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(II) Na divisão, a finalidade é extinguir a comunhão existente, partilhando a coisa comum e tornando certo o quinhão que pertence a cada comunheiro

4.3. Princípio da unicidade sentencial

O princípio da unicidade sentencial traduz a idéia de que no ordenamento pátrio cada processo judicial, em sua fase de conhecimento, somente poderia ser resolvido por uma única sentença, afastando por completo a possibilidade do fracionamento do mérito da demanda em mais de um provimento jurisdicional. MONTORO147, por exemplo, acredita que o art. 318 do CPC148, ao determinar que ação e reconvenção devem ser julgadas na mesma sentença, ratifica o princípio da unidade sentencial, impedindo os julgamentos parciais de mérito.

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Cf. Algumas implicações do novo conceito de sentença no processo civil, de acordo com a Lei n. 11.232/2005.

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Cf. Flexibilidade do procedimento arbitral, p. 340. Em sentido contrário, externando posicionamento ao qual se adere: “por vezes, nem mesmo a imposição legal de julgamento simultâneo de todo ou de todos os pedidos pela mesma sentença impõe-se como regra inflexível. Assim, v. g., o preceito do art. 315 do CPC, que comanda deverem ser julgadas a ação e a reconvenção na mesma sentença, cede passo à necessidade de julgamento da ação reconvencional liminarmente nas hipóteses em que esse desfecho torna-se possível, como sucede, entre outras situações, no caso de decadência do direito invocado na tela reconvencional, circunstância essa que permite, independentemente mesmo da intimação do reconvindo para contestar o pedido, o reconhecimento da improcedência de tal ação” (ARMELIN, Donaldo, Notas sobre sentença parcial e arbitragem, p. 279).

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70 E DINAMARCO também já se posicionou contrariamente ao fenômeno do fracionamento, por conta do princípio ora em comento.149

Uma premissa deve ser colocada desde logo, a idéia de unicidade sentencial, ainda que aceita, parece estar muito longe de ser um princípio.150 Entende-se que a unidade sentencial é, no máximo, uma regra, eis que não se constitui em mandamento nuclear do ordenamento processual. A expressão “princípio da unidade sentencial” é utilizada no texto, apenas, por ser consagrada na doutrina.

Unicidade sentencial (princípio que na Itália ganha o nome de princípio da concentração da sentença) representa a idéia de que todo conteúdo de mérito em determinado processo deve ser resolvido por uma única sentença, o que, à primeira vista, impediria a existência de julgamentos parciais.

Seguindo as lições de Luiz Guilherme Marinoni151, entende-se que tal regra não pode impossibilitar a cisão do julgamento de mérito.

149 “O CPC não abre a menor possibilidade de cindir o julgamento de mérito mediante a antecipação de

algumas questões diretamente ligadas a ele... No sistema de direito processual positivo brasileiro, antecipar o pronunciamento sobre essa causa extintiva (prescrição), fazendo-o mediante uma decisão interlocutória e postergando o exame das demais questões de meritis e conclusão pela procedência ou improcedência, significa romper a unidade sentencial, afrontar o princípio da concentração da sentença e transgredir o disposto nos arts. 458 e 459 do CPC. Todas as questões de mérito devem ser julgadas de uma vez só, e sempre na sentença” (Cf. Nova era do processo civil, pp. 285-287).

150Para BANDEIRA DE MELLO, “princípio é um mandamento nuclear fundamental que se irradia sobre

diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico” (Cf. Criação de secretarias municipais in RDP, n. 15, jan./mar. 1971 apud SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 91). Já Humberto Ávila entende que os princípios são normas imediatamente finalísticas que estabelecem um fim a ser atingido, um conteúdo como pretendido. (Cf. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, passim).

151 “De lado a tutela antecipatória, não é possível a cisão do julgamento dos pedidos cumulados, ou o

julgamento antecipado de parcela do pedido, prevalecendo o princípio chiovendiano ‘della unitá e unicitá della decisione’. Contudo, este princípio, elaborado há muito, não se concilia com a atual leitura de outros princípios igualmente formulados por Chiovenda, especialmente com o princípio de que o processo não pode prejudicar o autor que tem razão. Se um dos pedidos apresentados pelo autor está maduro para o julgamento, seja porque diz respeito apenas à matéria de direito, seja porque independe de instrução dilatória, a necessidade, cada vez mais premente, de uma prestação jurisdicional célere e efetiva, justifica a quebra do velho princípio da ‘unitá e unicitá della decisione’. A tutela antecipada, neste caso, estará antecipando o julgamento do pedido” (Cf. Tutela antecipatória e julgamento antecipado: parte incontroversa da demanda, p. 139).

71 A unidade sentencial é uma ideia geralmente atribuída a CHIOVENDA, em razão da formulação do ‘principio della unitá e unicitá della decisione’. Deve-se observar, no entanto, que a elaboração chiovendiana deu-se no contexto de um processo marcado pela oralidade e pela irrecorribilidade das interlocutórias e em um sistema com tais características, sem dúvida, não seria possível o fracionamento do julgamento do mérito.

A escolha da técnica oral representa uma tentativa de simplificação e aceleração do processo, com a substituição de complexas manifestações escritas (que demandam um bom tempo para elaboração e posterior análise) pelo diálogo entre magistrado, advogados e partes, reduzido, em seus pontos principais, a termo em ata de audiência. CHIOVENDA é comumente mencionado na doutrina como o maior entusiasta do princípio da oralidade no processo civil.152

Mas mesmo mencionado doutrinador italiano reconhecia a impossibilidade de um processo completamente oral.153 Para ele, os escritos seriam necessários, pelo menos, para: (i) preparar a ação judicial, por meio de manifestações iniciais do autor, que deveria definir por escrito os elementos da demanda e seus meios de prova, e do réu, que teria de anunciar suas alegações de direito, suas exceções, e, da mesma forma, seus meios de prova; e (ii) documentar o que de mais relevante ocorre em audiência.154

A escolha pela oralidade inserir-se-ia dentro de um contexto imaginado como o ideal para o desenvolvimento de um procedimento, marcado pela identidade física

152 “La experiencia derivada de la historia permite añadir aunque el proceso oral es el mejor y más conforme

con la naturaleza y a lãs exigencias de la vida moderna, porque sin comprometer en lo más mínimo, antes bien garantizando, la bondad intrínseca de la Justicia, la proporciona más económicamente, más simplemente y prontamente” (Cf. Principios de derecho procesal civil, tomo II, p. 127).

153 A respeito, bela é a observação de Victor Fairén Guillén: “No existe en la actualidad un proceso ‘oral

puro’ (Cappelletti, VIII Congreso Internacional de Derecho Comparado, 1970); téngase em cuenta que ello comportaría el renunciar a una facultad, privilegio del horno sapiens sapiens: la de "escribir". Una tentativa contraria, es irracional. (Casi totalmente oral, y por ello mundialmente admirado, es el proceso ante el Tribunal de las Aguas de la Vega de Valencia. Creado hace más de diez siglos, se ha mantenido - puro y "útil", sin corruptelas; pero hay un elemento escrito: para ejecutar la sentencia proferida oralmente, precisa de un -título ejecutivo"; esto es, un protocolo abreviado de la misma) (Cf. Teoría general del derecho procesal, p. 399).

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do juiz, entendida como a necessidade de que um único juiz desenvolva todo o

procedimento em primeiro grau, pela irrecorribilidade das decisões interlocutórias e, em especial, pelo princípio da concentração, segundo o qual os atos processuais devem, ao máximo, ser realizados em um único momento (adotada a técnica oral, na menor quantidade possível de audiências)

De fato, a concentração de atos processuais corroboraria para a

celeridade155 e a economia processuais. Ao permitir que se extraia de uma única audiência, por exemplo, o máximo de providências que ela possa comportar, evitar-se-iam dilações desnecessárias e razoável gasto de recursos com o processo, em razão da diminuição de atos para a finalização do procedimento.

Além disso, CHIOVENDA considerava salutar a aproximação de atos diversos, pois se permitiria que o magistrado julgasse a demanda a partir das impressões obtidas em audiência, que ainda estariam ‘frescas’ na memória.

No entanto, o sistema idealizado por CHIOVENDA não representa o atual estado do processo civil nacional. O ordenamento brasileiro não é delineado dessa forma, pelo contrário, a oralidade tem cada vez mais perdido espaço, em razão do grande volume de processos existentes em nossos Tribunais, que dificultam a realização de longas audiências para cada processo e facilitam a adoção de inúmeras decisões interlocutórias escritas que pulverizam o procedimento e são passíveis de recurso de agravo.

Pois bem, se as raízes da unidade/unicidade sentencial - oralidade e irrecorribilidade de interlocutórias - não se fazem presentes, não há razões para mantê-la no sistema.

Aliás, o próprio CHIOVENDA não parecia ser contrário à possibilidade de existência de sentenças parciais, apenas argumentava que tal técnica era contrária à

155 Nesse sentido, também, Luiz Rodrigues Wambier: “é importante frisar que a adoção de um mecanismo de

concentração dessas atividades processuais, que anteriormente eram realizadas ao longo do procedimento, com a intermitência de prazos entre um e outro ato, representa um sensível avanço em favor da agilização do processo que, como se tem dito, deve buscar resultados mais rápidos e efetivos para quem precisa de soluções da Justiça” (Cf. A nova audiência preliminar (art. 331 do CPC), p. 33).

73 oralidade e à irrecorribilidade das interlocutórias, duas idéias, como já visto, defendidas pelo autor para que o procedimento pudesse se desenvolver de forma célere.156

Sendo assim, a regra da unicidade não é óbice aos julgamentos parciais, até porque, como bem observa doutrina, a própria regra de julgamento conjunto da ação principal e da reconvenção na mesma sentença não é absoluta.157