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Primeiro tipo: Racionalista 32 (Grocius e Pufendorf)

a polêmica jusnaturalismo x positivismo

1. Evolução da ideia de direito natural

1.3. Antropocêntrico: mudança a partir da Revolução Científica – Natureza do Homem

1.3.1. Primeiro tipo: Racionalista 32 (Grocius e Pufendorf)

O direito natural em sua forma jusracionalista conheceu dois precursores: Grócio e Pufendorf, representantes da Holanda e Alemanha, respectivamente.

Hugo De Groot (1583-1645)

Conhecido pelo nome latino Grotius (ou Grócio). Sua obra mais importante foi De jure

belli et pacis (1623), na qual estabelece regras para o Direito Internacional – e por isso chamado

por muitos de pai desta disciplina. Na parte introdutória, faz considerações gerais sobre o direito natural, propugnando também a natureza humana como base para a formulação do direito, devendo este se conformar com as leis naturais observáveis (deduzíveis) pela razão. Assim, razão e fato empírico coincidiam dentro de uma concepção filosófica da “lei eterna”, que é alicerce do direito natural, remontando à tradição estóica33. Ele considerava a appetitus

societatis a característica fundamental do homem, o aspirar por uma convivência calma e

ordenada, pelo amor do próximo34.

Digno de nota, em termos jurídicos, foi a ligação feita por ele entre o estado de natureza, inerente ao homem (como em Hobbes), e sua transição para a sociedade: esta seria feita através de um contrato (pactum expressum aut tacitum), que de certa forma já se encontrava em Suarez, entretanto agora com matiz nominalista (individualidade isolada), como se antevia em Scotto e Occam35.

Nas palavras de Moncada, Grócio

30. KARDEC, Allan. Livro dos espíritos (original LE LIVRE DES ESPRITS - Paris, 18/4/1857). Tradução de Guillon Ribeiro. 76. ed. Brasil: FEB, 1998. p. 85.

31. Os dois primeiros basicamente na mesma época (de 1600 a 1700, aproximadamente). O terceiro no período de 1700 a 1800, desembocando nos movimentos revolucionários.

32. Mas ainda com exigências normativo-materiais - ciclo do final do Séc. XVI até o início do séc. XVIII. 33. MONCADA, Luís Cabral de. Filosofia do Direito e do Estado. Coimbra Editora, 1995, p. 156.

34. KAUFMANN, A.; HASSEMER, W. (Organizadores). Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito

Contemporâneas, tradução de Marcos Keel do original alemão Einführung in Rechtsphilosophie und Rechtstheorie der Gegenwart (1994). Fundação Gulbenkian, Lisboa, 2002, p. 85.

35. HESPANHA, António Manuel. Panorama histórico da cultura jurídica européia. 2. ed. Portugal: Publicações Europa- América, 1998, p. 156.

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pretendia uma fundamentação objetiva para o direito natural, a servir de limitação ao Estado, e, inclusivamente, como salvaguarda de uma certa concepção humanista de liberdade contra os perigos de um excessivo irracionalismo, derivados de determinadas atitudes protestantes36.

Por suas ligações com o poder, não o movia o intento de fazer desaparecer a ideia de direito divino dos reis, sendo, assim, contemporizador com o absolutismo, embora com certas limitações.

O ponto central de seu pensamento jusracionalista está na defesa da autonomia do racional. Opõe-se à ideia de Machiavelli e Bodin de que o poder supremo não se acha sujeito a nenhuma limitação. Antes, advogou que há um direito que antecede toda vontade humana e divina, cuja validade é independente delas. No entanto, esse direito é percebido pela razão, que já não é serva da revelação, mas constitui uma fonte independente do conhecimento.

Pufendorf (1632-1694)

Outro expoente dessa linha jusracionalista é Pufendorf, discípulo de Grócio e primeiro professor, na Europa, de direito natural em Heidelberg e depois em Lund (Suécia). Com fortes influências do Humanismo, continua a discussão de seu mestre com a escolástica, ajudando a romper com a Teocracia, fruto da adesão alemã ao protestantismo. Em sua principal obra, ajuda na construção de um direito natural perfeitamente racional, fundado na natureza humana, que seria então critério normativo-material para a validade do direito37.

A influência da Revolução Científica se fez notar em Pufendorf na sua tentativa de

matematização da ciência jurídica, procurando deduzir de um princípio único todo o sistema de

direito natural. No entanto, corrige o pensamento exclusivamente matemático-causal ao fazer a distinção entre ente físico e ente moral38. E seguindo outra tendência de sua época, agora sob inspiração luterana, procura um processo de laicização do direito, como reflexo desse mesmo movimento em relação à cultura geral. O próprio Estado é visto como criação de homem neste

mundo.

Combinando as ideias de Grócio e Hobbes, também Pufendorf visualiza no contrato a base social da convivência política. Neste sentido (o político), é visto como original em sua tentativa de construir uma verdadeira ontologia das coisas políticas e de achar uma categoria ou dimensão ôntica apropriada para situá-las, em oposição à região do mundo sensível39. Trata- se, no entanto, de aspecto filosófico não ligado particularmente ao tema deste trabalho, razão pela qual deixamos de desenvolvê-lo apropriadamente.

Podemos dizer, em resumo, que se trata de um pensador do direito que propugna pelo individualismo-construtivo, que procura dar índole científica-matemática às coisas morais e políticas. Procura, ainda, desvencilhar esse aspecto da cultura do teocentrismo vigente na

36. HESPANHA, António Manuel. Panorama histórico da cultura jurídica européia. 2. ed. Portugal: Publicações Europa- América, 1998, p. 161.

37. Jus naturae et gentium octo libri, 1672, citada por MONCADA, op.cit., p. 161.

38. KAUFMANN, A.; HASSEMER, W. (Organizadores). Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito

Contemporâneas, tradução de Marcos Keel do original alemão Einführung in Rechtsphilosophie und Rechtstheorie der Gegenwart (1994). Fundação Gulbenkian, Lisboa, 2002, p. 88.

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escolástica, por isso de um regalismo anticlerical e de inclinação política absolutista. Um dos últimos representantes do período barroco, na fronteira do Iluminismo (alguns já o veem neste período). Ao tentar a construção de um sistema de regras válidas e vinculativas para todo o homem, Pufendorf prenuncia o movimento de codificação na Europa40.

1.3.2. Segundo tipo: empírico e mecanicista