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Teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova

Esta teoria foi desenvolvida na Argentina e teve como principais mentores Jorge W. Peyrano e Augusto M. Morello. Para tanto, Peyrano utilizou a conhecida teoria da situação jurídica processual de James Goldschmidt, que considera que os vínculos jurídicos entre as partes não são relações jurídicas (consideração estática do direito), e sim fenômenos diversos, que resumem em três palavras: expectativas, possibilidades e cargas (consideração dinâmica do direito).

Para os referidos juristas, a carga probatória estática era demasiadamente rígida para atender às circunstâncias do caso concreto que eventualmente poderiam aconselhar alguma outra solução.

Essa dinâmica das cargas probatórias visa a atender melhor à justiça do caso levado a juízo, servindo também como meta do processo civil contemporâneo. A tarefa de verificar se o caso apresentado comporta ou não a distribuição dinâmica das cargas probatórias compete aos juízes, que cada vez mais se inclinam a ponderar adequadamente as circunstâncias jurídicas que lhe são apresentadas.

A teoria é baseada nos princípios da veracidade, boa-fé, lealdade e solidariedade ou de efetiva colaboração das partes com o órgão jurisdicional na formação do material de convicção.

A tese também tem encontrado outros fundamentos: o princípio da igualdade entre as partes em bases materiais; equilíbrio entre as partes; critério de eqüidade na relação processual; dever das partes de colaborar com o esclarecimento da verdade; dever das partes de colaborar com a verdade jurídica objetiva; dever de cooperação entre os profissionais; o de que as cargas probatórias dinâmicas são de responsabilidade do juiz no processo; a busca da

283

“Artigo 335 - Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.”

justiça no caso em concreto; deveres dos juízes e de conduta processual das partes; e concepção dinâmica do processo.284

Assim, a doutrina em questão leva em conta as circunstâncias do caso concreto para atribuir o ônus da prova àquele que tem condições profissionais, técnicas ou fáticas de satisfazê-lo. O juiz deverá estar atento a uma eventual violação ao dever das partes de cooperação e solidariedade na apresentação das provas para, nesse caso, proferir uma decisão contrária ao infrator, com o intuito de que o processo alcance seus fins, oferecendo prestação jurisdicional justa.

Nesse passo, a doutrina das cargas probatórias dinâmicas produz um verdadeiro salto qualitativo, desde o ângulo teórico, até sua operatividade na prática concreta. Não obstante, tem tido outras denominações: carga dinâmica da prova; carga de prova partilhada; cargas probatórias dinâmicas; doutrina da prova partilhada; e prova partilhada.285

Ao contrário da teoria estática do ônus da prova acolhida pelo nosso Código de Processo Civil (teoria clássica), a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova possui as seguintes características, resumidas por Fredie Didier Jr.:

[...] i) o encargo não deve ser repartido prévia e abstratamente, mas, sim, casuisticamente; ii) sua distribuição não pode ser estática ou inflexível, mas, sim, dinâmica; iii) pouco importa, na sua subdivisão, a posição assumida pela parte na causa (se autor ou réu); iv) não é relevante a natureza do fato probando  se constitutivo, modificativo, impeditivo ou extintivo do direito , mas, sim, quem tem mais possibilidades de prová-lo.286

Seu propósito é criar um sistema excepcional, evitando-se a chamada prova diabólica, que ocorre quando a parte, inicialmente onerada pela regra geral de ônus probatório, não possuir condições de produzir a prova necessária à elucidação dos fatos. Em outras palavras, é a prova impossível, senão muito difícil de ser produzida.

No ordenamento brasileiro, esta teoria encontra referências legislativas, doutrinárias e jurisprudenciais. No âmbito legislativo, o Código de Processo Civil não contém regra expressa adotando a teoria. Já o artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor prevê a inversão do ônus da prova, mediante o preenchimento de pressupostos de aferição circunstancial e casuística (verossimilhança e hipossuficiência).

284

WHITE, Inés Lépori, Cargas probatorias dinámicas, cit., p. 68-69.

285

Ibidem, p. 69.

286

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael, Curso de direito processual civil: direito probatório..., cit., v. 2, p. 62.

Também alguns anteprojetos de código de processo coletivo adotam essa concepção287. A doutrina acolhe essa teoria, a partir de uma interpretação sistemática da legislação processual pátria, como sendo decorrência dos princípios: da igualdade; da lealdade, boa-fé e veracidade; da solidariedade; do devido processo legal; e do acesso à justiça.

Por fim, a jurisprudência288 tem aplicado a teoria com base em nosso sistema processual, como nos casos da responsabilidade civil do profissional liberal, principalmente do médico, que sempre possui melhores condições do que a vítima para provar que agiu regularmente.

Há quem sustente ainda que a aplicação da teoria encontra limites materiais e formais. Os primeiros se relacionam com a posição privilegiada do litigante dinamicamente onerado, em relação ao material probatório, e em sua contraparte. É o que Danilo Knijnik chama de “probatio diabolica reversa”.289

Quanto ao aspecto formal, o autor supracitado ressalta a necessidade de prévia e fundamentada decisão290. No mesmo sentido, Fredie Didier Jr.291 assevera que a aplicação desta teoria pelo magistrado deve ser feita antes da fase instrutória, eis que constitui regra de atividade e não de julgamento, a fim de não comprometer a segurança jurídica das partes e o seu direito fundamental à prova.

287

Sobre o assunto, ver: DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito

processual civil: direito probatório..., cit., v. 2, p. 64-65.

288

“RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO E HOSPITAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. RESPONSABILIDADE DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS - MATÉRIA DE FATO E JURISPRUDÊNCIA DO STJ (RESP n 122.505/SP). 1. No sistema do Código de Defesa do Consumidor a ‘responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa’ (art. 14, § 4º). 2. A chamada inversão do ônus da prova, no Código de Defesa do Consumidor, está no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor, ficando subordinada ao ‘critério do juiz, quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências’ (art. 6º, VIII). Isso quer dizer que não é automática a inversão do ônus da prova. Ela depende de circunstâncias concretas que serão apuradas pelo juiz no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor. E essas circunstâncias concretas, nesse caso, não foram consideradas presentes pelas instâncias ordinárias. 3. Recurso especial não conhecido.” (STJ  RESP n. 171988/RS, 1998/0029834-7, 3ª Turma, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 24.05.1999, DJU, de 28.06.1999, p. 104, JBCC v. 194, p. 74, JSTJ, v. 8, p. 294, RT v. 770, p. 210).

289

KNIJNIK, Danilo, A prova nos juízos cível, penal e tributário, cit., p. 188.

290

Ibidem, mesma página.

291

DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael, Curso de direito processual civil: direito probatório..., cit., v. 2, p. 65.

Assim, verifica-se que a implementação desta doutrina em nosso ordenamento jurídico, apesar de extremamente útil em atender os escopos do processo, ainda é muito tímida, necessitando de um amadurecimento por parte dos aplicadores do direito.