado da própria

estrutura vigente na sociedade, e é concebida como um fenómeno que se deriva de um tipo particular de inserção na estrutura social. Nessa análise, a estrutura económica e social se torna excludente, quando a industrialização gera ocupações que possuem um caráter marginal,

auferindo uma remuneração financeira mínima aos trabalhadores”, segundo Tavares

(2012).

Contudo, optar por um estilo de vida considerado sociologicamente marginal ou no mínimo desviante, isto é, fora das regras e normas conforme já o dissemos, é também uma questão de liberdade de escolha uma vez que uma das suas práticas alimentares que configuram o “mergulho no lixo” à procura de géneros alimentícios descartados pelos cidadãos ou por empresas, implica uma escolha de “estilo de vida” e não uma imposição por necessidade económica.

Se nos anos 80-90 revirar as lixeiras em busca de comida, atravessar a cidade caminhando e só vestir roupas usadas, era chamado ou discriminado como os “sem- abrigo ou os relegados da sociedade”, na atualidade já não podemos nos esquecer que estes ideais tipo podem ser confundidos com outro grupo que embora tenham características semelhantes, de mendigos nada tem. Mesmo que na visão do senso- comum muitas vezes se desconheça a realidade dessas pessoas consideradas à margem do paradigma sociológico de pobreza, que segundo uma investigação de Magnet (2011) estão envolvidos em questões politicas e não propriamente humanitárias, injustiças ou desigualdades sociais, conforme Magnet (2001).

Assim, uma nova subcultura de mendigos por convicção ideológica começa a florescer: são os freegans, que de acordo com Baudras (2009), “a contracultura apresenta-se antes de mais sob os traços de uma categoria que cabe um pouco de tudo estendendo-se dos anos 50 ao início dos anos 70 e cujo campo de intervenções se define essencialmente pelas suas relações de antagonismo com uma cultura oficial”.

A Figura 2.3., demonstra que os Preceitos, os Pressupostos e as Pretensões da ideologia freegana, consiste numa outra filosofia do modo de viver que alguns atores sociais adotam para as suas vidas, independentemente da sua cultura (Baudras, apud Dicionário das Utopias, 2009, p. 83).

31

•O freeganismo como é realizado nos outros países, mas respeitando a

sua cultura.

Preceito

•A questão do ciclo do desperdício que deverá ser evitado independente

dos fatores culturais.

Pressuposto

•Articular os dois eixos de análises (preceitos e pressupostos) na obtenção de um resultado comum à todas as culturas.

Pretensão

Figura2.3: Freeganismo: outro Modo de Vida.

Até o momento esta dissertação procurou discorrer sobre temas já abordados nos outros estudos realizados sobre o freeganismo para dar sentido a problemática proposta, todavia, não podemos deixar de lado uma das questões mais importantes na ancoragem do freeganismo e que está presente direta ou indiretamente em todos os discursos que conseguimos aceder através da revisão de literatura que acentua uma das características básicas do freeganismo global: a Ética.