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Primórdios da Literatura Infantil no Brasil O Desembarque Nas Terras Brasileiras

PELAS TRILHAS DA HISTÓRIA LITERÁRIA

3.1 Primórdios da Literatura Infantil no Brasil O Desembarque Nas Terras Brasileiras

No Brasil, a Literatura Infantil assume características bastante originais, agregando valores portugueses, africanos e indígenas. A literatura oral, trazida pelos primeiros colonizadores, era narrada pelas avós que entretinham as crianças com histórias de exemplos. A elas juntaram-se as narrativas das escravas negras que peregrinavam pelos engenhos, transmitindo-as às outras negras, amas dos meninos brancos. O contato com a cultura indígena trouxe inúmeros elementos que vieram enriquecer esse imaginário, como as figuras de Iara, do Caipora e de muitos outros.

Somente com a implantação da Imprensa Régia, em 1808, inicia- se a atividade editorial no Brasil, seguindo-se, posteriormente, a produção literária destinada ao leitor infantil. A princípio, predominavam as traduções de clássicos estrangeiros e, também, as adaptações de contos portugueses, das quais se pode destacar Gonçalo Fernandes Trancoso, escritor português que reuniu narrativas de origem oriental e relatos da Idade Média. Essas narrativas correram o mundo, sendo hoje conhecidas como Contos de Trancoso.

A primeira reação veio através da literatura escolar, que se caracterizava por ser genuinamente educativa, e da qual podemos citar as obras D. Jaime, de Tomás Ribeiro, e O Tesouro da Leitura, de Abílio César Borges, o famoso barão de Macaúbas.

Carlos Jansen e Figueiredo Pimentel foram os pioneiros que se encarregaram da tradução e adaptação de obras estrangeiras para as crianças brasileiras. Gradativamente, outros autores foram surgindo e lançando livros que retratavam a realidade brasileira, como Júlia Lopes de Almeida, que publicou Contos Infantis, dentre várias outras obras.

Contudo, foi com Monteiro Lobato que a produção editorial infantil tomou grande impulso, passando a ganhar corpo e definição. Seus personagens fantásticos retratavam, de forma surpreendente e verdadeira, a realidade brasileira, tais como o Jeca Tatu, protagonista de seu livro Urupês, produzido para o público adulto, que com muita propriedade falava da miséria e do descaso dos governantes em relação ao homem da roça.

Monteiro Lobato, dono de estilo simples e direto, conquistou rapidamente o público infantil, quando lançou sua primeira versão de A Menina

do Nariz Arrebitado, narrando as peripécias de uma avó, sua neta órfã, Lúcia, e

a inseparável Emília, uma boneca de pano que falava o que pensava, e, ainda, tia Nastácia, negra crédula e supersticiosa. A partir desses personagens, vários outros foram surgindo e povoando o fantástico e fabuloso Sítio do Picapau

Amarelo, lugar que tão bem representava o ambiente do interior, cheio de encantamento e eterna diversão, onde o sonho é possível e a realidade, através da fantasia, passa a ser vista sob novos ângulos. . Nesse sentido, Lobato terce um comentário de forma lúdica, mas repleto de significados:

“Surgiu uma literatura sob medida que não se impõe à criança mas deixa-se impor pela criança e desse modo satisfaz de maneira completa às exigências especialíssimas da mentalidade infantil[... porque gostam as crianças de ler meus livros? Talvez pelo fato de serem escritos por elas mesmas através de mim. Como não sabem escrever admito que me pedem que o faça”. (LOBATO, 1962, p.149)

O ápice da produção literária, destinada ao público infantil, ocorreu no Brasil em meados da década de 1970. Registros indicam que nunca se produziu tanto em tão pouco tempo para esse público especial.

Dentre os vários fatores que contribuíram para a proliferação deste gênero literário se destacam a implantação do curso de Literatura na grade curricular das universidades brasileiras e a conscientização por parte dos governantes de que, paralelamente às campanhas de erradicação do analfabetismo, a exemplo do MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização - era imprescindível que se realizasse um trabalho processual e gradativo no sentido de se combater a ignorância de conhecimento mínimo do domínio da leitura e da escrita, que predominava em nossas crianças. Várias campanhas foram veiculadas na mídia e, reforçando a proposta, o INL – Instituto Nacional do Livro, destinou prêmios de incentivo à produção literária, para escritores e ilustradores.

Estas ações favoreceram substancialmente o aprimoramento das produções destinadas ao público infantil, em especial, tanto no aspecto da qualidade do texto quanto nos predicativos da ilustração, passando ambos a receber um tratamento mais rico e diversificado, conferindo, assim, voz e vez

aos novos e talentosos artistas literários e gráficos. A partir daí, esses profissionais passaram a ser mais respeitados e valorizados no mundo editorial.

A ilustração, particularmente, recebe uma atenção mais técnica, posto que ela, tanto quanto o texto, narra e informa. Por essa razão, tem que ser bela, atraente e comunicativa, considerando-se que o exercício da arte de narrar, através de belas imagens, representa o elo mais sólido e autêntico entre o ilustrador e a criança.

Nesse cenário surgem verdadeiras obras de artistas gráficos, que se utilizam de diferentes meios para enriquecer e fortalecer as idéias escritas pelo autor, a exemplo de Cláudio Martins, Tato, Ricardo Azevedo, Marcelo Xavier, entre tantos outros.

É importante que se registre a existência de livros infantis cujo teor se mostra unicamente pela leitura de imagens e que, por si sós, nos encantam e nos comovem com suas narrativas ilustrativas. Esses livros proporcionam o exercício de nossa capacidade de imaginar e de realizar associações e inferências. A leitura do não-verbal dá-nos a oportunidade de desenvolver atividades orais e escritas a partir do texto não-verbal, reproduzindo-o e recriando-o a partir de outras linguagens. São ilustradores com altíssimo conhecimento gráfico e grande sensibilidade, fazendo com que suas histórias nos toquem profundamente, como a obra História de Amor, de Regina Coelli Rennó, e O último Broto de Rogério Borges.

Presentemente, muitos autores estão surgindo no cenário literário infantil. São escritores que inovam no seu fazer artístico, artistas que vão além dos códigos já determinados e que, como num passe de mágica, misturam palavras, cores e formatos, tornando a leitura mais instigante, estimulando no leitor uma leitura simbólica, tensa, intensa, carregada de sonhos e fantasias, aflorando a imaginação e a criatividade, provocando risos e lágrimas na mais pura emoção, num ato de verdadeiro reconhecimento e interação com o texto.

As novas tecnologias, por sua vez, trazem recursos que aprimoram e transformam os processos gráficos, tornando os livros verdadeiras obras de arte, pela soma de seus conteúdos, textos e imagens.

Vários são os contos nacionais que, por seu excelente conteúdo, abraçaram outras linguagens artísticas, a exemplo do Menino Maluquinho, de Ziraldo Pinto, sucesso absoluto no cinema, Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado, adaptado para o teatro e que foi agraciado com vários prêmios, O Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato, hoje apresentado em terceira edição nas telas da televisão brasileira.

Outro grande exemplo é o clássico Iracema do célebre e imortal José de Alencar, que outrora contado em quadrinhos, hoje ganhou espaço nas telas dos computadores, quando a virgem dos lábios de mel passou a ser a protagonista de um jogo interativo. E ainda, recentemente, foi adaptado para o público infantil pelo dramaturgo Ricardo Guilherme em parceria com Karlo Kardozo, essa edição amplia e atualiza a dimensão poética do texto alencarino.

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