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3 A PRINCIPIOLOGIA DA FAMILIA

3.5 PRINCÍPIO DA IGUALDADE

A noção de igualdade, como sucede aos grandes valores fundamentais, apresenta íntimas conexões com outros princípios, como liberdade, justiça, bem comum etc., dirigidos ao desenvolvimento ético-social da comunidade humana. Além disso, ―a igualdade pode funcionar como regra, prevendo a proibição de tratamento discriminatório; como princípio, instituindo um estado igualitário com o fim a ser promovido; e como postulado, estruturando a aplicação do Direito em função de elementos (critério de diferenciação e finalidade da distinção) e da relação entre eles (congruência dos critérios em razão do fim)‖.134

O princípio da igualdade é um dos sustentáculos do Estado Democrático de Direito. Também conhecido como princípio da Isonomia, considera que ―todos são iguais perante a lei‖.135

Segundo este princípio, todas as pessoas terão tratamento igual pelas leis brasileiras, mas terão tratamento diferenciado na mediada das suas diferenças, o que leva a concluir que o verdadeiro conteúdo do princípio é o direito da pessoa de não ser desigualada pela lei.

É norma voltada tanto para o legislador quanto para o aplicador da lei, pois não é só diante da norma que se podem igualar os indivíduos, mas principalmente no momento da criação da norma. Logo, este princípio deve ser considerado sob duplo aspecto: o da igualdade na lei e o da igualdade perante a lei.

Ricardo Cunha Chimenti e outros explicam que a igualdade na lei constitui exigência destinada ao legislador, que na elaboração da lei, não poderá fazer nenhuma discriminação. Isto implica dizer que embora a lei diga que: ―homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações‖ (art. 5º, I, da CRFB/88) não significa que suas diferenças sejam desconsideradas, tanto as naturais quanto as culturais.136 ―O direito à diferença tem por fito o respeito às peculiaridades de cada qual, constitutivas de suas dignidades. Mas não

134 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo:

Malheiros, 2003. p. 93.

135 Art. 5º da CRFB/88: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: [...].

fundamenta, como e fez no passado, a desigualdade de direitos e obrigações, no plano jurídico‖.137

Já a igualdade perante a lei, prossegue Ricardo Cunha Chimenti e outros, pressupõe que a lei já esteja elaborada e se traduz na exigência de que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, na aplicação da lei, não façam qualquer discriminação. É conquista da humanidade que afastou os privilégios em razão de origem, do sangue ou do estado social, e dotou a todos de iguais direitos subjetivos.138 Ou seja, a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, deve ser instrumento regulador da vida social, e deverá designar tratamento igualitário a todos, sendo este o conteúdo político ideológico absorvido pelo princípio da igualdade e juridicizado pelos textos constitucionais em geral.

Atendendo à ordem constitucional, o Código Civil consagra o princípio da igualdade no âmbito do direito de família. A relação de igualdade nas relações familiares deve ser pautada não pela pura e simples igualdade entre iguais, mas pela solidariedade entre seus membros, caracterizada da mesma forma pelo afeto e amor.139

O princípio da igualdade, expressamente contido na Constituição, provocou profunda mudança na família, notadamente em três principais situações nas quais a desigualdade de direitos foi constante histórica: as entidades familiares, os cônjuges e os filhos.

3.5.1 Igualdade das entidades familiares

Com dito anteriormente (seção 2.3), o caput do art. 226 da CRFB/88 tutela e protege a família, sem restringi-la a qualquer espécie ou tipo, como fizeram as Constituições brasileiras anteriores em relação à exclusividade do casamento.

137 LÔBO, Paulo Luiz Netto. As vicissitudes da igualdade e dos deveres conjugais no direito brasileiro. In:

DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. Questões controvertidas no direito de família e das

sucessões. Série Grandes Temas de Direito Privado. São Paulo: Método, 2005. v. 3. p-51-62. p. 54. 138

CHIMENTI, Ricardo da Cunha et al. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 59.

139 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

A legitimidade familiar constituiu a categoria jurídica essencial que definia os limites entre o lícito e o ilícito, além dos limites das titularidades de direito, nas relações familiares e de parentesco. Família legítima era exclusivamente a matrimonializada.140

Após a Constituição de 1988, que igualou de modo total os cônjuges entre si, os companheiros entre si, os companheiros aos cônjuges, os filhos de qualquer origem familiar, além dos não biológicos aos biológicos, a legitimidade familiar desapareceu como categoria jurídica, pois apenas fazia sentido como critério de distinção e discriminação.141

Sob o ponto de vista de terem sido as relações de família funcionalizadas em razão da dignidade de cada partícipe142, não é concebível a idéia de proteção somente para algumas entidades familiares, afastando a tutela jurídica das demais, pois esta exclusão refletiria nas pessoas que a integram por opção ou por circunstâncias da vida.143 Não reconhecer as demais uniões à luz do direito seria, no mínimo, promover a distinção entre pessoas, o que não é mais permitido diante do princípio da igualdade.

3.5.2 Igualdade entre cônjuges e companheiros

Com o enfraquecimento do patriarcalismo e a evolução dos costumes, homem e mulher passam a ser iguais em direitos, obrigações e dignidade, podendo agir conforme suas consciências.

Acompanhando as mudanças e transformações na relação homem/mulher, a CRFB/88 realiza o anseio das até então oprimidas mulheres. Desde então, são iguais perante a lei os pares conjugais e de conviventes, sendo assim, conquistam a liberdade de aproximarem- se em direitos e deveres.

A valorização da dignidade humana e a sua previsão como fundamento da Constituição Federal vigente, conforme visto anteriormente (seção 3.3), impôs a

140 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais do direito de família: guarda

compartilhada à luz da Lei nº 11.698/08: família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008. p. 73.

141 LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 43.

142 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais do direito de família: guarda

compartilhada à luz da Lei nº 11.698/08: família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008. p. 73.

143

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Revista

brasileira de direito de família. Porto Alegre: Síntese, Ano III, n.12, p. 41-56, jan./mar. 2002. p. 45. CD

desestruturação da hierarquia familiar até então arraigada nas relações mantidas entre os diferentes sexos. Isto porque uma existência digna não se coaduna com a imposição de hierarquias entre homens e mulheres.

Não bastou a Constituição proclamar o princípio da igualdade em seu preâmbulo. Reafirmou o direito à igualdade ao dizer (CF 5º): todos são iguais perante a lei. E foi além. De modo enfático, foi até repetitiva ao afirma que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (CF 5º I), decantando mais uma vez a igualdade de direitos e deveres de ambos no referente a sociedade conjugal (CF 226 § 5º).144

Em virtude da ótica constitucional, o CC/2002, em vários dispositivos estabelece: o casamento, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, (art.1.511), que homem e mulher são responsáveis pelos encargos da família (art. 1.565), que a sociedade conjugal será exercida em colaboração, pelo marido e pela mulher (art.1.567), que os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e rendimentos do trabalho, para o sustento da família e educação dos filhos (art.1.568), enfim a igualdade entre o homem e a mulher presente na legislação infraconstitucional.145 ―Todos esses direitos são agora exercidos pelo casal, em sistema de co-gestão, devendo as divergências ser solucionadas pelo juiz (CC, art. 1.567, Parágrafo único)‖.146

Ainda em observância ao princípio constitucional da plena igualdade, o Código Civil designa a mesma idade núbil para homens e mulheres (art. 1.517) e suprime a vedação ao reconhecimento da maternidade quando tenha por fim atribuir à mulher casada filho havido fora do casamento.

Obviamente todos os dispositivos citados se aplicam a união estável, por também ser uma forma de constituir família.

Há que se destacar que o princípio da igualdade jurídica persiste até mesmo com o fim do relacionamento, sendo possível ao homem ou a mulher pleitear ação de alimentos sob a alegação de incapacidade financeira para sua subsistência. Além disso, um pode utilizar o nome dou outro livremente, conforme convenção das partes (art. 1.565, § 1º, do CC).147

144 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007. p. 62.

145

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 63.

146 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. 5 ed., rev. e atual. São

Paulo: Saraiva, 2008. p. 7.

147

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil: família. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2008. v. 5. p. 34.

Em adequação aos princípios constitucionais da plena igualdade entre homens e mulheres e da proteção à criança e ao adolescente, o novo Código Civil baniu toda e qualquer prevalência feminina na atribuição da guarda, bem como eliminou o regime da perda da guarda pela culpa na separação judicial, estabelecendo a seguinte norma: "Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la" (art. 1.584).

Outra importante alteração diz respeito ao poder familiar. Nos arts. 1.630, no qual está expresso que ―os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores‖, e 1.631, que prescreve que ―durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais...‖, a expressão ―poder familiar‖ substitui a expressão ―pátrio poder‖, o qual tem origem na palavra

pater, que significa pai. Ademais, o Parágrafo único do art. 1.631 deixa a igualdade clara de

ambos os pais na educação e manutenção dos filhos ao declarar que ―divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo‖.

Porém, a igualdade não apaga as diferenças entre os gêneros, que não podem ser ignoradas pelo direito.

Já está superado o entendimento de que a forma de implementar a igualdade é conceder a mulher o tratamento diferenciado que os homens sempre desfrutaram. O modelo não é masculino, e é preciso reconhecer as diferenças, sob pena de ocorrer a eliminação das características femininas.148

Esse princípio, como os demais, não é de aplicabilidade absoluta, ou seja, admite limitações que não violem seu núcleo essencial. Assim, homem e mulher são diferentes e tais diferenças, saudáveis e naturais, devem ser consideradas.

3.5.3 Igualdade entre os filhos

De modo especial, no que tange ao princípio da igualdade entre os filhos, o § 6º do art. 227 da CRFB/88 – e reproduzido pelo art. 1.596 do CC/2002 – implica numa única resposta à pergunta sobre a categoria dos filhos, hoje. Assim, a Lei reconhece apenas duas

148 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

categorias, ao sabor da análise do assunto filiação, isto é, aqueles que são filhos e aqueles que não o são. De tal sorte que, em face da proibição constitucional no que concerne às designações discriminatórias, perde completamente o sentido, sob o prisma do Direito, os adjetivos legítimos, legitimados, ilegítimos, incestuosos, adulterinos, naturais, espúrios e adotivos.

O efeito jurídico da filiação é conseqüência natural da procriação. Não mais acontecerá de aqueles que biologicamente eram filhos não mais serem juridicamente considerados como tais. À filiação civil, que é aquele resultante da adoção, deu-se o mesmo status de filho de sangue, inclusive para efeitos sucessórios. 149

Nesse sentido, ao apontar como princípio fundamental do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana, fixou o princípio hierarquizador e harmonizador de todo o sistema jurídico, estabelecendo alterações na forma de reconhecimento de quem é filho e seus iguais direitos.

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