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De acordo com dados apurados junto ao Ministério da Saúde18 o Brasil enfrenta

problemas de longa data no tocante à saúde pública. Desde o precário sistema de atenção básica familiar, passando pela falta de leitos em hospitais, até a quantidade insuficiente de médicos nas comunidades carentes, são indicativos das deficiências da saúde pública brasileira. De acordo com o Ministério da Saúde,

[...] além da quantidade insuficiente de médicos e sua desigual distribuição pelo Brasil, todas as escolas médicas do País formaram nos últimos dez anos apenas 65% da demanda de médicos do mercado de trabalho no mesmo período. De 2003 a 2012 o mercado de trabalho abriu 143 mil novas vagas de emprego médico formal (não estão incluídos nesta conta os contratos informais), mas as escolas médicas formaram apenas 93 mil médicos no mesmo período. Um déficit acumulado de 50 mil médicos (Ministério da Saúde, 2015, p. 23).

Juntamente ao crescimento populacional, o número reduzido de profissionais e o sucateamento do equipamento dos postos de saúde, outro importante fator gerador de demanda é o desinteresse dos médicos em trabalhar em áreas remotas, afastadas dos grandes centros urbanos. Há que se ressaltar que a profissão médica se constitui em posição de elevado status social, sendo, ainda, de difícil acesso às classes economicamente vulneráveis. Diante disso, justifica-se a distância abissal existente entre os profissionais e as pessoas mais carentes de seus serviços.

18 Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/programa_mais_medicos_dois_anos

Para fazer frente a essas demandas, o Ministério da Saúde, por iniciativa do governo federal, desenvolveu o Programa Mais Médicos para o Brasil. O programa tem por principal objetivo recuperar o sistema de saúde como um todo, suprindo as demandas de profissionais de medicina, enfermagem e demais técnicos, juntamente ao reaparelhamento de hospitais e unidades de pronto atendimento.

Inobstante a notoriedade do problema da saúde no Brasil, a política pública em questão não foi submetida a discussões preliminares junto à sociedade civil. Como é praxe na maioria das ações governamentais do país, as políticas de gestão federal não são previamente levadas a público. Tal circunstância é corolário do modelo de democracia delegativa adotado historicamente pelo Brasil.

A iniciativa do programa foi inserida na pauta governamental após as mobilizações sociais de junho de 2013, através da Medida Provisória n° 621, posteriormente convertida na Lei n° 12.871/2013. Num nítido esforço para dar respostas às manifestações que eclodiam em todo o Brasil, essa manobra legislativa caracterizou ingerência direta do Poder Executivo sobre o Legislativo, causando um mal-estar inicial entre diversos grupos políticos. A medida provisória é datada de 8 de julho de 2013 e a referida lei foi aprovada praticamente em tempo recorde, datando de 22 de outubro do mesmo ano, todavia não sem críticas.

A forma como o programa foi elaborado causou grande inconformidade na oposição19 ao governo da presidente Dilma Rousseff, bem como junto a diversos

grupos de interesse. Questões importantes como o exercício da medicina por profissionais estrangeiros sem o exame de revalidação de diploma, o tempo de permanência dos intercambistas estrangeiros e a distribuição maciça de recursos públicos à República de Cuba foram pedras de toque do embate.

Em 25 de janeiro de 2013 foi publicada no jornal O Globo matéria intitulada “Prefeitos pedem que governo contrate médicos estrangeiros20”, tornando pública a

demanda da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), grupo de interesse formado pelos gestores municipais das 400 cidades mais representativas do Brasil. A FNP, com o fim de pressionar o governo a desenvolver uma política social efetiva para a provisão de vagas médicas em aberto, havia lançado a campanha “Cadê o Médico?” em janeiro

19 Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/10/16/mp-do-programa-mais-

medicos-e-aprovada-com-criticas-da-oposicao> Acesso em 17 ago. 2016.

20 Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/prefeitos-pedem-que-uniao-facilite-entrada-de-

medicos-estrangeiros-8209175?utm_source=Google+&utm_medium=Social&utm_campaign= compar tilhar> Acesso em 16 out. 2016.

do mesmo ano. O lobby desenvolvido por essa entidade através da repercussão midiática foi o pano de fundo necessário para a presidente Dilma anunciar publicamente o início das atividades a serem elaboradas pelo Ministério da Saúde, à época dirigido pelo ministro Alexandre Padilha.

Posteriormente, em matéria21 veiculada também pelo jornal O Globo, na data

de 30 de abril de 2013, a Presidente da República anunciou medidas efetivas para a contratação de médicos estrangeiros, intensificando, assim, as discussões em torno do programa. Diversos segmentos da sociedade irresignaram-se com a importação de médicos de outros países, em especial, a comunidade médica e o Ministério Público Federal.

O primeiro grupo manifestou-se publicamente através de entrevistas concedidas por representantes do Conselho Federal de Medicina (CFM) ao jornal O Globo, notas de repúdio publicadas nos meios de comunicação de massa pela Academia Nacional de Medicina22, bem como por ações descentralizadas através dos

diversos Conselhos Regionais de Medicina criticando publicamente e, posteriormente, vetando licenças aos médicos intercambistas.

Outro fato que merece atenção, quanto ao boicote sistemático da comunidade médica ao PMM, é a resistência à criação de novos cursos de medicina. Inobstante a carência de profissionais na área, o CFM se opôs à criação de vários novos cursos de medicina23, sob alegação de falta de estrutura e despreparo técnico do corpo docente.

O Ministério Público, por sua vez, após o abandono do programa pela médica cubana Ramona Matos Rodriguez – fato que ganhou notoriedade pela mídia24 – abriu

inquérito para investigar as irregularidades denunciadas pela imprensa. A entidade atacou duramente os expedientes adotados pelo PMM para contratação de mão de obra, bem como alegou a inobservância dos direitos sociais básicos dos cidadãos estrangeiros, que apresentavam condições de vida e trabalho inadequadas.

Posteriormente, o Ministério Público do Trabalho (MPT) ingressou com Ação Civil Pública junto à 13ª Vara do Trabalho de Brasília, em março de 2014,

21 Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/dilma-assina-em-junho-decreto-para-contratar-

medicos-estrangeiros-para-trabalhar-no-interior-do-pais-8255153> Acesso em 16 out. 2016.

22 Disponível em: <http://acervo.folha.uol.com.br/fsp/2013/07/25/2//5884898> Acesso em 20 out. 2016. 23 Disponível em: <https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=25688:

2015-08-24-18-40-42&catid=3> Acesso em 30 out. 2016.

24 Disponível em: <http://acervo.folha.uol.com.br/fsp/2014/02/05/15//5914317>, <https://oglobo.globo.

com/brasil/medica-cubana-que-abandonou-mais-medicos-tem-asilo-nos-eua-diz-amb-12058611> e <https://acervo.veja.abril.com.br/index.html#/edition/32111?page=60&section=1> Acessos em 20 out. 2016.

desencadeando um pacote de mudanças acordadas com o Ministério da Saúde, mediante Termo de Ajustamento de Conduta, dentre as quais, o aumento da remuneração dos médicos intercambistas.

O debate midiático concentrou a atenção da sociedade e mobilizou os representantes políticos, embasando diversas convocações dos ministros da saúde, das relações exteriores e da educação, a fim de discutirem e aperfeiçoarem o programa implementado às pressas pela bancada governista. Convém ressaltar que somente após a aprovação da Medida Provisória em caráter de urgência é que o PMM começou a figurar efetivamente na pauta das casas legislativas, como será objeto de amiúde análise no capítulo seguinte.