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Segurança Alimentar: Ambiguidade, Análise Sensorial, Inocuidade

4.2. Freeganismo e Saúdes: um Desafio para as Autoridades em Saúde Pública

4.2.2.2. Segurança Alimentar: Ambiguidade, Análise Sensorial, Inocuidade

A OMS administra os complexos temas sobre a alimentação e sobre as decisões que reconhece a Segurança Alimentar como uma das funções essenciais de saúde pública. Engloba ações destinadas a assegurar que todos os alimentos sejam o mais seguro possível, visa com isto que as ações e políticas de Segurança Alimentar abranjam toda a cadeia alimentar, porque segundo este órgão,

“As doenças transmitidas por alimentos tomam-se um grande problema sobre a saúde. Milhões de pessoas adoecem e muitos morrem como resultado de comer o alimento não seguro. Profundamente preocupado com isso os Estados-Membros adotaram uma resolução em 2000 para reconhecer a Segurança Alimentar como uma função essencial de saúde pública. A Segurança Alimentar engloba ações destinadas a assegurar que todos os alimentos sejam o mais seguro possível. Ações e políticas de segurança alimentar precisam cobrir toda a cadeia

alimentar, desde a produção ao consumo”, conforme a OMS (2013).

Relativamente as premissas da OMS sobre a Segurança Alimentar mundial, no de Portugal, estas são asseguradas pela ASAE. Esta entidade enquanto reguladora dos vários aspetos que orientam a nutrição portuguesa, também é objeto de articulação entre as opções que os adeptos do freeganismo fazem enquanto sujeitos singulares e as representações que podem também incluir a discussão sobre a saúde pública.

Historicamente as epidemias muitas vezes começam por um simples caso de infeção alimentar e podem espalhar-se por uma comunidade e quiçá por um ou mais países como veremos no item sobre o saneamento e surtos de doenças desta investigação. Durante séculos a humanidade se deparou com o problema da segurança do alimento que consumia, ou seja, em detrimento do tipo de alimentação que se apresentava à época, qualquer que fosse o alimento, a questão da “validade” esteve sempre presente, mesmo que ainda não se utilize este termo. Muitos atores sociais desapareceram da sociedade por consequências que foram atribuídas àquele que ora é fonte de vida, ora causa de morte: os alimentos. Contudo, nas últimas décadas e nomeadamente no pós-iluminismo onde o progresso através das novas tecnologias levou mais informações às sociedades, a preocupação com a forma como os atores

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sociais consomem seus alimentos está cada vez mais em voga. E aumenta a vigilância e controlo com o que se come em praticamente todas as sociedades humanas e cada uma dessas sociedades tem uma missão de proteção para a sua população. É neste sentido que a ASAE em Portugal, tem como missão:

“A fiscalização, a avaliação e a comunicação aos seus cidadãos, dos riscos encontrados na cadeia alimentar; bem como pela disciplina do exercício das atividades económicas nos setores alimentar e não alimentar português, mediante a fiscalização e prevenção do cumprimento da legislação reguladora das mesmas, regendo-se pelos princípios da independência científica, da precaução, da credibilidade e transparência e da confidencialidade, criados através do Decreto- lei nº 237/2005 de 30 de Dezembro, e organicamente reformulada no âmbito do PRACE pelo Decreto-lei nº 274/2007 de 31 de Julho. Ainda encontramos na carta de conduta ética deste órgão que em termos genéricos a ASAE desenvolve as suas ações como autoridade de fiscalização e investigação, de polícia económica, de controlo de mercado e de avaliação de

riscos”. ASAE (2013).

Assim, podemos referir que para a ASAE, o fenómeno do freeganismo é um problema social de difícil solução devido à falta de controlo que não consegue exercer sobre os adeptos, uma vez que é praticamente impossível acompanhá-los em suas práticas, como vimos num dos itens revelados no “guia” do mergulho no lixo. Isto nos faz concordar com todas as investigações académicas que tivemos acesso e com as conclusões unânimes que chegaram: não é possível realizarmos um estudo quantitativo sobre o freeganismo, independentemente do objeto que escolhermos para analisar.

a) Ambiguidade em Segurança Alimentar: Quando nos referimos a segurança

alimentar e incluímos nela a ambiguidade nas “conquistas” dos alimentos que são consumidos pelos freegans através da recolha nas lixeiras. Estamos conscientes de que esta afirmação é complexa e que por isso mesmo está sujeita a controvérsias tanto por parte dos adeptos (que defendem que nada nos garante a segurança daquilo que estamos comendo mesmo quando adquiridos pelas vias “normais” no produtor ou distribuidor devido aos vários mecanismos e tecnologias que são empregadas desde a sua origem), como também pelos especialistas das diversas áreas da alimentação e da saúde ao promoverem que:

“Os perigos alimentares têm sido referidos, ao longa da História, como um problema para a saúde do Homem e muitos dos problemas de segurança alimentar, actualmente identificados, não são de agora. Embora esteja a ser feito um grande esforço, por parte das entidades governamentais de todo o Mundo, no sentido de promover a melhoria da segurança da cadeia alimentar, a ocorrência de doenças de origem alimentar continua a ser um problema significativo de saúde pública, tanto nos países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento. Estima-se que, anualmente, 1.8 milhões de pessoas morram devido a doenças

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diarreicas, que na maioria dos casos, estão ligadas a alimentos ou água contaminados. A

preparação higiénica dos alimentos pode prevenir a ocorrência da maioria destes casos.28

b) Análise Sensorial: Entendemos que neste estudo faz todo o sentido, referirmos como

é que os adeptos do freeganismo conseguem analisar e separar os alimentos que recolhem da lixeira para consumi-los. É por esta razão que o conceito mais apropriado para resolver esta questão prende-se com o conceito de “análise sensorial”. Embora a Análise Sensorial na atualidade seja considerada uma disciplina académica na área da engenharia alimentar que envolve instrumentos adequados às medições, desde a antiguidade é o meio pelo qual os seres humanos fazem as suas escolhas alimentares. Assim, fomos buscar no trabalho de Esteves (2009) que:

“Apesar da evolução tecnológica, alguns estímulos apenas são percebidos pelos sentidos enquanto outros são demasiado complexos para os instrumentos de análise. A Análise Sensorial pode aplicar-se na análise e desenvolvimento de (novos) produtos, em testes de tempo de vida útil de produtos, controlo de qualidade da matéria-prima/produto final, em testes de mercado;

na investigação em Psicofísica, etc. Sentidos: A perceção sensorial dos alimentos está

intimamente relacionada com os sentidos (paladar, olfacto, visão, etc.). A relação entre um estímulo físico e a resposta fisiológica é pouco conhecida. Mas a perceção das características dos alimentos parece ocorrer da seguinte forma: 1º a aparência através da visão; 2º odor, aroma e/ou fragrância percebidos pelo olfato; 3º a consistência e a textura relacionadas com o tato; e 4º o sabor ou o "flavour" percebidos em conjunto pelo paladar e/ou olfato (estes últimos

são designados pelos autores anglófonos como "chemical senses" (Esteves, 2009, p. 5).

c) Inocuidade dos Alimentos: Ao incluirmos sucintamente o argumento que ora se

apresenta sobre a inocuidade dos alimentos no contexto freeganista fizemo-lo porque acreditamos que segundo a conceção da FAO (Food and Agriculture Organization), poderíamos contribuir para a informação de que as análises sobre a inocuidade que se faz na cadeia alimentar, não é objeto exclusivo dos profissionais envolvidos nas atividades que envolvem a alimentação. Como podemos verificar este tema também diz respeito a todos os cidadãos consumidores, incluindo os adeptos do freeganismo porque uma das suas práticas consiste na distribuição dos alimentos que também recolhem diretamente dos produtores, aos “mais necessitados”, conforme as reflexões que fizemos neste estudo sobre a solidariedade como uma questão de ética para os freegans.

De acordo com a OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde), temos que: “De acordo com a abordagem atual da segurança dos alimentos, o controlo da qualidade e da inocuidade deve ser realizado em toda a cadeia alimentar desde a produção, armazenagem,

distribuição, processamento até o consumo do alimento in natura ou processado – sendo

responsabilidade de todos os profissionais envolvidos nessas atividades, órgãos governamentais e também dos consumidores. A análise de risco possibilita o estabelecimento de padrões,

28Fonte: Cinco Chaves para uma Alimentação mais Segura. Recuperado em

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diretrizes e de outras recomendações relacionados a segurança dos alimentos, colaborando para a proteção da saúde do consumidor e para o comercio internacional. A análise de risco é uma ferramenta para o processo de tomada de decisão sobre questões de segurança dos alimentos. Através de sua aplicação, são identificados os diferentes pontos de controle na cadeia alimentar, as opções de intervenções e os custos e benefícios de cada medida, permitindo o

gerenciamento eficiente dos riscos, conforme FAO & WHO (2006).

d) Literacia Alimentar: Qual é o papel que o conceito da literacia implica no

freeganismo? Para este estudo implica no modo como os adeptos selecionam os alimentos embalados que recolhem da lixeira e de como os avaliam e tomam a decisão entre consumir ou não determinado produto consoante o prazo de validade, por exemplo. Ou dos componentes químicos de conservação ou ainda da higienização apropriada, etc., pois a iliteracia poderá aumentar o grau de risco do consumo alimentar de determinados produtos. Conforme estudo de Luís (2010):

“A utilização da literacia, nomeadamente da literacia em saúde, irá consistir numa consciencialização da importância, a nível pessoal e coletivo, das decisões tomadas e consequente empowerment do indivíduo nos domínios da promoção da saúde e sua relação com a vida diária (Kickbusch, 2007). A literacia em saúde dá ao indivíduo a capacidade de aceder,

compreender e agir na informação de saúde (Kondilis, 2007)…No que respeita à alimentação

pode-se mesmo falar de uma literacia alimentar (Wiserearth, 2007), que se refere ao nível em que um indivíduo é capaz de obter, processar e compreender informação básica sobre a alimentação de modo a tomar decisões apropriadas para a sua saúde. A literacia alimentar

inclui a compreensão da informação contida nos rótulos e conhecimentos de nutrição (Luís,

2010, p. 29).