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Embora não possamos definir o momento exato em que a estereoscopia chegou ao Brasil, algumas referências à sua presença no país, ainda na década de 1850, podem ser verificadas nas obras de Turazzi (1995), Kossoy (1980, 2002), Vasquez (2002) e Parente (1999). Estes autores são unânimes, por exemplo, em afirmar o nome do fotógrafo alemão Revert Henrique Klumb, radicado na cidade do Rio de Janeiro desde 1852, como pioneiro da fotografia estereoscópica no Brasil.

Nos anos de 1855 e 1856, Klumb anunciou seus serviços à Rua dos Ourives, 64, como Photographo da Academia Imperial de Bellas Artes (ALMANAK, 1855, 1856). Em 1857 e 1858, anunciava lições de fotografia na sua residência, na Ladeira do Castelo, 18. Em 1861 foi agraciado com o título de ‘Photographo da Caza Imperial’ (Kossoy, 2002:192) e passou a anunciar-se na Rua São José, 94 (ALMANAK, 1861). De 1863 a 1867 anunciou seus serviços conjuntamente com o sócio Paul Robin, no estabelecimento Photographia Brazileira, à Rua São José 94 e 98. Durante parte de sua vida, sediou-se também em Petrópolis. Segundo Kossoy (2002:277), em 1865 Klumb se desligaria do negócio com Robin, transferindo-se para Petrópolis53.

Ao contrário das vistas exibidas pelos cosmoramas e lanternas mágicas, o consumo das imagens estereoscópicas no Rio de Janeiro não seria apenas de vistas ‘importadas’ de outras países, mas também de imagens produzidas no país. Durante todo o período em que esteve em atividade na cidade do Rio de Janeiro e em Petrópolis, Klumb produziu centenas de vistas dos principais monumentos e logradouros públicos da época, muitas sob encomenda de D. Pedro II e grande parte na forma de estereoscopia. Segundo Turazzi (1995:210;248), em 1860 Klumb apresentou fotografias estereoscópicas, pela primeira vez ao público em geral, em uma das Exposições Gerais de Belas-Artes da Academia Imperial, na Seção Exposição de Artefatos da Indústria e Aplicação das Belas-Artes. Klumb foi contemplado nesta exposição com uma menção honrosa, apresentando, de acordo com o levantamento feito por Turazzi (1995:210), seis retratos, seis vistas da cidade, duas reproduções de estátuas e um “quadro contendo vistas estereoscópicas e três retratos, ditos cartões de visita”.

Pouco tempo depois, na Exposição Nacional de 1866, a exibição de estereoscopias já ganhava estatuto próprio, ainda que submetida à técnica fotográfica. Segundo Turazzi (1995:125;128), nesta exposição, a classe de fotografias apareceu dividida em ‘panoramas’, ‘panoramas diversos para álbuns’, ‘estereoscópios’, ‘álbuns’ e ‘retratos’. Na subclasse ‘estereoscópios’ anunciava-se 70 vistas ‘diversas do Rio de Janeiro, Tijuca, serra dos Órgãos, Teresópolis, Passeio Público, Jardim Botânico, etc’. As vistas eram vendidas a 10$000 (dez mil réis) a dúzia escolhida e a 9$000 (nove mil réis) a dúzia. Comparativamente, as vistas panorâmicas para álbuns eram vendidas de 2$500 a 3$000 cada. A listagem oferecida por Turazzi (1995:218) das obras expostas e respectivos autores, entretanto, não possibilita a identificação das estereoscopias exibidas. Segundo a

autora, nos dados recolhidos do catálogo da exposição54 consta apenas a listagem sumária das obras sem a relação dos autores de cada uma delas. Sobressaem-se, entretanto, os altos preços das estereoscopias, somados ao fato de que para observar as imagens era necessário possuir um aparelho estereoscópico, limitando-se, assim, o público consumidor.

Ainda no século XIX, outros fotógrafos se dedicaram à produção de vistas estereoscópicas no Rio de Janeiro, embora a maior parte das estereoscopias verificadas neste estudo seja da autoria de Klumb. Kossoy (1980, 2002), por exemplo, faz referência a alguns desses nomes, como os húngaros Biranyi & Kornis, estabelecidos no Rio de Janeiro na década de 1850, Lamartres, no ano de 1858, e Affonso Ruelle, na década de 1860. Além disso, encontramos registros de estereoscopias da dupla de fotógrafos Carneiro & Smith, que atuou no Rio de Janeiro entre as décadas de 1850 e 1880, e de Marc Ferrez, entre 1860 e 1900, conforme veremos mais adiante neste estudo.

Nos anúncios publicados no Jornal do Commercio verificamos que a produção de estereoscopias era oferecida como mais uma das técnicas fotográficas em voga na época. Algumas vezes, também, servia para destacar a atividade dos fotógrafos, como no caso de Biranyi e Kornis, que também se ofereciam para ensinar a técnica:

Biranyi e Kornis, artistas em daguerreotypo. Rua de São Pedro 43 tirão

retratos segundo todos os systemas nesta arte até hoje conhecidos, especialmente em stereoscopo, em miniatura, etc., de differentes

tamanhos, tanto de pessoas adultas como de crianças, vivas ou mortas; fazem-se também reproduções de vistas, estátuas, de daguerreotypo e de quaesquer outros retratos. Encarregão-se igualmente de ensinar esta arte, tanto em theoria como em prática. [grifo nosso] (Jornal do Commercio, 02 de set., 1855, p.3).

Outras vezes, eram anunciadas ‘exposições’, a fim de que o público atestasse o trabalho dos fotógrafos e, ao mesmo tempo, fosse cativado para o consumo das vistas e retratos produzidos, dentre os quais os de formato estereoscópico:

THE TEMPLE OF ART - English spoken – on pairle français - E pluribus unum / Estabelecimento photográphico / Carneiro e Smith / Rua dos Latoeiros 60 / Uma casa para photographia em tela encadernada coloridas á óleo. Retratos para mandar em cartas. / EXPOSIÇÃO. / Rua do ouvidor esquina da rua dos Ourives / Ambrotypo – Melanotypo – Photographia –

Stereoscopo - Miniaturas coloridas / Cópias de daguerreotypos

augmentadas oito vezes mais do que o original. [grifos nossos] (Jornal do Commercio, 05 de dez., 1858, p. 3).

54 Catálogo da Segunda Exposição Nacional de 1866. Rio de Janeiro, Typ. Perseverança, 1866. Apud

A abertura do anúncio, informando a familiaridade com as línguas inglesa e francesa, assim como o local do estabelecimento, a ‘nobre’ rua do Ouvidor, indicava o tipo de público a que se destinava o consumo das imagens oferecidas.

A presença da estereoscopia no Brasil, entretanto, não se limitou às produções locais. Adquiridas em viagens a outros países, ou mesmo importadas por negociantes ou particulares, foram muito apreciadas, sobretudo a partir da década de 1860. Nesta época, o mercado das vistas fotográficas na cidade do Rio de Janeiro já se encontrava mais desenvolvido e com uma nova clientela, além da nobreza oficial e dos comerciantes mais abastados: “um número de representantes da classe média - militares, padres, funcionários da administração, artistas, professores, profissionais liberais entre outros” (KOSSOY, 1980:41). Contudo, apesar da ampliação do mercado para fotografias e vistas estereoscópicas, estas últimas tiveram um consumo restrito ao âmbito privado, ainda que disponíveis em alguns estabelecimentos aos olhares curiosos, como vimos no anúncio do ‘The Temple of Art’ de Carneiro e Smith e encontra-se reafirmado, por exemplo, no texto de outro anúncio veiculado no Jornal do Commercio (14 de dez., 1854, p.4) na mesma época:

(...) steroscopos [sic] com muito lindas vistas, de Paris, de Roma e de diferentes lugares, divertimento próprio para uma reunião de famílias, para o qual convida-se os senhores amadores de vir ver o effeito que

produz; (...), vende-se tudo por commodo preço na Imperial Imprensa de

Música, de Filippone e C., rua dos Latoeiros, no.59 [grifos nossos].

O anúncio, ressalta-se, é de 1854, três anos após o aparelho ter sido exibido publicamente pela primeira vez na Exposição Universal de Londres (1851). Demonstra a precocidade com que o aparelho seria oferecido ao consumo na cidade do Rio de Janeiro e o direcionamento, desde o início, ao consumo privado, sobretudo no espaço doméstico familiar.

Todavia, é preciso ressaltar, persistem muitas lacunas importantes na bibliografia sobre os registros estereoscópicos no país no século XIX 55, em especial no que se refere às informações sobre a recepção e o consumo das estereoscopias. Com o objetivo de verificar e sistematizar os registros estereoscópicos que circularam na cidade do Rio de Janeiro no século XIX, os principais acervos públicos iconográficos da cidade foram consultados, objetivando mapear tanto as estereoscopias produzidas por fotógrafos que atuavam no Rio de Janeiro como as que foram adquiridas por residentes na cidade.

55 Apenas uma publicação brasileira sobre o tema foi verificada: a de José Inácio Parente (1999). Além disso,

3.4. Estereoscopias presentes nos acervos públicos do Rio de Janeiro: