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Princípio da adaptabilidade e devido processo legal.

(II) Na divisão, a finalidade é extinguir a comunhão existente, partilhando a coisa comum e tornando certo o quinhão que pertence a cada comunheiro

4.5. Princípio da adaptabilidade e devido processo legal.

A utilização da técnica dos julgamentos parciais consiste em ferramenta que aumenta os poderes ao magistrado na condução do procedimento, permitindo-lhe dar concretude ao princípio da flexibilização procedimental ou da adaptabilidade,165 que retrata a possibilidade de o juiz adequar o procedimento à realidade do caso concreto, fazendo com que cada demanda possa se desenvolver de forma diferenciada, com vistas a se extrair de cada processo a maior utilidade possível (case management).

Poderia se afirmar que mencionada técnica não seria possível, por se constituir em verdadeira alteração do procedimento “padrão”, o que só poderia ser feito se o princípio da adaptabilidade fosse mencionado de forma expressa em nosso ordenamento jurídico.

Realmente, o legislador nacional ainda não trouxe disposição legal a respeito do assunto, cabendo a lembrança de que assim o fez o legislador português, conforme redação do novel artigo 265-A do Código de Processo Civil lusitano, introduzido

165 Sobre tal princípio, para uma análise com maior profundidade, v. GAJARDONI, Fernando da Fonseca, Flexibilização Procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual, de acordo com as recentes reformas do CPC, e DIDIER JÚNIOR, Fredie, Sobre dois importantes (e esquecidos) princípios do processo: adequação e adaptabilidade do procedimento.

77 pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro: “(Princípio da adequação formal) Quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o juiz oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações”.166-167

Mas não parece haver necessidade de um dispositivo específico acerca do princípio da adaptabilidade para que ele possa ser aplicado no sistema processual pátrio.

De acordo com DINAMARCO, para que se cumpra o princípio da efetividade processual, o procedimento há de afeiçoar-se às peculiaridades de cada litígio, mediante aplicação do princípio da adaptabilidade, estando a efetividade do processo bastante ligada ao modo como se dá curso à participação dos litigantes em contraditório e à participação inquisitiva do juiz.168

Além disso, a partir do momento que a Lei n. 10.444/2002 incluiu, no art. 331, o parágrafo 3º, que permite ao juiz deixar de designar a audiência preliminar se “as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável” a obtenção da conciliação, o legislador reconheceu expressamente a possibilidade do magistrado adaptar o

166

Cumpre transcrever excerto da exposição de motivos do Decreto-lei português 329-A/95 a esse respeito: “Procura, por outro lado, obviar-se a que regras rígidas, de natureza estritamente procedimental, possam impedir a efectivação em juízo dos direitos e a plena discussão acerca da matéria relevante para propiciar a justa composição do litígio. Assim, estabelece-se como princípio geral do processo o princípio da adequação, facultando ao juiz, obtido o acordo das partes, e sempre que a tramitação processual prevista na lei não se adeqúe perfeitamente às exigências da acção proposta, a possibilidade de adaptar o processado à especificidade da causa, através da prática dos actos que melhor se adeqúem ao apuramento da verdade e acerto da decisão, prescindindo dos que se revelem inidóneos para o fim do processo”.

167

Posteriormente, o Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, trouxe pequena mudança ao regime da adequação formal, conforme se depreende também de sua exposição de motivos: “No âmbito do princípio da adequação formal, a que dá guarida o artigo 265º-A, princípio que é expressão do carácter funcional e instrumental da tramitação relativamente à realização do fim essencial do processo, regressa-se à formulação do Projecto, condicionando a adequação à prévia audição - mas não ao acordo - das partes. Efectivamente, a adequação não visa a criação de uma espécie de processo alternativo, da livre discricionariedade dos litigantes, mas possibilitar a ultrapassagem de eventuais desconformidades com as previsões genéricas das normas de direito adjectivo”.

168

78 procedimento de acordo com o caso concreto, sendo a adaptabilidade verdadeira tendência da doutrina e legislação modernas.169

Dessa forma, acredita-se que a ausência de disposição exclusiva sobre o princípio da adaptabilidade no Código de Processo Civil brasileiro não impede a prolação de uma sentença parcial (ou de uma decisão interlocutória de mérito) por parte do magistrado responsável pela condução de determinado procedimento. No entanto, não haveria obrigatoriedade. Não parece razoável imaginar, diante da variedade inerente ao processo civil, que em todas as causas em que o fracionamento de mérito for possível, ele também será viável, logo, também dentro da perspectiva da adaptabilidade do procedimento, parece mais prudente deixar nas mãos do magistrado responsável pelo processo a escolha de utilizar, ou não, a técnica de resolução parcial.170-171

Por fim, não se vislumbra qualquer desrespeito ao devido processo legal. Tal conceito jurídico indeterminado tem por finalidade que o processo seja efetivo, tempestivo, adequado e leal, e a técnica do julgamento parcial apenas corrobora para com tais valores. Sendo assim, acredita-se ser possível ao magistrado responsável pela causa adaptar seu procedimento com vistas a um melhor tratamento do objeto discutido no processo. Trata-se de manifestação em concreto da teoria da instrumentalidade das formas.

Em verdade, os julgamentos parciais do mérito, ao ajustarem o processo e o procedimento à realidade do caso concreto, permitindo um julgamento mais célere de determinado ponto, apenas concretizam o devido processo legal.172

169 “A liberdade das formas, deixada ao juiz entre parâmetros razoavelmente definidos e mediante certas

garantias fundamentais aos litigantes é que, hoje, caracteriza os procedimentos mais adiantados” (Cf. DINAMARCO, A instrumentalidade do processo, p. 155).

170

Lembre-se ter sido essa a escolha do direito alemão, conforme o já transcrito parágrafo 301 da ZPO.

171

Ao longo de sua de sua obra, manifestou-se contrariamente SOUZA JÚNIOR, Sidney Pereira de, defendendo que o fracionamento do julgamento, quando possível, constitui-se em dever para o magistrado, a fim de concretizar o princípio constitucional da duração razoável do processo, plasmado no inciso LXXVIII do art. 5º da Lei Maior nacional (Cf. Sentenças parciais no processo civil brasileiro: conseqüências no âmbito recursal, passim).

172

Trata-se da mesma conclusão de Luiz Fux, a respeito da tutela dos direitos evidentes, cf. Tutela de segurança e tutela de evidência, p. 371

79

4.6. Tumulto processual

Por fim, poder-se-ia dizer que a adoção do fracionamento do julgamento de mérito levaria ao tumulto processual, em razão dos problemas que poderia gerar para a sistemática recursal, para a contagem de prazos para ação rescisória, para a viabilização da execução de apenas parte do julgado, dentre outros, sendo mais prudente não admitir tal técnica.

É inegável que a resolução fracionada do mérito gera dificuldades práticas, mas conforme visto no início da presente dissertação, os julgamentos parciais apenas representam no curso do procedimento o que os diferentes capítulos representariam em uma mesma sentença, construção complexa que já traz problemas, mas nem por isso deixa de se fazer presente no sistema nacional.

Além disso, já existem recursos no decorrer do procedimento, anteriores à prolação da sentença final, como é o caso do agravo retido, do agravo de instrumento e dos embargos de declaração, que mesmo dificultando o desenvolvimento célere do procedimento em primeiro grau de jurisdição continuam, há muito tempo, previstos no sistema legal.

A burocracia estatal deve ser pré-ordenada a fim de que sejam cumpridos os princípios processuais constitucionais, como a duração razoável do processo. Não se pode permitir que técnicas aceleradoras do procedimento sejam barradas, pelo medo de a burocracia estatal não conseguir concretizá-las, em razão de questões como necessidade de autos em apenso, formação de instrumentos, cartas de sentença etc.

É possível apontar contrariamente à sentença parcial sob o argumento de que o sistema nacional não prevê expressamente uma apelação por instrumento, o que é verdadeiro. No entanto, a necessidade de “instrumento” apenas existe pela demora do Estado brasileiro em implantar de forma efetiva o chamado “processo eletrônico”, já que se existente uma página na internet com todos os dados e peças de um processo, não haveria instrumento a se formar, autos suplementares, ou cartas de sentença. Juiz, Desembargador e Advogados teriam acesso ao mesmo material, de forma integral. Logo, não haveria

80 qualquer dificuldade, durante o prosseguimento do processo em primeiro grau de jurisdição, na análise de um recurso de apelação pelo Tribunal.

Acredita-se que o raciocínio a ser feito deva ser justamente o contrário daquele feito pelos críticos: o processo eletrônico deve ser estimulado, dentre inúmeras outras razões, a fim de facilitar que determinada técnica seja utilizada, e não, determinada ferramenta ser proibida, pois o processo eletrônico ainda não é regra.

No capítulo seguinte, em que são analisadas as consequências técnicas da adoção da resolução fracionada do mérito, os problemas mencionados no presente tópico serão melhor enfrentados.