• Nenhum resultado encontrado

3 A PRINCIPIOLOGIA DA FAMILIA

3.4 PRINCÍPIO DA LIBERDADE

A liberdade e a igualdade nas relações sociais e econômicas, conquistada pelo liberalismo, na virada do século XVIII para o século XIX, no mundo ocidental, somente há pouco tempo chegaram às relações familiares.124

Até o advento da CRFB/88, o direito de família era rígido e estático, não se admitindo exercício da liberdade de seus membros (a mulher casada era juridicamente dependente do marido e os filhos menores estavam submetidos ao poder paterno), que contrariassem o exclusivo modelo matrimonial e patriarcal. Não havia liberdade para constituir família fora do matrimônio; para dissolver o casamento em caso de insuportabilidade da vida em comum; para a livre aquisição e administração do patrimônio

122

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil: família. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2008. v. 5. p. 27-31.

123 MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade humana. In: MORAES, Maria Celina Bodin

de.(coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro, 2006.1-60. p. 16.

124

PEREIRA, Renata de Lima. O reconhecimento jurídico das entidades familiares afetivas. 2005. 153f. Dissertação (Mestre em Direito) - Universidade Federal Pernambuco, 2005. Disponível em: < http://biblioteca.universia.net/searchKeyWord.do?q=Dignidad%20humana>. Acesso em: 07 out. 2009.

familiar e fixação do domicílio; para constituir estado de filiação fora do matrimônio e até mesmo para o planejamento familiar.125

O princípio da liberdade, necessariamente coligado ao princípio da igualdade, nas relações familiares, diz respeito não apenas à criação ou extinção das sociedades conjugais, mas à sua permanente constituição e reinvenção. Tendo a família se desligado de suas funções tradicionais, não faz sentido que ao Estado interesse regular deveres que afetam profundamente a liberdade, a intimidade e a privacidade dos cônjuges. O exercício igualitário e solidário da conjugalidade, no mundo atual, é algo inteiramente subtraído à interferência legislativa e judicial do Estado, pois destituído de qualquer interesse público.126

A liberdade e a igualdade – correlacionadas entre si – foram os primeiros princípios reconhecidos como direitos humanos fundamentais, integrando a primeira geração de direitos a garantir o respeito à dignidade da pessoa humana. [...] só existe liberdade se houver, em igual proporção e concomitância, igualdade. Inexistindo o pressuposto da igualdade, haverá dominação e sujeição, não liberdade.127

Prevê o art. 1.513 do CC/2002 que: "É defeso a qualquer pessoa de direito público ou direito privado interferir na comunhão de vida instituída pela família". Trata-se da consagração do princípio da liberdade ou da não-intervenção na ótica do Direito de Família.128

O princípio da liberdade individual se consubstancia, hoje, numa perspectiva de privacidade, de intimidade, de livre exercício da vida privada. Liberdade significa, cada vez mais, poder realizar, sem interferências de qualquer gênero, as próprias escolhas individuais, mais, o próprio projeto de vida, exercendo-o como melhor convier.129

O princípio em questão mantém relação direta com o princípio da autonomia privada, que também deve existir no âmbito do Direito de Família. Ela não existe apenas em sede contratual. A autonomia privada é conceituada por Daniel Sarmento como:

[...] o poder do sujeito de auto-regulamentar seus próprios interesses, de ‗autogoverno de uma esfera jurídica‘, e tem como matriz a concepção de ser humano

125 LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 120.

126 LÔBO, Paulo Luiz Netto. As vicissitudes da igualdade e dos deveres conjugais no direito brasileiro. In:

DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. Questões controvertidas no direito de família e das

sucessões. Série Grandes Temas de Direiro Privado. São Paulo: Método, 2005. v. 3. p-51-62. p. 56.

127 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007. p. 60.

128 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil: família. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo:

Método, 2008. v. 5. p. 34.

129 MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade humana. In: MORAES, Maria Celina Bodin

como agente moral, dotado de razão, capaz de decidir o que é bom ou ruim para si, e que deve ter liberdade para guiar-se de acordo com estas escolhas [...]. Ela importa o reconhecimento que cabe a cada pessoa, e não ao Estado ou a qualquer outra instituição pública ou privada, o poder de decidir os rumos de sua própria vida, desde que isto não implique em lesão a direitos alheios.130

Em sentido lato, a autonomia privada passa a ser o espaço de liberdade facultado a cada um dentro da ordem jurídica e, em sentido strito, como o poder atribuído à pessoa para entrar em relações privadas e escolher a maneira de criação de normas nessas situações. Pode ser compreendida sob os seguintes aspectos: a) como poder de criar, modificar ou extinguir relações jurídicas privadas; b) como princípio informador do sistema, isto é, como princípio aberto que reflete idéia diretriz ou justificadora da configuração do funcionamento do próprio sistema jurídico; c) como cânone interpretativo, porquanto aponta razões para o caminho a ser seguido na pesquisa do sentido e no alcance da norma jurídica; d) como concretização do princípio da dignidade humana, que determina que cada um escolha seu destino em busca da felicidade e seja responsável por suas escolhas.131

Quando escolhemos com quem ficar, com quem namorar, com quem noivar, com quem ter uma união estável ou com quem casar, estamos falando em autonomia privada.132

O princípio da liberdade se faz presente em diversas fases da vida das pessoas: na escolha da unidade familiar, bem como na sua extinção; na escolha do regime de bens, por intermédio do pacto antenupcial e na sua posterior alteração (arts. 1.639, caput e § 2º, e 1.640, Parágrafo único, todos do CC/2002) ou ainda, no contrato de convivência; no planejamento familiar (art. 226, § 7º, da CRFB/88); na educação da prole; na administração dos bens de família; nos direitos da criança e do adolescente (arts. 3º, 15, 16 e 45, § 2º, todos do ECA – Lei nº 8.069/90, art. 1.614 do CC/2002 e 227 da CRFB/88), entre outros.133

130

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 188.

131 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 6. ed. rev., atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 345. 132 OLIVEIRA, Euclides de. A escalada do afeto no direito de família: ficar, namorar, conviver, casar. In:

PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.). Família e Dignidade Humana: Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 315-346. p. 316.

133 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Documentos relacionados