• Nenhum resultado encontrado

Regime de Responsabilidade Civil Aplicável

CONSEQUÊNCIAS DA VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO

16. Regime de Responsabilidade Civil Aplicável

Como se referiu anteriormente, a responsabilidade civil do intermediário financeiro encontra-se consagrada no artigo n. 304.º-A do CVM, do qual decorre que:

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de Autoridade pública.”

Estabelece ainda a norma que “2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Da análise do artigo podemos verificar que a mesma incorpora duas modalidades distintas de responsabilidade. No seu n. 1, consagra-se a obrigação que os intermediários financeiros, em caso de violação dos seus deveres de informação, responderam pelos danos causados a “qualquer pessoa”: Ermos assim a responsabilidade civil delitual. Por sua vez, o n. 2, dirige-se apenas para as pessoas com quem o intermediário financeiro tenha já estabelecida uma relação contratual ou pré-contratual, estabelecendo uma presunção de culpa do intermediário, em caso de violação dos seus deveres, nomeadamente o dever de informação. Pelo que nos remete para o âmbito de aplicação da responsabilidade contratual.

A responsabilidade contratual, ou obrigacional, resulta do incumprimento de obrigações, ou seja, “pressupõe a existência de uma relação intersubjetiva, que primariamente atribuía ao lesado um direito á prestação, surgindo como consequência da violação de um dever emergente dessa relação específica. A responsabilidade obrigacional destina-se à tutela e à realização das expectativas ligadas ao vínculo obrigacional. O seu fundamento é, no caso da assunção contratual de obrigações, uma frustração da promessa de realização nos termos acordados. Por isso, a responsabilidade obrigacional pauta-se pelo interesse de cumprimento da obrigação. Ela protege contra um

risco específico de dano, aquele que decorre de uma relação creditícia precedentemente instituída entre as partes e que é, afinal, o risco da falha ou frustração do plano obrigacional estabelecido. É pois uma responsabilidade que ocorre entre pessoas determinadas e que deriva de um vínculo específico (creditício) estabelecido entre elas”.237

A doutrina tem-se dividido quanto à aplicação de uma ou de outra modalidade da responsabilidade civil a propósito da violação dos deveres de informação do intermediário financeiro no âmbito da sua atividade.

Por exemplo, Menezes Leitão considera que “há que ponderar, confrontando os seus pressupostos, se se deve efetuar o seu enquadramento no âmbito da responsabilidade delitual, por violação de direitos absolutos ou disposições legais de proteção (art. 483 e sgs. do C. Civil) ou obrigacional, pelo incumprimento das obrigações artigos 798 e sgs. do Código Civil ou se deve ainda inseri-la no âmbito das categorias de responsabilidade que têm contribuído para abalar a rigidez da repartição entre estas duas categorias, como a da responsabilidade pré-contratual, a responsabilidade por informações e a responsabilidade civil do gestor de negócios, em relação às quais se tem falado na esteira de Canaris de uma terceira via de responsabilidade civil”238.

Em sentido diverso parece ir A. Barreto Menezes Cordeiro, que faz uma construção jurídica clara e concisa, entende que o artigo 304.º-A relaciona a responsabilidade obrigacional (artigos 798.º e 799.º do CC) com a responsabilidade delitual (artigo 483.º n. 1 do CC). Assim, a responsabilidade civil delitual, deverá ser desencadeada quer por violação de um direito subjetivo, quer pela violação de normas de proteção. Por outro lado, a responsabilidade civil obrigacional, deverá ser aplicada quando ser verifique a violação de uma obrigação contratual, ou a violação de uma obrigação legal específica. Tomando estes conceitos como ponto de partida, afirma o Autor que nos casos em que existe um contrato e, com base nesse contrato, se estabelece

237 Entendimento de Carneiro da Frada, Uma "terceira via" no direito da responsabilidade civil?, Almedina,

1997, pág. 22- 23, citado in Acórdão do STJ 04-05-2017 Relator LOPES REGO, processo n.º 1961/13.5TVLSB.L1.S1

238 Luís Menezes Leitão, Direitos dos Valores Mobiliários, Vol. II, Coimbra Editora, 2000, pág. 45, obra

citada pelo Acórdão do STJ, de 05-05-2016, Relator Gabriel Catarino, Processo, n.º 8013/10.8TBBRG.G2.S1, in www.dgsi.pt

uma relação contratual, então não há dúvida de que estamos no campo da responsabilidade civil obrigacional. A questão torna-se mais duvidosa nos casos em que o intermediário financeiro viola uma norma de proteção, por exemplo uma norma de organização interna, em que já não estamos perante a violação de um dever específico para com o cliente, mas sim um dever genérico imposto por lei. Nestes casos, entende o Autor que, a possibilidade de aplicação da responsabilidade obrigacional deve ser excluída, restando apenas a aplicação do artigo 498.º n. 1 do CC.239

Cumpre tomar posição. Uma vez que o artigo 227.º do Código Civil não estipula um regime concreto de responsabilidade civil que deve ser aplicado aos casos de culpa in

contrahendo, parece-nos mais adequado adotar a via da aplicação da responsabilidade

obrigacional. Ora, primeiramente é preciso analisar o dever de informação do intermediário financeiro que, como já foi referido, vai ter maior importância numa fase pré-contratual, de modo a que o investidor possa tomar a decisão de contratar ou não. Como também já foi referido, há Autores que defendem que esta fase pré-contratual se divide em dois momentos separados pela proposta contratual.

Com base nesta separação e considerando que é inegável a criação de expectativas das partes na esperança da celebração de um contrato de investimento, as quais são merecedoras de tutela jurídica, ainda que não surjam no contrato, mas surgem por causa do contrato, ou com a esperança da sua celebração, defendemos, então, que antes da proposta negocial, caso se verifique que o intermediário financeiro violou os seus deveres de informação, deve ser aplicado o regime da responsabilidade civil extracontratual, nos termos do artigo 438.º n. 1 do Código Civil.

Contudo, a partir do momento em que existe uma proposta contratual, a responsabilidade civil do intermediário financeiro, em caso de violação dos seus deveres, deverá ser desencadeada ao abrigo da responsabilidade civil obrigacional. Como ensina Almeida Costa, apesar de o contrato ainda não ter sido celebrado, entende o Autor que, por força do princípio da consunção deve a aplicação da responsabilidade extracontratual ser “consumida” pelo regime da responsabilidade contratual, no entanto, aceita que na

239 Neste sentido, vide A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina,

análise do caso contrato pode o juiz complementar o regime desta com elementos da responsabilidade extracontratual, em prol de uma decisão mais justa240.

Ora, também assim explica o Supremo Tribunal de Justiça que “a jurisprudência aplica o princípio da consunção, de acordo com o qual o regime da responsabilidade contratual consome o da extracontratual, solução mais ajustada aos interesses do lesado e mais conforme ao princípio geral da autonomia privada”241.

Assim, posicionamo-nos no sentido, de que há uma extensão da aplicação do regime da responsabilidade contratual até ao momento em que é efetuada a proposta por uma das partes, presumindo-se a culpa nos termos do artigo 304.º-A, n. 2 do CVM.