• Nenhum resultado encontrado

PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

3 A PRINCIPIOLOGIA DA FAMILIA

3.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O núcleo do atual sistema jurídico é o respeito à dignidade da pessoa humana, que ocupa no inciso III do artigo 1º da CRFB/88 uma posição privilegiada no texto constitucional. A noção de dignidade da pessoa humana envolve o cerne existencial que é essencialmente comum a todos os seres humanos como pertencentes ao gênero humano, impondo, no que tange à dimensão pessoal da dignidade, um dever geral de respeito, de proteção e de intocabilidade.112

Nesse sentido, Ludger Honnefelder citado por Simone Born de Oliveira, explica:

Por isso a dignidade humana deve ser vista como algo que pertence igualmente a todos aqueles que são considerados membros do gênero humano – e isso significa: a todos aqueles que têm disposição para ser sujeitos. O respeito é reconhecimento, não concessão. 113

110

LÔBO, Paulo. Princípio da solidariedade familiar. Direito das famílias e sucessões, n. 0, out./nov., 2007. p. 144-159. p. 147.

111 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007. p. 57.

112

LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 120.

113 HONNEFELDER, Kudger. Genética humana e dignidade do homem. apud OLIVEIRA, Simone Born de. Da

Conseqüentemente, cada homem é fim em si mesmo. Essa pessoa humana seria dotada de um valor intrínseco, um valor próprio da sua essência. Tal valor intrínseco seria superior a qualquer preço e, por isso, não poderia ser apreçado ou substituído por coisa equivalente, já que – como dito – o ser humano seria um fim e não um meio passível de utilização e manipulação. Do que decorre que esse valor intrínseco seria um valor absoluto, uma qualidade absoluta, ou – finalmente – uma dignidade absoluta.114

Rizzatto Nunes assevera que a dignidade nasce com a pessoa, inerente à sua essência e complementa:

Mas acontece que nenhum indivíduo é isolado. Ele nasce, cresce e vive no meio social. E ai, nesse contexto, sua dignidade ganha – ou tem o direito de ganhar – um acréscimo de dignidade. Ele nasce com integridade física e psíquica, mas chega um momento de seu desenvolvimento que seu pensamento tem de ser respeitado, suas ações e seu comportamento – isto é, usa liberdade –, sua imagem, sua intimidade, sua consciência – religiosa, científica, espiritual – etc., tudo compõe sua dignidade.

115

Se o texto constitucional diz que a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, importa concluir que o Estado existe em função de todas as pessoas e não estas em função do Estado. Aliás, de maneira pioneira, o legislador constituinte, para reforçar a idéia anterior, colocou, topograficamente, o capítulo dos direitos fundamentais antes da organização do Estado.

Para Ingo Wolgang Sarlet, a dignidade da pessoa humana define-se como:

[...] qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. 116

Este princípio constitucional aglutina em torno de si todos os demais direitos e garantias fundamentais contidos na CRFB/88 desde o direito à vida, passando pelo direito à liberdade, até chegar à realização plena, ao direito de ser feliz.

O princípio constitucional da dignidade passou a servir de base nas relações da família, o que implicou efetivamente na consolidação da valorização do indivíduo, integrante

114 CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 12. ed. 6. imp. São Paulo: Ática, 2002. p. 346.

115 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e

jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 5.

116 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60.

da instituição familiar como ser em sua individualidade, devendo ser respeitado e atendido nas suas necessidades mais importantes. Este movimento, de colocar a pessoa humana no centro protetor do direito, provocou a despatrimonialização e a personalização dos institutos jurídicos.

Caio Mário da Silva Pereira define o fenômeno da despatrimonialização como novo referencial para o entendimento do Direito Civil que retira a excessiva preocupação pelas relações patrimoniais.117 Na verdade, há uma subordinação das relações jurídicas patrimoniais a valores existenciais a exemplo de ―institutos de Direito Civil que têm proteção condicionada ao atendimento de sua função social, cujo conteúdo é definido fora da órbita patrimonial‖.118

Em suma, traz a pessoa humana para o seu centro, abandonando, para um segundo plano, a propriedade, que passa a ser meio, e não mais um fim em si - personalização.

A dignidade da pessoa humana é colocada no ápice do ordenamento jurídico e encontra na família a base apropriada para o seu desenvolvimento. As relações familiares são, portanto, funcionalizadas em razão da dignidade de cada partícipe.

Assim sendo, a família, embora tenha ampliado, com a Carta de 1988, o seu prestígio constitucional, deixa de ter valor intrínseco, como instituição capaz de merecer tutela jurídica pelo simples fato de existir, passando a ser valorada de maneira instrumental, tutelada na medida em que – e somente na exata medida em que – se constitua em um núcleo intermediário de desenvolvimento da personalidade dos filhos e de promoção da dignidade de seus integrantes.119

Exatamente por isso, a dignidade da pessoa humana (agora, valor e princípio120), informa toda a disciplina familiar cujos traços característicos são:

1. A funcionalização das entidades familiares à realização da personalidade de seus membros, em particular dos filhos; 2. A despatrimonialização das relações entre pais e filhos; 3. A desvinculação entre a proteção conferida aos filhos e a espécie de relação dos genitores.121

Um dos vários exemplos da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana no Direito de Família é a liberdade em poder optar pelo tipo de entidade familiar que

117 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 5. Direito de

família. p. 4.

118 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 395.

119 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 398.

120 FARIAS, Cristiano Chaves de. A separação judicial à luz do garantismo constitucional: a afirmação da

dignidade humana como um réquiem para a culpa na dissolução do casamento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 47.

se quer constituir e que melhor corresponda à realização existencial de cada indivíduo. E esse tipo de escolha não pode ser questionado.

Outros exemplos podem ser citados como resultantes da aplicação, pela doutrina e jurisprudência, do princípio da dignidade da pessoa humana no Direito de Família: a tendência de relativização ou mitigação da culpa nas ações de separação judicial; a tese do abandono paterno-filial (condenação de pais a pagamento de indenização aos filhos, pelo abandono afetivo); e a impenhorabilidade de bem de família de pessoa solteira.122

O princípio da dignidade da pessoa humana, como princípio maior e aglutinador dos demais, como a liberdade, igualdade e a autonomia, traduz a repulsa constitucional às práticas, imputáveis aos poderes públicos ou aos particulares, que visem a expor o ser humano, em posição de desigualdade perante os demais, a desconsiderá-lo como pessoa, reduzindo-o à condição de coisa123, ou ainda a privá-lo dos meios necessários à sua manutenção.

Documentos relacionados