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CONTRATOS ALEATÓRIOS

12. Princípio da Boa Fé

12.5. Princípio da Transparência

Outro princípio de extrema importância é o princípio da transparência. Encontra- se regulado no Decreto-Lei n.º 22/2016, de 3 de junho, que transpõe a Diretiva da Transparência222, podendo também encontrar referências ao mesmo no CVM, nos artigos

304.º, n. 2 e 378.º, do referido diploma. A regra da transparência surge como meio jurídico que vai funcionar em duas vertentes: por um lado, para fazer face a um mercado cada vez mais complexo nas suas transações e nos próprios valores mobiliários transacionados, por outro lado, para diminuir a exposição económica dos investidores face às empresas.

A transparência concretiza-se numa característica, não só dos mercados, mas também da informação prestada. Temos assistido à evolução de um mercado de valores mobiliários assente em informação, e nessa medida, a informação deve respeitar não só

222 Diretiva 2004/109/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2004, relativa à

harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado e que altera a Diretiva 2001/34/CE.

aos valores mobiliários comercializados, mas também às próprias entidades emitentes, a sua solvência, a sua capacidade de resposta às oscilações do mercado, a sua credibilidade, entre outros aspetos que irão, certamente, influenciar a tomada de decisão do investidor.

Outro dos objetivos da transparência é promover o equilíbrio entre os contraentes, emitentes, intermediários e investidores. Em princípio os dois primeiros encontrar-se-ão numa situação negocial privilegiada porque detêm mais, e melhor, informação sobre os valores que pretendem transacionar. Por sua vez, os investidores não terão acesso à informação, salvo a que lhe for facultada.

É a própria lei que, de algum modo vai servir de “incentivo” aos emitentes e aos intermediários financeiros para providenciar mais e melhor informação, com maior transparência, de modo a que o investidor saiba tanto quanto possível sobre o produto financeiro no qual pretende investir. Assim, ambas as partes negociais estarão em pé de igualdade no que concerne ao objeto do negócio a celebrar.

Uma questão relacionada com o principio em análise, e que no fundo será, a outra face da moeda, é claramente a do crime de abuso de informação223. Com efeito, ali onde

exista um conjunto de dados e informações classificados como privilegiados, aos quais os intermediários financeiros têm acesso, mas que estão impedidos de publicar, suscita- se a questão de saber em que medida pode o intermediário disponibilizar esta informação, sem com isso violar ou colocar em rico o núcleo de informação privilegiada

Estes princípios chocam entre si e são passíveis de gerar conflito na atuação do intermediário financeiro, no entanto, ambos derivam do princípio geral da defesa do mercado. Se por um lado a transparência exige que a informação tenha a melhor qualidade possível, o dever de sigilo224 requer uma especial proteção da informação que é de

conhecimento interno do intermediário financeiro e que não pode ser divulgadas (insider

trading). O princípio, e ao mesmo tempo dever, de segredo é definido nos artigos 78.º e

79.º do RGIC e corresponde ao dever a que estão adstritas as pessoas que atuam no

223 Vide artigo 378.º do CVM; 224 Vide artigo 304.º, n. 4 do CV;

sistema financeiro e que as vincula a não revelar e não utilizar para benefício próprio, ou alheio, factos a que têm acesso, em virtude de tal atividade.

Ora a linha de separação entre a informação que deve ser transmitida e a que deve ser mantida em segredo é ténue. Imaginemos a seguinte situação: o investidor A pretende investir num produto financeiro da entidade emitente B, através do intermediário financeiro C. O intermediário financeiro, por sua vez, é um banco com uma rigorosa política de sigilo quanto a informações dos seus clientes, e o emitente ´B é seu cliente. Com base nisso, o intermediário financeiro C, que tem conhecimento privilegiado da situação bancária do B, apurou que o seu capital se encontrava de tal forma onerado que se previa uma situação financeira instável, pelo que não seria aconselhável o investimento que A pretendia realizar. Será que o C deveria prestar esta informação ao investidor A em prol da transparência e da informação? Ou, pelo contrário, deve guardar esta informação em cumprimento dos deveres de sigilo profissional, omitindo a informação ao investidor?

Neste caso, o artigo 378.º, n.1, b) do CVM, refere claramente que não deve prestar tal informação a A, sob pena de ser aplicada a C uma pena suja moldura penal vai até aos cinco anos de prisão ou pena de multa por abuso de informação. Naturalmente que C fica colocado numa situação de conflito, pois por um lado está obrigado pelo dever de transparência e, por outro lado, está vinculado à regra da proteção da informação privilegiada.

Dir-se-á mesmo que um dos limites ao dever de informação será a norma que prevê o abuso de informação de forma a que a informação seja prestada com qualidade e transparência, excluindo-se, assim, as informações de carácter privilegiado. Nos casos de conflito e em prol da transparência de mercado e do próprio sigilo a que está obrigado. O intermediário financeiro, com base no princípio da boa fé225, deve confrontar o seu cliente,

o emitente, e delinear uma nova estratégia de negociação no mercado que garanta o cumprimento dos dois princípios fundamentais do Direito dos Valores Mobiliários e salvaguardar assim a transparência e a eficiência de mercado.

PARTE IV