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A (im)possibilidade da subsunção do conceito de família ao concubinato

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RITA DE CÁSSIA D’ÁVILA DODL E SOUZA

A (IM)POSSIBILIDADE DA SUBSUNÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO CONCUBINATO

Palhoça 2009

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A (IM)POSSIBILIDADE DA SUBSUNÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO CONCUBINATO

Monografia apresentada ao Curso de graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Patrícia Fontanella, MSc.

Palhoça 2009

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RITA DE CÁSSIA D’ÁVILA DODL E SOUZA

A (IM)POSSIBILIDADE DA SUBSUNÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO CONCUBINATO

Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovada em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça, de novembro de 2009.

______________________________________________________ Professora e Orientadora Profª. Patrícia Fontanella, MSc.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Profª. Thais Rosa

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Profª. Simone Born de Oliveira, MSc.

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TERMO DE INSENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

A (IM)POSSIBILIDADE DE SUBSUNÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO CONCUBINATO

Declaro para os devidos fins de direito e que se fizerem necessários, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta monografia.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente, em caso de plágio comprovado no trabalho monográfico.

Palhoça (SC), 11 de novembro de 2009

(5)

Ao meu marido Salk, amor da minha vida toda. Em 30 anos de convivência, mostrou-me que os sonhos são possíveis. Aos nossos queridos filhos, Natália e Lucas que com carinho e paciência fizeram possível este momento.

(6)

AGRADECIMENTOS

Este trabalho versa sobre família, que conseqüentemente nos remete a pensar em afeto, carinho, atenção, paciência, solidariedade. Portanto, não posso deixar de agradecer as pessoas que de uma forma ou de outra, me presentearam com a afeição e amor necessários para que aqui eu chegasse.

Primeiramente, para Salk, Natália e Lucas que desde o princípio, lá em 2004, quando juntos fomos conhecer a Universidade onde eu estudaria, ajudaram-me a contornar as dúvidas e inseguranças e deram-me, sempre, apoio em forma de carinho, paciência, incentivo e muito, muito amor. Obrigada meus amores.

O agradecimento não menos importante aos meus pais Carlos Augusto e Maria do Carmo, irmãos: Yvonne, Hugo, Marcelo e Luciano, cunhados, Paulo e Amauri e cunhadas Kátia, Sônia e Dângela, tios e sobrinhos que torceram e acreditaram em mim o tempo todo.

À Professora Patrícia Fontanella, que me guiou com maestria na orientação deste trabalho, com paciência, dedicação e vasto conhecimento que demonstram o amor que tem pela vida e pela profissão que escolheu.

Também agradeço à Professora Simone Born de Oliveira, amiga e mestra com quem, desde as primeiras fases do curso, pude contar como inspiração e exemplo a seguir. Na pessoa dela, estendo os agradecimentos a todos os professores que tive durante o curso de Graduação que, com certeza, marcarão a minha vida para sempre.

Seria imperdoável não agradecer expressamente as minhas insuperáveis, maravilhosas, pacientes, divertidas e inesquecíveis irmãs do coração: Cláudia Brodt, Jaroslana Bosse, Maria Helena Martins e Leonida Gomes. Sem vocês, nem pensar!

E por último, e nem por isso menos importante, a Deus que operou em mim, maravilhas!

(7)

As perguntas específicas devem receber respostas específicas; e se a série de crises que temos vivido desde o início do século XX pode nos ensinar alguma coisa é, penso, o simples fato de que não há padrões, nem regras gerais a que subordinar os casos específicos com algum grau de certeza. (HANNAH ARENT).

(8)

RESUMO

O presente estudo pretende trazer à baila reflexões e entendimentos jurídicos das famílias brasileiras atuais, notadamente aquelas postas à margem da tutela estatal: as famílias paralelas. Nem os motivos religiosos, nem os de cunho moral, a rechaça da sociedade ou ainda, a omissão do direito, foram capazes de coibir o surgimento de relações familiares simultâneas ao casamento ou à união estável. Ao contrário, o paradoxo entre a exclusão de proteção jurídica legal e a realidade pátria engendrou numerosos processos no judiciário, revelando que a resistência legislativa é um mecanismo frágil, para extinguir uma realidade sócio-afetiva que aflora freqüentemente na sociedade. A despeito disso, partindo da compreensão de família como formação humana em que reinam a afetividade, a publicidade e a estabilidade; tendo em vistas os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade e da solidariedade e ainda, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, caput, não repetiu, como fizeram suas precedentes, a norma geral de exclusão de outros arranjos familiares não decorrentes do casamento; instaura-se um novo horizonte para o direito de família. Nessa esteira, este trabalho vem demonstrar que o concubinato adulterino é uma entidade familiar passível de proteção estatal. Não cabe ao Estado, por meio de um princípio, dito ordenador do sistema, como a monogamia, determinar qual espécie de família merece seu selo de legitimidade. Este princípio, que nem é tratado por todos os doutrinadores como princípio, sofreu relativizações como a dissolução do matrimonio, a igualdade entre todos os filhos e o instituto da união estável putativa. Atualmente, alguns entendimentos já têm se manifestado de forma positiva quanto ao problema, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. No entanto, mais discussões são necessárias para que qualquer forma de preconceito seja afastada e as decisões do judiciário correspondam aos anseios dos que amam sem preconceitos.

(9)

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Famílias, e sua respectiva distribuição percentual, por tipo, segundo as grandes regiões do Brasil – 2003 ... 66 Tabela 2 – Parcerias casuais de quem vive com companheiros no último ano (em %) ... 69

(10)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 11

2 FAMÍLIA: DO TER AO SER ... 13

2.1 BREVE DIGRESSÃO HISTÓRICA ... 14

2.2 EVOLUÇÃO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ... 16

2.3 A FAMÍLIA NA PÓS-MODERNIDADE: A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A RUPTURA DO MODELO FAMILIAR NO BRASIL ... 19

2.3.1 As “novas” entidades familiares ... 21

2.3.1.1 Matrimonial ... 22

2.3.1.2 União estável ... 23

2.3.1.3 Monoparental ... 26

2.3.1.4 Pluriparental ou reconstituída ... 27

2.3.1.5 Homoafetivas ... 27

2.3.1.5 Paralelas – União estável plurima ou famílias simultâneas... 28

2.3.1 A família enquanto LAR – Lugar de Afeto e Respeito ... 30

2.4 O CONCUBINATO E A UNIÃO ESTAVEL: DISSIMILITUDES ... 32

3 A PRINCIPIOLOGIA DA FAMILIA ... 38

3.1 PRINCÍPIOS: DIFERENCIAÇOES NECESSÁRIAS ... 38

3.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O DIREITO DE FAMÍLIA ... 40

3.3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 41

3.4 PRINCÍPIO DA LIBERDADE ... 44

3.5 PRINCÍPIO DA IGUALDADE ... 47

3.5.1 Igualdade das entidades familiares ... 48

3.5.2 Igualdade entre cônjuges e companheiros ... 49

3.5.3 Igualdade entre os filhos ... 51

3.6 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR ... 52

3.7 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE ... 54

3.8 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ ... 56

3.7 MONOGAMIA ... 61

4 SUBSUNÇÃO DO CONCEITO DE FAMÍLIA AO CONCUBINATO ... ERRO!

(11)

4.1 FÁMILIA: CONCEITO ATUAL...65

4.2 O CONCUBINATO E A FAMÍLIA ...68

4.3 UM "CASO" E TRÊS POSICIONAMENTOS ...73

4.1.1 Primeiro posicionamento: a sociedade de fato ...74

4.1.2 Segundo posicionamento: a sociedade putativa...79

4.1.3 Terceiro posicionamento: união estável plúrima ou família simultânea ...83

5 CONCLUSÃO ... 89

(12)

1 INTRODUÇÃO

O assunto a ser tratado é tema do Direito de Família. Em síntese, a família e as diferentes possibilidades de sua configuração, notadamente aquelas que são excluídas da tutela estatal: as famílias paralelas – o concubinato.

Os operadores do direito, doutrinadores e estudiosos, consultados durante o estudo, são quase uníssonos em iniciar seus trabalhos com a constatação de que ―o conceito, a compreensão e a extensão de família são os que mais se alteraram no curso dos tempos.‖ 1

Os relacionamentos estáveis existentes entre homem e mulher fora do casamento nunca passaram despercebidos pela sociedade. Entretanto, a forma de tratamento dispensado a essas relações evoluiu ao longo dos anos. A prova disto é o reconhecimento outorgado pelo Direito a algumas destas entidades, chegando até a conceder a mesma proteção estatal outorgada ao casamento (art. 226, § 3º, da Constituição Federal).

No entanto, a doutrina ainda distingue ligações afetivas livres, eventuais, transitórias e adulterinas, com o fim de afastar a identificação da união como estável e, assim, negar qualquer conseqüência as famílias paralelas. As uniões estáveis dúplices são consideradas relações desprovidas de efeitos positivos na esfera jurídica.

Tudo porque o concubinato tem o condão de envolver uma discussão da mais alta indagação, por despertar as paixões pelo debate, uma vez que em volta deste, estão em pauta os assuntos mais simples relacionados ao campo da ética, da moral, da religião e do Direito.

O panorama de total exclusão começou a sofrer alterações, e alguns entendimentos doutrinários e jurisprudências prestaram atenção à situação em que a mantença de dois relacionamentos gerava total irresponsabilidade e, muitas vezes, o enriquecimento injustificado do infiel que continuava com a titularidade patrimonial e se exonerava da obrigação de sustento para quem lhe dedicou a vida, tudo isso sob a chancela do Estado.

Essa mudança despertou o interesse da pesquisadora, que ao ter contato com as primeiras decisões nesse sentido, ficou espantada, no primeiro momento, em como o Direto encontrava soluções para situações aparentemente contra legem.

Como futura operadora do direito, buscou, com o presente estudo, conhecer o caminho trilhado por doutrinadores e magistrados que a despeito de suas convicções pessoais e de se encontrarem inseridos no mesmo meio cultural que influenciou e gerou a ―verdade‖

1

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. Coleção direito civil. v.6. p.17.

(13)

sobre o que é família e o que é moralmente aceitável nesse campo, conseguem transcender ao que está posto e ver além, ver o outro, aquele outro ser humano que embora um igual, vive situação de exclusão e menor dignidade .

Após essas palavras sobre a realidade sócio-familiar, diga-se que o objetivo desta monografia é analisar as relações afetivas entre homens e mulheres impedidos de casar e verificar a possibilidade da subsunção do concubinato ao conceito de família.

Dentro da classificação das entidades familiares, será estudado o concubinato adulterino, diferenciando-o da união estável e situando-o como fato gerador de posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários quanto aos limites dos institutos do direito de Família à luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da solidariedade entre outros que atuam na limitação desses institutos. A grande questão a ser enfrentada é: o concubinato adulterino pode ser entendido como uma entidade familiar com todos os direitos e deveres a ela inerentes?

O trabalho está organizado em cinco partes. Depois da introdução, que situa o tema, o capítulo dois abordará a evolução do conceito de família, alguns aspectos da sua trajetória histórica, alguns tipos de família, assim entendidos pela doutrina pesquisada e as diferenças entre concubinato e união estável. No capítulo três, será enfocado a principiologia do Direito de Família, procurando abordar os principais princípios que regem este agrupamento humano. O capítulo quatro demonstrará como se apresenta, na atualidade, a família brasileira, a realidade das famílias simultâneas frente ao judiciário e, por meio de um caso hipotético, apresentar os três posicionamentos doutrinários e jurisprudências sobre a família simultânea. Por fim, algumas conclusões relevantes para este trabalho.

A pesquisa realizada é exploratória, pois envolve levantamento bibliográfico, jurisprudencial e legislativo. A pesquisa bibliográfica será desenvolvida com base em material já elaborado, como livros e artigos científicos e as técnicas utilizadas para a coleta de dados foram: leitura e pesquisa na Internet. O método de abordagem desenvolvido será o dedutivo que parte de teorias e leis gerais para a ocorrência de fenômenos particulares.

Espera-se que este trabalho seja útil para o entendimento de questão tão cercada de preconceitos e exclusões e ajude ao leitor e a sociedade, de que ele faz parte, a incutir a idéia de que o não aceitável, o considerado por alguns imoral, não é invisível. E o que é observado e ponderado pelo meio social, é o deve ser, conseqüentemente apreciado, de forma imparcial pela Justiça.

(14)

2 A FAMÍLIA: DO TER AO SER

O modelo familiar, antes tradicional, de um homem e uma mulher unidos pelo matrimônio e cercados de filhos, é uma realidade que mudou. A adaptação às transformações dos costumes em decorrência das novas conquistas da humanidade, descobertas científicas e tecnológicas, alteraram antigos conceitos e princípios – culturais, morais e religiosos -, herdados no histórico de sua evolução que refletiram diretamente na constituição da família.

Para Gisele Câmara Groeninga:

Não são poucas as modificações pelas quais a sociedade tem passado nos últimos tempos, sobretudo a partir da segunda metade do último século. Em consonância com os tempos atuais de mudanças de paradigmas caracterizados pela globalização, facilidade e rapidez nas comunicações, maior liberdade e pluralidade de formas de relações, de menor interferência do Estado na família e de dissociação entre sexo, casamento e procriação, as famílias têm se constituído de formas antes impensadas.2

Para estudar-se o desenvolvimento da família, não só o aspecto jurídico deve ser analisado, mas também deve ser objeto de estudo o aspecto sociológico e o psicológico de sua formação3 - a metodologia interdisciplinar - que permite um olhar sobre a complexidade das relações em suas diversas formas.

Para uma compreensão que ultrapasse a ótica unidisciplinar se faz necessário o aporte de outras disciplinas. [...] O resultado da interdisciplina é, além de uma visão mais ampla do fenômeno objeto de estudo, maior acuidade no enfoque aportado por cada disciplina. A metodologia interdisciplinar, com algumas contribuições de outras disciplinas, visa um maior embasamento e tem como resultado a aproximação do direito de Família ao seu objeto de estudo.4

Passa-se, assim, à análise dessa travessia histórica para se compreender a família de acordo com os movimentos que constituem as relações jurídicas, sociais e psicológicas, ao longo do tempo e, também, a soma dos fatores legados pelas experiências antepassadas.

2 GROENINGA, Gisele Câmara. Generalidades do Direito de Família. Evolução Histórica da Família e Formas

atuais de Constituição. In: BARBOSA, Águida Arruda; VIEIRA, Cláudia Stein (coord.). Direito de família. Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 7. p. 12-45. p. 32.

3 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 2.ed. ver. atual. ampl. Belo

Horizonte: Del Rey, 2003.

4

GROENINGA, Gisele Câmara. Generalidades do Direito de Família. Evolução Histórica da Família e Formas atuais de Constituição. In: BARBOSA, Águida Arruda; VIEIRA, Cláudia Stein (coord.). Direito de família. Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 7. p. 12-45. p. 20.

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2.1 BREVE DIGRESSÃO HISTÓRICA

A família, como núcleo básico da sociedade5, representa o resultado da inter-relação dos homens, sendo que adquire um formato compatível com os anseios de cada época.

As primeiras organizações sociais, formadas por pessoas em busca de proteção e alimento, se congregavam em bandos ou clãs. A família não se constituía, necessariamente, na associação de indivíduos com vínculos consangüíneos ou sócio-afetivos.

Enquanto nômades e vivendo da caça e da coleta, os grupos formados não viviam as relações individuais.6

[...] A força estava no bando e o importante era a sua coesão e não sua difusão. Não havia dono de alimentos, nem dono de terras e tampouco de armas. Tudo era igualmente dividido e tudo era de todos [...] Por não possuírem a terra nem o que dela retiravam, a idéia de posse era, então, inconcebível.7

Os povos primitivos que se fixaram a terra (sociedades agrícolas) passaram a plantar, criar e estocar. Os homens foram aglutinando-se e estabelecendo-se em determinadas áreas. O fator geográfico ganhou importância. Surge então, a necessidade de defender-se de assaltos e de guerras por posse de terras mais produtivas e subsistir em tempos de escassez. A importância da terra para a sobrevivência das coletividades humanas foi o que justificou o aumento de preocupação em se manter a propriedade de território ocupado entre os membros do grupo. Precisaram, entre outras coisas, de formas mais substanciais de realizar acordos com outros clãs e nesse contexto é que surge o casamento com o sentido que tem hoje – formar alianças.8

Nas civilizações Greco-Romanas, a família passa a ser dominada pelo poder político e religioso, que lhe impôs regras, redesenhando um novo formato.9

A religião foi razão primeira da constituição da família antiga e, segundo Fustel de Coulanges:

5 Declaração Universal dos direitos do Homem, XVI 3. Disponível em:

<http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 20 jul 2009.

6 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. Coleção direito civil;

v.6. p.17.

7 AMENO, Argenita. A função social dos amantes: na preservação do casamento monogâmico 3. ed. Belo

Horizonte: Autêntica, 1999. p. 23.

8 AMENO, Argenita. A função social dos amantes: na preservação do casamento monogâmico 3. ed. Belo

Horizonte: Autêntica, 1999. p. 21.

9 PENA JÚNIOR, Moacir César. Direito das pessoas e das famílias: doutrina e jurisprudência. São Paulo:

(16)

O princípio da família não reside, tampouco, na afeição natural, visto que o direito grego e o direito romano não consideravam de modo algum esse sentimento. Pode existir no âmago do coração, porém nada dele existe no direito. O pai podia amar a filha com ternura, contudo não podia legar-lhe seus bens. [...]

O que uniu os membros da família antiga foi algo mais poderoso que o nascimento, que o sentimento e que a força física: foi a religião do fogo doméstico e dos ancestrais, a qual fez com que a família formasse um corpo nesta e na outra vida.10

Surge daí o casamento como instituição estabelecida pela religião. Os filhos perpetuavam os cultos aos antepassados para a família, entendida então como ―um grupo de pessoas sob o mesmo lar, que invoca os mesmos antepassados‖ 11 e este filho deveria advir do casamento religioso.

Nessa configuração, a família era patriarcal, detendo o pai de família o poder de vida e de morte sobre os filhos. A mulher era totalmente subordinada à autoridade marital.

[...] A família era, então, simultaneamente, uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional. O ascendente comum vivo mais velho era, ao mesmo tempo chefe político, sacerdote e juiz. Comandava, oficiava o culto dos deuses domésticos e distribuía justiça. Havia inicialmente, um patrimônio familiar, administrado pelo

pater. [...] Com o tempo, a severidade das regras foi atenuada, conhecendo os

romanos o casamento sine manu, sendo que as necessidades militares estipularam a criação de patrimônio independente para os filhos.12

Dentro dessa ótica, surge a matrimonialização e a patrimonialização das relações sexuais, consistindo estas em adaptações introduzidas no ambiente familiar com o escopo de garantir a hereditariedade – aqui entendida como a certificação da procedência dos filhos concebidos pelas mulheres integrantes da família – e a manutenção dos territórios ocupados.

Importante salientar que houve uma mudança, nessa fase, do caráter religioso para uma feição biológica, contudo, sem que os laços afetivos sejam relevantes juridicamente.13

Com o surgimento do Cristianismo e as preocupações de ordem moral que se inseriram na concepção da família (agora reduzida e pais e sua prole), a autoridade patriarcal foi sendo restringida e passada, em certa medida, à mulher e aos filhos. Retorna o caráter religioso da família que passa a ser ―a célula básica da Igreja‖.14

10

COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia e de Roma. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 1998. p. 40.

11 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 2. ed. ver. atual. ampl. Belo

Horizonte: Del Rey, 2003. p. 18.

12

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 15.

13 FARIAS, Cristiano Chaves de. A separação judicial à luz do garantismo constitucional: a afirmação da

dignidade humana como um réquiem para a culpa na dissolução do casamento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 7.

14 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. Coleção direito

(17)

Na família regida pelo direito canônico, surgida na Idade Média, o matrimônio não é apenas um acordo de vontades, mas também um sacramento, indissolúvel, portanto.15 Sob essa égide, que regulou a família até o século XVIII, normas foram impostas aos membros da família, ―inspiradas na vontade de Deus ou na vontade do monarca‖ e estavam sujeitas a penalidades rigorosas.16

A condenação final do concubinato surgiu no Concílio de Trento (1563), que tornou obrigatória a celebração formal do casamento, na presença do padre e testemunhas, com registro escrito. Os concubinos passavam a ser apenados com excomunhão se, depois de serem advertidos por três vezes, ainda persistissem no relacionamento informal. Tal postura espelhava a reação contra a reforma Protestante, que então ameaçava o poder da Igreja. Por isso foi reforçada a noção do casamento como um dos sete sacramentos, e assim indissolúvel, o que teve forte influência sobre o Código de Napoleão (1804) e, por reflexo, nos Códigos Civis modernos.17

Em virtude disso, os canonistas opuseram-se ao divórcio, considerando-o um instituto contrário à própria índole da família que visava à procriação e criação dos filhos.18

2.2 EVOLUÇÃO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

São na origem e evolução histórica da família patriarcal e do valor da propriedade que foram assentadas as bases da legislação sobre a família no Brasil. As relações familiares eram regidas, de início, pelas ordenações portuguesas.

O controle da família resultou de arranjo político histórico entre o Reino de Portugal e a então poderosa Igreja Católica romana, definindo-se os âmbitos do poder. A interferência da religião na vida privada foi marcante na formação do homem brasileiro, repercutindo na dificuldade até hoje sentida da definição do que é privado e do que é público, da confusão entre o jardim e a praça, do sentimento generalizado de que a coisa pública e as funções públicas seriam extensão do espaço familiar ou patrimônio expandido da família.19

15

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 16.

16 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. Coleção direito

civil; v.6. p.22-23.

17

SANTOS, Luiz Felipe Brasil.União estável, concubinato e sociedade de fato: uma distinção necessária. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo. Questões controvertidas no direito de família e das

sucessões. Série Grandes Temas de Direiro Privado. São Paulo: Método, 2005. v. 3. p-225-237.

18 WALD, Arnoldo. O Novo direito de família. 15. ed. rev. atual. e ampl. pelo autor, de acordo com a

jurisprudência e com o novo Código Civil.(Lei n. 10.406 de 10-01-2002), com colaboração da Profª Priscila M.P. Corrêa da Fonseca. São Paulo: Saraiva, 2004. p.12.

(18)

Os códigos elaborados a partir do século XIX dedicaram normas sobre a família, e, o Estado já declarado laico, mantém os dogmas da Igreja incorporados à legislação.

O Estado, não sem muita resistência, absorve da Igreja a regulamentação da família e do casamento, no momento em que esta não mais interfere na direção daquele. [...] Manteve-se a indissolubilidade do vínculo do casamento e a capitis deminutio, incapacidade relativa, da mulher, bem como a distinção legal de filiação legítima e ilegítima.20

A proclamação da República teve como corolário a desvinculação da Igreja em relação ao Estado. A primeira Constituição republicana21, no seu art. 72, § 4º, esclareceu que só reconhecia o ―casamento civil, cuja celebração será gratuita‖.

No âmbito constitucional, as entidades familiares só passaram a receber explícita tutela do Estado a partir da Constituição Federal de 193422, que destinou todo um capítulo à família. Em seu art. 144, afirmava que ―a família constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.‖

O Código Civil de 1916 (CC/1916)23 e as leis posteriores, vigentes no século passado, regulavam a família constituída unicamente pelo casamento, livre de impedimentos e cumpridas as formalidades legais. A regra era ―até que a morte nos separe‖, admitindo-se o sacrifício da felicidade pessoal dos membros da família, em nome da manutenção do vínculo de casamento. ―As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos‖.24 As uniões surgidas à margem do matrimônio eram identificadas com o nome de concubinato.

A Lei nº 883/194925 permitiu o reconhecimento dos filhos ilegítimos e conferiu-lhes direitos até então vedados, mas ainda não se cogitava em igualdade entre os filhos legítimos e ilegítimos.

20 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. Coleção direito civil; v.6. p. 28.

21 BRASIL, Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Senado Federal, 1891. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui% C3%A7ao914.htm>. Acesso em: 21 out. 2009.

22 BRASIL, Constituição (1949). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Senado Federal, 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui% C3%A7ao34.htm>. Acesso em: 21 out. 2009.

23 BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil. Disponível em: <http://www3.dataprev.gov.br/SISLEX/paginas/11/1916/3071.htm>. Acesso em: 21 out. 2009.

24 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 30.

25

BRASIL. Lei nº 883, de 21 de outubro de 1949. Dispõe sobre o reconhecimento de filhos ilegítimos. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=106903>. Acesso em: 21 out. 2009.

(19)

Prestigiava o legislador o vínculo biológico, afastado o laço afetivo, como se pode inferir, por exemplo, da vedação de direitos hereditários ao filho adotivo. Negava-se, assim, qualquer influência jurídica decorrente do afeto, até porque o paradigma do Código Civil era a tutela do patrimônio. [...] Mais ainda, compreendia-se a família como unidade de produção e de reprodução, realçados os laços patrimoniais. As pessoas se uniam em famílias com vistas à formação de patrimônio, para sua posterior transmissão aos herdeiros, pouco importando os laços afetivos.26

O Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/1962)27 e a posterior instituição do divórcio (EC nº 9/197728 e Lei nº 6.515/197729) foram alterações importantes e resultantes da evolução pela qual estava passando a família que tiveram que suplantar ―barreiras de natureza ideológica, sociológica, política, religiosa e econômica‖.30

O surgimento de novos paradigmas – quer pela emancipação da mulher, quer pela descoberta dos métodos contraceptivos e pela evolução da engenharia genética – dissociaram os conceitos de casamento, sexo e reprodução. O moderno enfoque dado à família pelo direito volta-se muito mais à identificação do vínculo afetivo que enlaça seus integrantes.31

Cabe ressaltar, contudo, que entre o Estatuto da Mulher Casada e a Lei do Divórcio, em 1964, Superior Tribunal Federal (STF), para atender as necessidades de solução jurídica às uniões extramatrimoniais, editou a Súmula nº 38032, com o seguinte teor: ―Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.‖ Simultaneamente editou, ainda, a Súmula nº 38233 , in verbis: ―A vida em comum sob o mesmo teto ‗more uxório‘, não é indispensável à caracterização do concubinato‖.

26 FARIAS, Cristiano Chaves de. A separação judicial à luz do garantismo constitucional: a afirmação da

dignidade humana como um réquiem para a culpa na dissolução do casamento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 10

27

BRASIL. Lei nº 4.121, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre a situação jurídica da mulher casada. Disponível em: <http://www3.dataprev.gov.br/SISLEX/paginas/42/1962/4121.htm>. Acesso em 21: out. 2009

28 BRASIL. Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977. Dá nova redação ao § 1º do artigo 175 da

Constituição Federal. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/103919/emenda-constitucional-9-77>. Acesso em: 21 out. 2009.

29 BRASIL. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do

casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6515.htm>. Acesso em: 21 out. 2009.

30 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. Coleção direito

civil; v.6. p.29

31 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007. p. 30.

32 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Súmula 380. Disponível em:

<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=237.6957>. Acesso em: 17 out. 2009.

33

BRASIL. Superior Tribunal Federal. Súmula nº 382. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=237.6957>. Acesso em: 17 out. 2009.

(20)

Ao longo do século XX, até a Constituição de 1988, houve a progressiva redução do quantum despótico no direito de família brasileiro, ou das desigualdades que ele consagrava. A família patriarcal perdeu gradativamente sua consistência, na medida em que feneciam seus sustentáculos, a saber, o poder marital, o pátrio poder, a desigualdade entre os filhos, a exclusividade do matrimônio e o requisito de legitimidade.34

A realidade social já demonstrava que havia uniões sólidas, duradouras e notórias sem que o casal residisse sob o mesmo teto, porém permanecia a vedação às entidades não matrimonializadas e restavam normas que favoreciam o tratamento desigual entre marido e mulher e entre os filhos.

2.3 A FAMÍLIA NA PÓS-MODERNIDADE: A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A RUPTURA DO MODELO FAMILIAR NO BRASIL

Conforme demonstrado, a família tende a se moldar à realidade social de cada época. Com a imposição legal da igualdade entre os homens e mulheres, bem como em virtude da valorização da pessoa humana, promoveram-se modificações no modelo familiar herdado de Roma.

[...] a sociedade avançou, passaram a viger novos valores e o desenvolvimento científico atingiu limites nunca antes imaginados, admitindo-se, exempli gracia, a concepção artificial do ser humano, sem a presença do elemento sexual. Nessa perspectiva, ganhou evidência a preocupação necessária com a proteção da pessoa humana. Assim, ocupa-se a ciência jurídica em tutelar o ser, garantindo proteção avançada do homem, sobrepujando o ter. 35 (grifo do autor).

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88)36 adota os valores consagrados pela sociedade contemporânea.

Raras vezes uma constituição consegue produzir tão significativas transformações na sociedade e na própria vida das pessoas como fez a atual Constituição Federal. [...]. O constituinte de 1988 consagrou, como dogma fundamental, antecedendo a todos

34 LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 23.

35 FARIAS, Cristiano Chaves de. A separação judicial à luz do garantismo constitucional: a afirmação da

dignidade humana como um réquiem para a culpa na dissolução do casamento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 10-11.

36 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado Federal,

(21)

os princípios, a dignidade da pessoa humana (CF 1º, III), impedindo assim a superposição de qualquer instituição à tutela de seus integrantes.37

A nova Carta Magna ao erigir a dignidade humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, provocou uma verdadeira revolução paradigmática nas relações familiares uma vez que deslocou o eixo da proteção das instituições, para os sujeitos, alterando não apenas o conceito de família, mas sua estrutura, seus valores e suas intricadas relações de poder.38 Não o fez só porque a família constitui uma unidade de produção e reprodução de valores sociais, e sim por ser a célula primeira a abrigar o indivíduo.

Dessa forma, a Constituição abdicou do reconhecimento exclusivo do casamento como entidade familiar, o que significou o abandono de valores que justificavam normas de exclusão, passando a valorizar o elemento comum a todas as entidades, ou seja, a afetividade, necessária para a realização pessoal de seus integrantes.39

No caput do art. 226 operou-se a mais radical transformação, no tocante ao âmbito de vigência da tutela constitucional à família. Não há qualquer referência a determinado tipo de família, como ocorreu com as Constituições brasileiras anteriores. Ao suprimir a locução ‗constituída pelo casamento‘ (art. 175 da Constituição de 1967-69), sem substituí-la por qualquer outra, pôs sob a tutela constitucional ‗a família‘, ou seja, qualquer família constituída socialmente. A cláusula de exclusão desapareceu.40 (grifo do autor).

Este novo período vivenciado nos dias atuais, que ―resulta da prática da vida dos homens modificada pelos novos ares‖ 41, que muda as pessoas e conseqüentemente muda as artes ciência, religião, moralidade, educação, política, economia, os grupamentos sociais e a vida em família, inaugurou a era da pós-modernidade42. O termo ―novo‖ ainda bastante discutido quanto à abrangência do seu significado, para Gisela Maria Fernandes Novaes Hironaka, tem como seu traço mais consentâneo com a contemporaneidade o fato de permitir ―a cada um de nós a chance de descobrir outra maneira de ver o mundo e de se ver no

37 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007. p. 38-39.

38 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007. p. 38-40.

39 LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 62. 40

LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 60.

41 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. A incessante travessia dos tempos e a renovação dos

paradigmas: a família, seu status e seu enquadramento na pós-modernidade. In: BASTOS, Eliene Ferreira; DIAS, Maria Berenice. (Coords). A família além dos mitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 49-65 p. 52.

42

FARIAS, Cristiano Chaves de. A separação judicial à luz do garantismo constitucional: a afirmação da dignidade humana como um réquiem para a culpa na dissolução do casamento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 13.

(22)

mundo‖.43

Para Jean-Francois Lyotard, um dos mais importantes pensadores sobre a pós-modernidade, citado pela mesma autora, a pós-modernidade seria principalmente definida pelo ―rompimento com as antigas verdades absolutas, como o marxismo e o liberalismo, todas elas legítimas representantes da anterior era, a qual se convencionou denominar ‗modernidade‘‖.44

Ou seja, os grandes esquemas explicativos caíram em descrédito e não há mais garantias, posto que mesmo a ciência já não pode ser considerada como a fonte da verdade.

Com tantas e profundas mudanças, o olhar sobre a família tende a mudar. Todos os avanços tecnológicos, científicos e culturais decorrentes destes novos ―ares‖, eliminam as fronteiras arquitetadas pelo sistema jurídico-social clássico e descortina uma nova família que traz consigo necessidades universais e que é elemento de garantia do homem na força de sua propulsão ao futuro.45

2.3.1 As “novas” entidades familiares

Há uma nova concepção de família que se constrói nestes tempos pós-modernos. Vive-se uma nova configuração familiar, de diferentes matizes, todos sob o manto protetor da atual Constituição da República. O ordenamento constitucional consagrou a definição ampla da família, como base da sociedade, garantindo-lhe proteção especial do Estado, independente do modo pelo qual tenha se originado a união, in verbis:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1 º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2 º O casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

43 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. A incessante travessia dos tempos e a renovação dos

paradigmas: a família, seu status e seu enquadramento na pós-modernidade. In: BASTOS, Eliene Ferreira; DIAS, Maria Berenice. (Coords). A família além dos mitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 49-65 p. 52.

44

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna, 1998 apud HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. A incessante travessia dos tempos e a renovação dos paradigmas: a família, seu status e seu enquadramento na pós-modernidade. In: BASTOS, Eliene Ferreira; DIAS, Maria Berenice (Coords.). A

família além dos mitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 49-65 p. 54. 45

FARIAS, Cristiano Chaves de. A separação judicial à luz do garantismo constitucional: a afirmação da dignidade humana como um réquiem para a culpa na dissolução do casamento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 13.

(23)

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Com base na afirmação preambular da CRFB/88, de que o Estado está destinado a assegurar os direitos individuais, a liberdade, o bem-estar, a igualdade e a justiça, como valores supremos pluralistas e sem preconceitos, não podendo a própria Constituição limitar ou excluir esses direitos, é que se conclui que ―as entidades familiares explicitadas nos parágrafos do art. 226 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargos de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa.‖ 46

Ademais, sobreleva considerar que a norma constitucional deve ser interpretada de forma a que se lhe empreste a maior eficácia possível. Nesse passo, podendo se extrair diferentes sentidos da leitura de determinado dispositivo constitucional, deve prevalecer o que determine maior alcance social, conferindo eficácia ao princípio da dignidade de cada um dos que integram o núcleo família (§ 8º, do art. 226, CF).47

Por esta visão, compartilhada por Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo e Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, entre outros, podem distinguir-se várias formas de constituição da família. Observa-se que a entidade familiar excede os limites da previsão jurídica, que se restringe ao casamento, à união estável e à família monoparental, podendo compreender todo e qualquer agrupamento de pessoas onde permeie o elemento afeto (affectio familiae). São algumas delas:

2.3.1.1 Matrimonial

A transformação dos costumes e a recepção destas mudanças pelo Direito modificaram a concepção de casamento, trazendo o afeto como característica fundamental nas relações familiares, afastando características como a indissolubilidade.48

Entre os diversos conceitos de casamento elaborados pela doutrina, destaca-se o de Caio Mário da Silve Pereira: ―O casamento é a união de duas pessoas de sexo diferentes,

46 LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 61.

47 FARIAS, Cristiano Chaves de. A separação judicial à luz do garantismo constitucional: a afirmação da

dignidade humana como um réquiem para a culpa na dissolução do casamento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 63.

48 CHANAN, Guilherme Giacomelli. As entidades familiares na Constituição Federal. Revista brasileira de direito de família. São Paulo, v. 9, n. 42, p. 45-74, 2007.

(24)

realizando uma integração fisiopsíquica permanente‖.49

Das entidades familiares expressamente reconhecidas na CRFB/88, o casamento é ―regulamentado exaustivamente‖ 50

pelo Estado.

O que peculiariza o casamento é o fato de depender sua constituição de ato jurídico complexo, ou seja, de manifestação e declarações de vontade sucessiva (consensus

facit matrimonium), além da oficialidade de que é revestido, pois sua eficácia

depende de atos estatais (habilitação, celebração, registro público). As demais entidades familiares são constituídas livremente, como fatos sociais aos quais o direito empresta conseqüências jurídicas. Por isso que a prova destas, diferentemente do casamento, localiza-se nos fatos e não em atos.51

Criaram-se inúmeras formalidades, que no entendimento de Maria Berenice Dias:

[...] de pouco ou quase nada vale a vontade dos nubentes. Os direitos e deveres são impostos para vigorarem durante sua vigência e até depois de sua dissolução pelo divórcio e até pela morte. Assim, quase se poderia chamar o casamento de verdadeiro contrato de adesão. [...] Cláusulas, condições, regras e até algumas posturas são prévia e unilateralmente estabelecidas por lei.52 (grifo do autor).

Hoje, o casamento pode ser civil, ou religioso com efeitos civis. Por seu intermédio, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família, a teor do art. 1.511 e seguintes do CC/2002.

2.3.1.2 União estável

Considera-se união estável entre homem e mulher a entidade familiar ―configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família‖. Está é a definição e os requisitos dados pelo art. 1723, do Código

49 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004.v. 5, p.53.

50 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007. p. 43.

51

LÔBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 77.

52 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

(25)

Civil de 2002 (CC/2002)53, ocasião em finalmente foi consolidada a compreensão dessa forma de família em nosso ordenamento jurídico.54

Cabe destacar um aspecto importante, no que diz respeito à caracterização da união estável, já que, a legislação atual não fala em lapso temporal, contentando-se em defini-la como sendo ―duradoura e contínua‖. O legisdefini-lador quis contempdefini-lar a intenção que move o casal em direção à união, tal qual se pode depreender da leitura do art. 1.723. Assim, a união estável está caracterizada pelo animus de constituir família, externada pelo casal e, não por qualquer critério temporal.

Ressalvou o Código Civil, também, que a união estável não se constituirá se existirem impedimentos matrimoniais, ou seja, só se constitui união estável entre pessoas não impedidas de casar, nos exatos termos das condições arroladas no artigo 1.521. Vale salientar que o inciso VI, do mesmo artigo, não impede a união estável de pessoas casadas que estão separadas de fato ou separadas judicialmente.55

Ao estabelecer a união estável nesses moldes, tanto a CRFB/88 quanto o CC/2002, afastaram outros relacionamentos que não se encaixam nos parâmetros legais descritos, tais como: entre pessoas do mesmo sexo (famílias homoafetivas), convivências clandestinas (não públicas – famílias paralelas), aquelas relações que não tenham o caráter de continuidade no decorrer do tempo (uniões simplesmente carnais, passageiras) ou que não revelem o propósito de constituição de família (simples namoro).

Nota-se que: ―[...] a união estável não é igual ao casamento, já que coisas iguais não se convertem uma na outra‖56

e cada um dos institutos segue a sua disciplina própria, de acordo com o previsto no CC/2002.

Em que pese a importância do reconhecimento da união estável como entidade familiar, alguns doutrinadores criticam o excesso de regramento para o relacionamento que se originou justamente como forma de informalizar as relações.

Para Maria Berenice Dias:

Igualmente o Código Civil impõe requisitos para o reconhecimento da união estável, gera deveres e cria direitos aos conviventes. Assegura alimentos, estabelece regime

53 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Codigo Civil. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 21 out. 2009.

54

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 7. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 17.

55 WALD, Arnoldo. O Novo direito de família. 15 ed. rev. atual. e ampl. pelo autor, de acordo com a

jurisprudência e com o novo Código Civil.(Lei n. 10.406 de 10-01-2002), com colaboração da Profª Priscila M.P. Corrêa da Fonseca. São Paulo: Saraiva, 2004. p.247

56 TARTUCE, Fávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil: família. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo:

(26)

de bens e garante ao convivente direitos sucessórios. Aqui também pouco resta a vontade do par, cabendo afirmar que a união estável transformou-se em um

casamento por usucapião, ou seja, o decurso de prazo confere o estado de casado.

[...] A exaustiva regulamentação da união estável a faz objeto de um dirigismo não querido pelos conviventes. Como são relações de caráter provado, cabe questionar a legitimidade de sua publicização coacta.57

Corroborando este entendimento, Rodrigo da Cunha Pereira aduz:

Registre-se, então, e podemos perceber a razão, que todas as tentativas de regulamentação da união estável esbarram em contradições. É que sua essência, seu cerne, é exatamente não querer intervenção do Estado. [...] É o espaço do não- instituído. Pela sua natureza, é algo que quer exatamente fugir às regras, é algo que sempre escapará aos limites das normas jurídicas. [...] Isso não significa de forma alguma ―libertinagem‖ e nem mesmo que o Estado não deva protegê-las. [...] O que o Estado não pode e não deve é interferir na liberdade dos sujeitos de viver relações de natureza diferentes daquelas por ele instituídas e determinadas.58

Conclui-se que, do advento da nova ordem constitucional, estabeleceu-se a igualdade jurídica entre os companheiros, bem como entre os filhos, sem as distinções que o Código Civil de 1916 fazia. Contudo, ao regulamentar à união estável, quase equiparando ao casamento – pelo menos quanto aos deveres – o Estado violou a liberdade de buscar a entidade familiar que melhor realize as necessidades pessoais e patrimoniais do casal, tornando a união estável, nas palavras de Sérgio Resende de Barros, um ―casamento por decurso de prazo ou casamento ex officio‖.59

No tocante a união estável, o CC/2002 estabeleceu a presunção relativa de ser comuns os bens adquiridos na constância do lar convivencial e, remeteu as soluções dos conflitos para as Varas da Família (antes resolvidos na esfera do direito das Obrigações), bem como assegurou, o segredo de justiça. Da mesma forma, equiparou os conviventes ao status de parentes, garantindo-lhes o direito à assistência alimentar, desde que um deles venha a necessitar.

57 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007. p. 45.

58 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 7. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey,

2004. p. 48-49.

59 BARROS, Sérgio Resende de. A ideologia do afeto. Revista brasileira de direito de família. Porto Alegre:

(27)

2.3.1.3 Monoparental

Família monoparental é a definida na Constituição no art. 226, §4º, como sendo a ―comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes‖.

As famílias formadas por um dos pais e seus descendentes organizam-se tanto pela vontade de assumir a maternidade ou paternidade sem a participação do outro genitor, quanto por circunstâncias alheias à vontade humana, entre as quais a morte, a separação, o abandono. O exemplo típico é o das mães solteiras, em que cada vez um número maior de mulheres vive só por opção, mas sem abrir mão da maternidade, até como forma de realização pessoal.60

A inseminação artificial por mulher solteira ou a fecundação homóloga após a morte do marido são outros exemplos. A entidade familiar chefiada por algum parente que não um dos genitores, igualmente, constitui vínculo monoparental. Basta haver diferença de gerações entre um de seus membros e os demais e que não haja relacionamento de ordem sexual entre eles para se ter configurada uma família monoparental.

[...] Quando inexiste essa hierarquia entre gerações e o convívio não dispõe de interesse sexual, o vínculo familiar que se constitui é de outra natureza: chama-se família anaparental. O exemplo é a família constituída pelos irmãos, que surge com a morte dos genitores.61

Tais comportamentos se tornaram tão freqüentes que mereceram a proteção do Estado como entidade familiar que são.

Por força do artigo 227, §6º, da Constituição Federal, também estão incluídos nessa categoria, a mãe ou pai que vive só com seu filho adotivo.

60 PEREIRA, Renata de Lima. O reconhecimento jurídico das entidades familiares afetivas. 2005. 153f.

Dissertação (Mestre em Direito) - Universidade Federal Pernanbuco, 2005. Disponível em: < http://biblioteca.universia.net/searchKeyWord.do?q=Dignidad%20humana>. Acesso em: 07 out. 2009.

61 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

(28)

2.3.1.4 Pluriparental ou reconstituída

Família pluriparental62 ou reconstituída é a entidade familiar que surge com o desfazimento de anteriores vínculos familiares e criação de novos vínculos.

Esmiuçando o conceito, Maria Berenice Dias prossegue:

A especificidade decorre da peculiar organização do núcleo, reconstruído por casais onde um ou ambos são egressos de casamentos ou uniões anteriores. Eles trazem para a nova família seus filhos e, muitas vezes, têm filhos em comum. É a clássica expressão: os meus, os teus, os nossos. 63

Em uma formulação mais sintética, é a família na qual ao menos um dos adultos é um padrasto ou uma madrasta. Nesta categoria entram tanto as novas núpcias de pais viúvos ou mães viúvas como de pais divorciados e de mães divorciadas e pais e mães solteiros ou ainda advindos de uniões estáveis. Alude, assim, não só a reconstituição como o estabelecimento de um novo relacionamento, no qual circulam crianças de um outro precedente.64

Ressalva-se que a legislação brasileira faz referência a este tipo de entidade familiar quando possibilita, no artigo 1.626, parágrafo único do CC/2002, que o companheiro da mãe possa adotar o enteado, desde que com a permissão do pai registral.

2.3.1.5 Homoafetivas65

A lacuna deixada pelo legislador no que tange às relações homoafetivas é incontestável, tendo em vista que a própria Constituição de 1988 garante igualdade entre

62 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007. p. 47.

63 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007. p. 47.

64 GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias reconstituídas: breve introdução ao seu estudo. Paraná Online: Direito e

Justiça. Artigos. Disponível em: < http://www.parana-online.com.br/canal/direito-e-justica/news/155568/ ?noticia=FAMILIAS+RECONSTITUIDAS+BREVE+INTRODUCAO+AO+SEU+ESTEST+I>. Acesso em:

25 ago. 2009.

65 Termo cunhado pela então Desembargadora Maria Berenice Dias - TJRS, que designa as relações afetivas

(29)

todas as pessoas independentemente de sexo. Além disso, se a "família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado" (artigo 226, caput), como justificar tal discriminação imposta a famílias que têm dois homens ou duas mulheres convivendo numa relação afetiva contínua, duradoura, pública e com objetivos comuns?

Por absoluto preconceito a Constituição emprestou, de modo expresso, juridicidade somente às uniões estáveis entre um homem e uma mulher, ainda que em nada se diferencie a convivência homossexual da união estável heterossexual. A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto pode-se deixar de conferir status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição (1º III) consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana.66

Esse silêncio do legislador, além de fruto do preconceito, também se origina no receio de desagradar parte da sociedade que insiste em fingir que a família patriarcal ainda é a única possibilidade de núcleo familiar que merece o amparo do Estado. Verdade é que a Constituição de 1988 foi publicada antes de o homossexualismo ser retirado do CID como patologia.67

O Código Civil de 2002 manteve os requisitos "um homem e uma mulher" para o reconhecimento familiar diante do Estado. Entretanto, com as mudanças ocorridas na mentalidade e no comportamento das pessoas, inclusive formando e assumindo novas formas de núcleos familiares, faz-se necessária uma interpretação analógica e extensiva da lei para que a união estável se estenda a pessoas do mesmo sexo.

2.3.1.6 Paralelas – União estável plúrima ou famílias simultâneas

É a família, tratada pelo direito como concubinato. Na definição do art. 1.727 do CC, é concubinária a relação não eventual entre o homem e a mulher, impedidos de casar.

A conceituação legal de concubinato exclui os casos de relações eventuais, fugazes, que iniciam com o ato de ficar, podendo ou não evoluir para o ―rolo‖, acate o

66 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007. p. 45.

67 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 2.ed. ver. atual. ampl. Belo

(30)

aconchego sexual esporádico (fornicatio simplex), ou compromisso de namoro, caracterizando a situação de amantes, sem a figura típica do ente familiar.68

Comporta reparo a menção do texto legal aos ―impedidos de casar‖, pois não serão concubinos os que se enquadrarem na exceção do art. 1.723, §1º, do CC, ou seja, não constitui relação concubinária a hipótese de que, embora impedido de efetuar novo casamento, a pessoa que esteja separada de fato ou judicialmente, pode formar uma família.

Em razão do termo ―concubinato‖ ser utilizado pela legislação anterior ao CC/2002, hoje ainda há certa confusão entre o concubinato – antes, concubinato impuro: adulterino, incestuoso ou desleal, conforme resulte do adultério, do incesto ou de duas uniões estáveis –, e a união estável, antes denominada de concubinato puro. Após o advento na nova codificação e nos exatos termos do art. 1.727 restou clara a diferença entre os institutos.69

Logo, concubinato adulterino, união estável plúrima, família paralela ou ainda, família simultânea é a situação em que o sujeito mantém relações amorosas, enquadradas no art. 1.723 do CC, com várias pessoas e ao mesmo tempo.

Tal tipo de relacionamento está à margem da proteção do Estado, e que embora traduzam uma realidade que sempre existiu, têm-se negado a tutela jurídica a este tipo de união.

Neste sentido:

A doutrina ainda distingue ligações afetivas livres, eventuais, transitórias e adulterinas com o fim de afastar a identificação da união como estável e, assim, negar-lhe qualquer conseqüência. São consideradas relações desprovidas de efeitos positivos na esfera jurídica. O concubinato chamado de adulterino, impuro, impróprio, espúrio, de má-fé, e até de concubinagem, é alvo de repúdio social. Nem por isso, essas uniões deixam de existir em larga escala. A repulsa aos vínculos afetivos concomitantes não o faz desaparecer, e a invisibilidade que são condenados só privilegiam o ―bígamo‖.70

Contudo, tem sido cada vez mais freqüente deparar com decisões judiciais reconhecendo direitos às uniões paralelas ao casamento, como ainda mostrar-se-á.

68

OLIVEIRA, Euclides de. União Estável: Conceituação e efeitos jurídicos. In: BARBOSA, Águida Arruda; VIEIRA, Cláudia Stein. Direito de família. Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 7, p. 167.

69 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei nº 10.406. de

10-01-2002. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 458-459.

70 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

(31)

2.3.2 A família enquanto LAR – Lugar de Afeto e Respeito71

A sociedade percebe, com o passar dos tempos, que a família deve servir de instrumento para o bem estar de seus membros e não servir apenas como modelo formal a ser imposto aos indivíduos que em torno dela convivem, muitas vezes, infelizes, rodeados de tanto conservadorismo e de tantas pressões, como define Giselda Maria Fernandes Hironaka, com precisão, citada em muitos artigos que falam sobre família:

Biológica ou não, oriunda do casamento ou não, matrilinear ou patrilinear, monogâmica ou poligâmica, monoparental ou poliparental, não importa. Nem importa o lugar que o indivíduo ocupe no seu âmago, se o de pai, se o de mãe, se o de filho; o que importa é pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores e se sentir, por isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade pessoal.72

Como instituição responsável pela formação da personalidade única do indivíduo, deve ser vista sob o aspecto de satisfação pessoal de seus membros e não meramente como forma de imposição de interesses que refletem uma visão ultrapassada e patrimonialista. Nessa concepção, o indivíduo não pensa que existe para a família e para o casamento, mas que a família e o casamento existem para seu desenvolvimento pessoal.73

A família eudemonista é um conceito moderno, um nome que surgiu que se refere à família que busca a realização plena de seus membros, caracterizando-se pela comunhão de afeto recíproco, a consideração e o respeito mútuos entre os membros que a compõem, independente do vínculo biológico.74

O eudemonismo (do grego eudaimonia, "felicidade") é uma doutrina segundo a qual a felicidade é o objetivo da vida humana. A felicidade não se opõe à razão, mas é a sua finalidade natural. O eudemonismo era a posição sustentada por todos os filósofos da Antiguidade, apesar das diferenças acerca da concepção de felicidade de cada um deles.

71 Expressão usada pelo Mestre em ciências da Família na Sociedade Contemporânea pela Universidade Católica

de Salvador, Cristiano Chaves Farias, em sua obra já citada neste trabalho, porém, talhada, nas palavras do professor por Rodrigo da cunha Pereira e Maria Berenice Dias em Direito de Família e o novo Código Civil. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

72 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes. Família e casamento em evolução. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: IBDEFAM/Síntese,v. 1, n.1, p. 7-17, abr./jun. 1999 p. 8.

73 PIANOVSKI, Carlos Eduardo. Famílias Simultâneas e Monogamia. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha

(coord.), Família e dignidade humana: Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p 193-221. p. 204.

74

PIANOVSKI, Carlos Eduardo. Famílias Simultâneas e Monogamia. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord.), Família e dignidade humana: Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p 193-221. p. 205.

(32)

Segundo Aristóteles a felicidade é um princípio; é para alcançá-la que realizamos todos os outros atos; ela é exatamente o gênio de nossas motivações.75

A absorção do princípio eudemonista pelo ordenamento altera o sentido da proteção jurídica da família, descolando-o da instituição para o sujeito, como se infere da primeira parte do § 8º do art. 226 da CRFB/88: ―O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos componentes que a integram‖.76

Em suma, pode-se dizer que o conceito de família é um agrupamento que se forma espontaneamente nos meios sociais, organizados por meio de regras culturalmente elaboradas que configuram modelos de comportamento, no qual os que a compõem, ocupam um lugar sem estarem necessariamente ligados biologicamente, sendo que esta estrutura familiar deve ser trazida para o direito.77

Enfim, o que se há de afirmar do desenho da família na contemporaneidade é de núcleo fecundo para o desenvolvimento dos aspectos mais positivos do ser humano, como a solidariedade, a ajuda recíproca, a troca enriquecedora e os laços afetivos. Um verdadeiro LAR: um Lugar de Afeto e Respeito.78

O reconhecimento da pluralidade de formas de constituir família tornou-se realidade no direito brasileiro a partir da CRFB/88. Em que pese a Carta Magna ter se referido expressamente apenas às entidades familiares fundadas no casamento, na união estável e na família monoparental, a interpretação dos demais dispositivos constitucionais leva a concluir que as entidades familiares protegidas constitucionalmente não se limitam àquelas expressas pelo constituinte. Assim, atendidos os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade, estar-se-á diante de entidade familiar merecedora de tutela constitucional.

75 ARISTOTELES. Ética a Nicômaco. Martin Claret, 2001. Coleção a obra-prima de cada autor. p. 32. 76

RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade à pluralidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 163.

77 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007. p. 27.

78

FARIAS, Cristiano Chaves de. A separação judicial à luz do garantismo constitucional: a afirmação da dignidade humana como um réquiem para a culpa na dissolução do casamento. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 25.

Referências

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