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Princípio do ônus subjetivo da prova

O princípio do ônus subjetivo da prova também não se presta a delimitar os poderes instrutórios do juiz.

Esse instituto retrata com muita clareza que as partes possuem a necessidade de persuadir o juiz221 e a incumbência processual de provar suas alegações, sob pena de sofrerem as conseqüências pela inércia. Segundo Carnelutti, “[...] deve, pois, provar quem deve afirmar, porque assim requer a lei e não porque quem deve afirmar seja o único interessado em provar [...]”.222

Hodiernamente, muito se questiona se a regra estática do artigo 333 do Código de Processo Civil destina-se às partes  ficando as mesmas responsáveis pela prova do que alegam (com exceção das hipóteses de inversão do ônus da prova previstas em lei), sendo que o eventual insucesso nessa conduta implica em prejuízo à sustentabilidade de suas afirmações , ou se se configura como regra de julgamento (ônus objetivo da prova).

221 Para José Carlos Barbosa Moreira, o aspecto subjetivo do ônus da prova tem relevância mais psicológica do

que jurídica, de modo que não deve ser alvo de preocupação do juiz (Temas de direito processual: segunda série. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 75).

222

CARNELUTTI, Francesco. A prova civil. 4. ed. Tradução de Lisa Pary Scarpa. Campinas: Bookseller, 2005. p. 41.

Não obstante, debate-se sobre a importância da própria existência da regra do ônus da prova. Esses assuntos serão abordados oportunamente. O que interessa neste momento é o inevitável reconhecimento de que, direta ou indiretamente, as partes ficam sujeitas às conseqüências processuais pela não-produção das provas que lhes cabiam.223

Entretanto, retorna-se aqui ao tema disponibilidade dos atos processuais pelas partes. O fato de serem portadoras de ônus processuais quanto ao objeto material não limita a atividade probatória do magistrado.

A parte terá responsabilidade principal na elucidação dos fatos e circunstâncias por si afirmados. Ocorre que nem sempre essa incumbência atinge resultados eficazes, seja pelas vias escolhidas pelos interessados, seja pela própria dificuldade que o meio de prova pode apresentar diante do caso concreto.

É nesse momento que entra a atuação do juiz, até porque, em muitos casos, possui efetivamente mais condições de buscar a prova que não se consegue por meio de um particular. Nesse estágio processual, evidencia-se o caráter público do comprometimento judicial que legitima sua conduta.

Dessa forma, o ônus subjetivo da prova não interfere nos poderes instrutórios do juiz. Sobre o tema, diz José Roberto Bedaque:

Deve-se ressaltar, todavia, que a ampliação dos poderes do juiz no campo da prova de maneira alguma importa em retirar das partes o ônus de deduzir os fatos com que pretendem demonstrar o seu direito. Cabe a elas a exposição da fonte de prova, isto é, do fato de que se servirá o juiz para decidir. Fenômeno diverso é a atividade desenvolvida por este para que seu provimento se aproxime o máximo possível da verdade, ou, em outras palavras, para que sua decisão seja justa. Trata-se aqui do meio de prova. As fontes de prova são procuradas por quem averigua os fatos; com os meios de prova se faz a verificação. À parte compete averiguar e afirmar. Nada impede que a função verificadora seja entregue ao juiz, pois o acerto da decisão dela depende.224

223

“Nos limites em que algum relevo se lhe pode reconhecer, subsiste, pois – atenuado que seja – o aspecto ‘subjetivo’ do ônus da prova.” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos, Temas de direito processual: segunda série, cit., p. 79).

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Outrossim, a verificação do eventual desrespeito do ônus subjetivo da prova e suas conseqüências são reservadas ao momento do julgamento225, ou seja, posterior à fase instrutória. Mais uma vez, José Roberto Bedaque:

O não atendimento à regra do art. 333 pelas partes implica descumprimento de ônus processual, gerando, em conseqüência, sanção da mesma natureza, consistente no julgamento desfavorável. A incidência do dispositivo ocorre, pois, no momento final, diante da situação de incerteza causada pela insuficiência do conjunto probatório. Não tem fundamento a tentativa de vincular a distribuição desse ônus à legitimidade para produção da prova. São questões diversas, a serem enfrentadas em momentos procedimentais próprios. Não é condição de admissibilidade da prova a coincidência entre quem produz e quem deveria fazê-lo. A razão de ser da regra é, pois, evitar o non liquet. Em síntese, o poder instrutório do juiz, previsto no art. 130, não se subordina às regras sobre o ônus da prova; e não as afeta, visto que são problemas a serem resolvidos em momentos diversos. A rigor, portanto, as normas de distribuição do ônus da prova não pertencem ao instituto da prova. Sua incidência se dá exatamente em situações de insuficiência de prova.226

Insta ressaltar ainda que a questão do ônus subjetivo da prova perde seu brilho diante do princípio da comunhão da prova, pois pouco importa quem a está produzindo, já que a partir do momento em que os elementos de prova são inseridos ou deferidos nos autos, passam a pertencer ao processo, e não às partes ou ao juiz.

Sobre o tema, valiosos são os ensinamentos de Daniel Assumpção Neves:

Sendo a prova do processo, e não da parte que a requereu, a partir do momento em que a mesma é deferida pelo juiz, ela perde completamente a sua identidade subjetiva, passando desde já a pertencer ao processo. Não há de fato qualquer razão  acadêmica ou lógica  que reserve tal constatação somente a prova já produzida, bastando para tanto lembrar que a fase de produção da prova é apenas uma entre aquelas que compõem o procedimento probatório. E é justamente o princípio da comunhão das provas, responsável pela perda da identidade pelo seu surgimento no processo, que nos autoriza tal conclusão. Nesse tocante, inclusive, cabe recordar as lições de Cândido Rangel Dinamarco, para quem a propositura da prova já faz parte de sua produção.227

Por fim, como se vê, o ônus subjetivo da prova também não atende à conjugação dos critérios objetivos destinados a encontrar a restrição da atividade oficial. Inicialmente porque, ainda que considerado, relaciona-se com os aspectos psicológicos da parte, e não com o campo probatório, ocorrendo em momento anterior à iniciativa probatória do juiz. Para

225 Entendendo tratar-se de regra de julgamento: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito

processual: segunda série. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 76.

226

BEDAQUE, José Roberto dos Santos, Poderes instrutórios do juiz, cit., p. 18-19.

227

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. O princípio da comunhão das provas. Revista Dialética de Direito

finalizar, o não-atendimento pelo litigante do princípio do ônus subjetivo da prova não traz obrigatoriamente um prejuízo processual.

Portanto, o princípio do ônus subjetivo da prova regula a iniciativa primária das partes da produção da prova, e não impõe qualquer limite à instrução efetuada pelo juiz.