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(II) Na divisão, a finalidade é extinguir a comunhão existente, partilhando a coisa comum e tornando certo o quinhão que pertence a cada comunheiro

4.4. Princípio da congruência

Poderia se considerar que a sentença parcial, ao não julgar todos os pedidos formulados pelas partes, seria verdadeira decisão citra petita, que desrespeita o princípio da congruência entre pedido e sentença, e não pode ser admitida no ordenamento pátrio.

Inicialmente, cumpre salientar que as mesmas considerações feitas a respeito da expressão “princípio da unidade sentencial” também são aplicáveis ao que comumente se chama de “princípio da congruência”. A correlação não parece ser um princípio, uma idéia que influência todo o ordenamento processual e que deve ser usada como baliza de interpretação. Trata-se de regra com o intuito de concretizar, e. g., os princípios da demanda158 e da inércia jurisdicional, que se consubstanciam na idéia de o Estado não conceder qualquer tutela ao cidadão sem requerimento, via Poder Judiciário. O juiz é inerte e precisa ser provocado pelo cidadão. A congruência é uma das regras que ratifica essa idéia.

156

Cf. Principios de derecho procesal civil, tomo II, p. 478. Também observou o ponto SANT’ANNA, Paulo Afonso de Souza, Sentença parcial, p. 170.

157 “Em caso de reconhecimento jurídico do pedido contido na reconvenção é permitido o julgamento

antecipado desta ação, permanecendo o processo para discussão de julgamento da ação principal” (Cf. ARAÚJO, José Henrique Mouta, Tutela antecipada do pedido incontroverso: estamos preparados para a nova sistemática processual?, p. 213).

158

74 BARBOSA MOREIRA159 explica as finalidades da congruência: proibir o magistrado de agir de ofício, seja pela concessão, seja pela negativa, acerca de algo a respeito do que não se fez pedido; conferir previsibilidade e segurança jurídica ao sistema; obrigar a observância do contraditório e da ampla defesa do réu, dando-se a este o direito de saber, desde o início da demanda, a pior coisa que lhe pode acontecer, caso seja completamente vencido no processo judicial (dessa forma, o réu pode analisar, por exemplo, se não é conveniente permanecer inerte, caso verifique que os esforços e gastos com a defesa judicial seriam maiores do que eventual condenação).

Os julgamentos parciais não se chocam com as finalidades da congruência. Além disso, o aparente problema é facilmente resolvido caso se entenda que a correlação entre pedido e decisão deve ser verificada, apenas, quando da última decisão da fase de conhecimento, observando-se se o pedido foi todo analisado no decorrer das ‘sentenças’ proferidas anteriormente.160

A questão parece ter contornos semelhantes aos problemas que parte da doutrina visualiza na aplicação dos artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil, dispositivos que tratam sobre a tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e dar coisa, merecendo destaque, no presente estudo, a possibilidade da fixação de medidas de apoio ao cumprimento da obrigação de ofício, i. e., independentemente de pedido da parte.161 A pergunta que se deve fazer é: tais artigos desrespeitam a idéia de congruência? Acredita-se que por meio de certo esforço interpretativo, faz-se possível a manutenção dos arts. 461 e 461-A no sistema, permitindo sua aplicação.

159

Cf. Correlação entre pedido e sentença, passim.

160

No mesmo sentido: ARMELIN, Donaldo, Notas sobre sentença parcial e arbitragem, p. 276

161

CPC. Art. 461. § 4º. O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. 5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial; §

6º. O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou

insuficiente ou excessiva. Art. 461-A. 3º. Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1º a 6º do art. 461.

75 Partindo-se de uma concepção mais restrita, mais simples de congruência, é possível tentar mostrar que não há choque entre o art. 461 e a regra da correlação. PORTANOVA162, e. g., define o princípio da congruência como a vinculação do juiz ao pedido feito na inicial. Entendendo pedido apenas como o bem da vida desejado pelo autor, os arts. 461 e 461-A, quando possibilitam a fixação, de ofício, de medidas de apoio, não vão de encontro à congruência, pelo contrário, apenas corroboram para a efetiva concretização daquilo que foi pleiteado pelo autor.

Poder-se-ia, no entanto, rejeitar tal conclusão, pela simples alegação de que a adstrição entre pedido e sentença exigiria pedido para qualquer providência jurisdicional. Da mesma forma, poder-se-ia compreender a adstrição de forma mais ampliativa, considerando que tal idéia exigiria que todos os pedidos fossem julgados na sentença, de uma vez só e de forma única, o que não permitiria a sentença parcial. O problema continuaria o mesmo e, da mesma forma, também comporta solução.

Em primeiro lugar, como bem observa a doutrina, o art. 128 do CPC163 que traz consigo a regra da congruência, NÃO esclarece se, na hipótese de formulação, pelo autor, de vários pedidos cumulados, todos eles devem ser decididos no mesmo momento processual164, o que milita favoravelmente à cisão do julgamento.

Além disso, tanto as regras legais que tratam da congruência, como as que permitem a fixação de ofício de medidas de apoio e os julgamentos parciais (por exemplo, arts. 273, § 6º, e 468 do CPC) estão em nível infraconstitucional, não sendo possível extrair da Constituição Federal regra sobre a correlação.

Dessa forma, o legislador pode perfeitamente elaborar um dispositivo (como o art. 461 do CPC) que entra em choque com a correlação, cabendo ao intérprete, no caso concreto, analisar qual dispositivo deve ser aplicado.

162

Cf. Princípios do Processo Civil, p. 234.

163

CPC. Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.

164

Cf. ARMELIN, Donaldo, Notas sobre sentença parcial e arbitragem, p. 276; e MONTEIRO, André Luís, Primeiras linhas sobre a sentença parcial no processo judicial, p. 12.

76 Por fim, ainda se poderia dizer não ser possível a convivência dos arts. 461 e 468 com a congruência, eis que os primeiros, se entendidos como regras, não poderiam desrespeitar a segunda, um princípio. Ora, tal argumento não subsiste, pois conforme já explicado anteriormente, adota-se o entendimento de não ser a congruência um princípio, mas uma regra que tenta dar concretude ao princípio da inércia, da mesma forma que medidas de apoio fixadas de ofício e utilização da técnica dos julgamentos parciais são meios de concretizar os princípios da efetividade e da celeridade, cabendo ao intérprete, no caso concreto, dar preferência a uma das possibilidades que o sistema lhe concede e que nele podem permanecer.