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Princípio do melhor interesse da criança

1. CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

2.2 Princípios do direito de família

2.2.8 Princípio do melhor interesse da criança

O princípio do melhor interesse foi adotado pela comunidade internacional na Declaração dos Direitos da Criança, em 1959. Assim, já se encontrava presente no art. 5º do Código de Menores, sob a doutrina da situação irregular. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança adotou a doutrina da proteção integral, reconhecendo direitos fundamentais para infância e adolescência, situação que mudou o paradigma do princípio do melhor interesse (Amin, 2014).

Sem embargo, foi incorporado no art. 227 da Constituição Federal e pela legislação estatutária, ganhando amplitude, inclusive nos litígios familiares. Tal princípio busca orientar ao legislador pela primazia das necessidades da criança e do adolescente como forma de interpretação da lei e resolução de conflitos, como delineia o art. 100, inciso IV do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

IV - interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.

A essa situação, as crianças e adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, assegurando a lei todas as oportunidades e facilidades para o desenvolvimento físico, mental e espiritual, conforme destaca Flávio Tartuce (2008). Trata de

uma extensão do princípio da dignidade da pessoa humana que deve ser observado pelos profissionais da infância e da juventude.

Nos processos judiciais que têm por objeto a guarda dos filhos, seja oriunda da dissolução de sociedade conjugal ou da colocação em família substituta, seja na hipótese de tutela ou adoção, as decisões judiciais devem observar sempre o melhor interesse do menor, ou seja, o interesse dos pais passa a ser secundário (Marques, 2009). Assim, no caso concreto deve ser verificado as circunstancias fáticas e jurídicas, devendo pairar a aplicação desse princípio como meio de garantir o respeito aos direitos fundamentais.

De tal forma, entende Pereira (2009, p. 128-129):

[...] ficar sob a guarda paterna, materna, de terceiro, ser adotado ou ficar sob os cuidados da família biológica, conviver com certas pessoas ou não? Essas são algumas perguntas que nos fazem voltar ao questionamento inicial: existe um entendimento preconcebido do que seja o melhor para a criança ou para o adolescente? A relatividade e o ângulo pelo qual se pode verificar qual a decisão mais justa passa por uma subjetividade que veicula valores morais perigosos [...]

O melhor interesse não é o que o julgador entende para a criança, mas sim o que objetivamente atende à sua dignidade e aos seus direitos fundamentais. Um exemplo, é uma criança que está em risco, vivendo pelas ruas de uma grande cidade e consumindo drogas. Retirar essa criança da rua mesmo contra sua vontade é zela pelo melhor interesse do menor. Com o acolhimento buscará assegurar à criança o direito à saúde, à alimentação, à moradia e educação (Amin, 2014).

Nesse sentido, elucidam Gagliano e Pamplona (2011, p. 98):

Isso significa que, em respeito à própria função social desempenhada pela família, todos os integrantes do núcleo familiar, especialmente os pais e mães, devem propiciar o acesso aos adequados meios de promoção moral, material e espiritual das crianças e dos adolescentes viventes em seu meio.

Em alguns casos, a criança fica sendo deslocada para vários familiares, mendigando amor e carinho, tendo em vista que não existe um vínculo afetivo entre os membros. Esta criança caba se tornando privada do direito fundamental à convivência familiar, ou seja, é preciso aplicar o melhor interesse do menor, conforme destaca Amin (2014, p. 69):

Muitas vezes, apesar da remotíssima a chance de reintegração familiar, porque, por exemplo, a criança está em abandono há anos, as equipes técnicas insistem em buscar um vínculo jurídico despido de afeto. Procura-se uma avó que já declarou não reunir condições de ficar com o neto, ou uma tia materna, que também não procura a criança ou se limita a visitá-la de três em três meses, mendigando-se caridade, amor e afeto. Enquanto perdura essa via crucis, a criança vai se tornando “filha de abrigo”, privado do direito fundamental à convivência familiar, ainda que não seja sua família consanguínea.

Como enfatiza Amin (2014), é indispensável que todos os atores tenham claro que o destinatário são a criança e o adolescente. É o direito deles que goza de proteção constitucional em primeiro lugar, ainda que colidente com o direito de família. Deve haver a preponderância do interesse do menor, além de ressaltar o convívio familiar, contribuindo para o desenvolvimento psíquico e emocional.

Nesse contexto, o princípio em destaque deve ser aplicado com ênfase na ação de divórcio litigioso. Por ser uma ação tomada por conflitos, muitas vezes os pais acabam prejudicando os filhos inconscientemente, devendo os profissionais como o juiz e o promotor de justiça interpretar a lei no sentido de aplica-la visando o melhor interesse do menor.

3 ATUAÇÃO DO JUIZ E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Poder Judiciário como executor da justiça está dividido em tribunais de diversos níveis e especializações que têm por finalidade melhorar a sua realização. O sistema judiciário brasileiro é formado de acordo pela Constituição Federal em dois grandes aparelhos: o federal, correspondente à Justiça Federal, e o estadual, correspondente às Justiças Estaduais. Acima destes dois aparelhos encontram-se o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. Todos exercendo a mesma jurisdição, mas com competência diversa (Bordallo, 2014).

A Justiça da Infância e Juventude pertencem à Justiça Estadual, conforme disposto no art. 145 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ao classificar o órgão jurisdicional como Vara da Infância e Juventude, o legislador o fez para demonstrar a todos os Tribunais estaduais a necessidade de instalação das Varas Especializadas. A criação e instalação das Varas da Infância e Juventude fica a cargo das necessidades apontadas nas Comarcas conforme as leis de organização judiciária. E para as Comarcas que não têm vara especializada, as ações serão acrescidas nas Varas de Família ou Vara Cível (Bordallo, 2014).

O juiz possui competência para conhecer e julgar todos os conflitos de interesses que chegam às portas do Poder Judiciário. O Estatuto da Criança e do Adolescente veio a transformar a figura do juiz no trato das questões referentes às crianças e adolescentes, fazendo dele uma figura democrática, diferente da figura do Código de Menores, conforme assevera Bordallo (2014, p. 516):

Assim, o juiz da infância e juventude não possui mis “todo o poder do mundo” sobre as crianças e os adolescentes, como tinha o juiz de menores. O Estatuto da Criança e do Adolescente veio justamente modificar essa situação, devolvendo ao Poder Judiciário plenitude da função jurisdicional, principalmente a inércia, uma das principais características da jurisdição.

Igualmente, tem o dever de fiscalizar as instituições de atendimento às crianças e adolescentes, conforme o art. 95 do Estatuto da Criança e do Adolescente em concorrência com o Ministério Público e o Conselho Tutelar. É importante que o juiz compareça às instituições, desempenhando suas atividades em meio à comunidade, com contato direto que fará inúmeros problemas seja sanado mais facilmente.

A importância função judicial exercida pelo juiz nas ações de divórcio litigioso se dá na percepção e sensibilidade de lidar com situações comportamentais e de crises familiares, sempre pautando as suas decisões em favor das crianças e dos adolescentes, conforme destaca Bordallo (2014, p. 517, grifo do autor):

[...] não basta o conhecimento do Direito têm que possuir todos os magistrados, sendo necessário que o profissional se muna de um plus. Este

plus é a sensibilidade que deverá ter pra lidar com graves situações

comportamentais e de crises familiares e para tratar com as crianças e adolescentes sempre pautando sua atuação e suas decisões em benefício destes.

Nesse sentido, Lamenza (2011) afirma ser relevante notar que diante das tendências contemporâneas de assegurar à criança e ao adolescente a defesa integral de seus direitos, igualmente entre estes se encontram os mecanismos de tutela recursal, até mesmo para que possibilite a discussão por um colegiado superior de um tema essencial com olhares atentos do poder estatal.

Dessa forma, se o magistrado de primeiro grau negar uma tutela jurisdicional à criança e ao adolescente sob o argumento de supremacia de direito sobre os direitos dos jovens, será possibilitado novo debate em instância superior, conforme estabelece Trindade (2011, p. 29):

[...] os tratado de direitos humanos impõem deveres que implicam a internação entre suas normas e as de direito interno [...] os tratados de direitos humanos atenderam à necessidade de prevenir ou evitar conflitos entre as jurisdições internacional e nacional e de harmonizar a legislação nacional com as obrigações convencionais. Daí a total improcedência da inovação da soberania estatal no tocante à interpretação e aplicação dos tratados de direitos humanos vigentes.

Essa mudança de tendência na análise dos casos concretos pelos tribunais surgiu da sensibilização dos juízes com a questão da criança e do adolescente, tendo em vista o Estatuto da Criança e do Adolescente reforçar a ideia constitucional da proteção integral e da cooperação (Lamenza, 2011).

Contudo, se por um lado foram estabelecidos meios eficazes para controle dos atos do Poder Público, coibindo abusos e implementando os direitos fundamentais da criança e do adolescente sob uma ótica garantista, temos por outro lado, uma tendência instável por parte da

atuação do Poder Judiciário. Para alguns juízes o Poder Executivo ainda é o dominante que atua de forma imparcial, julgando ele mesmo as suas prioridades. (Lamenza, 2011).

É muito importante que o juiz saiba como chegar a uma criança e em um adolescente, como conquistar sua confiança, a fim de que ele consiga contar sua história. Deverá em muitas ocasiões abandonar a severidade que o cargo impõe para entender os anseios e necessidades da criança. Todavia, por ser a ação de divórcio litigiosa é preciso que o juiz aplique a lei no caso concreto para beneficiar em primeiro lugar aqueles mais vulneráveis, as crianças e adolescentes Bordallo (2014).

Em contrapartida, o Ministério Público foi eleito grande ator na defesa das crianças e adolescentes, considerando-se a gama de atribuições que são conferidas à instituição, no art. 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente, assim assevera as atribuições judicias conforme Bordallo (2014, p. 524, grifo do autor):

As atribuições judiciais estão elencadas no inciso II (promover e acompanhar as ações socioeducativas), III ( promover e acompanhar as ações de alimentos, suspensão e destituição do poder familiar, nomeação e remoção de tutores, curadores e guardiões), IV (promover a inscrição em hipoteca legal e prestação de contas de tutores e curadores), V ( promover ação civil pública), VIII ( promover medidas judiciais cabíveis para o efetivo respeito dos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes), IX ( impetrar mandado de segurança, mandado de injunção e habeas corpus), X ( propor representação administrativa para aplicação de penalidade por prática de infrações contra as normas de proteção às crianças e aos adolescentes.

Nesse sentido, também destaca as atribuições extrajudiciais do Ministério Público Bordallo (2014 p. 524):

As atribuições extrajudiciais encontram-se elencadas no incisos I ( conceder a remissão como forma de exclusão do processo), V ( promover o inquérito civil), VI ( instaurar procedimentos administrativos), VII ( instauração de sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de inquérito policial), VIII ( promover as medidas extrajudiciais cabíveis para o efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados à crianças e adolescentes), XI (inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento às crianças e adolescentes), XII (requisitar força policial, bem como a colaboração dos serviços públicos ou particulares, para o desempenho de suas atribuições).

A enumeração constante no artigo acima é exemplificativa, consoante o disposto em seu § 2º que dispõe sobre outras atribuições, desde que compatíveis com a instituição. Todavia, é

obrigatória a intervenção do Ministério Público em todos os atos processuais e em todos os processos em curso na Vara da Infância e Juventude, acarretando nulidade a falta de intervenção, conforme determina o art. 202 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 202. Nos processos e procedimentos em que não for parte, atuará obrigatoriamente o Ministério Público na defesa dos direitos e interesses de que cuida esta Lei, hipótese em que terá vista dos autos depois das partes, podendo juntar documentos e requerer diligências, usando os recursos cabíveis.

As manifestações do Ministério Público devem ser obrigatoriamente fundamentadas, conforme art. 205 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, não pode o promotor de justiça dizer se concorda ou não, mas deve justificar o porquê de sua decisão. A atuação do promotor da infância e juventude é umas das mais diversificadas, trazendo uma experiência de vida que não será obtida em nenhum outro órgão de atuação. Esta não se limita à aplicação do direito no caso concreto, sendo muito mais ampla, muitas vezes atuando como ouvinte e aconselhando pais e filhos (Bordallo, 2014).

Destaca também, que o Promotor de Justiça da Infância e Juventude não pode ser um mero burocrata que se manifesta em todos os processos sob sua reponsabilidade e só sai de seu gabinete para dirigir à sala de audiência. Precisa ser aquele que vai à rua, conhece a comunidade com o qual trabalha e se faz conhecer para melhor solucionar os problemas sociais, como dispõe o art. 176, caput do Código de Processo Civil: “Art. 176. O Ministério Público atuará na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis”.

Nesse sentido, uma das medidas que merece destaque é zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais das crianças e adolescentes, em que o promotor pode mover qualquer tipo de ação para proteção de qualquer direito ou garantia que seja desrespeitada e promover medidas extrajudiciais, como assim afirma Bordallo (2014, p. 525):

Verificadas as violações aos direitos, deve o Promotor de Justiça elaborar recomendação (art. 201, § 5º, c), mostrando onde se encontram os descumprimentos às garantias das crianças e adolescentes, indicando prazo razoável para sua correção. O prazo razoável será aquele que normalmente o homem médio levaria para cumprir a determinação, devendo o Promotor de Justiça fixa-lo dentro de um critério equilibrado. Nada impede que na reunião realizada com o agente público seja elaborado acordo na ata na qual todos os

pontos sejam claramente fixados, com prazo para cumprimento, sendo assinado por todos.

Cabe trazer que o Código Civil faz escassas referências à atuação do Ministério Público, em que é ouvido na habilitação de casamento (CC 1.526), na ação de anulação de casamento, em caso de abuso de autoridade por parte dos pais, pode requerer a adoção de medida protetiva ou a suspensão do poder familiar (CC 1.637) e a nomeação de curador especial, quando colidir o interesse dos pais com os filhos (CC 1.692). Cabe manifestar-se sobre o pedido de alienação (CC 1.717) e o de extinção de bem de família (CC 1.719, inciso III), além de promover a interdição de incapaz (Dias, 2011, p. 94).

No que tange ao Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelece no art. 178 as seguintes necessidades de intervenção:

Art. 178. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam:

I - interesse público ou social; II - interesse de incapaz;

III - litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.

Poderá atuar como fiscal da lei e como autor, em que tem legitimidade para requerer a nomeação de curador, destituição do poder familiar e outros, servindo como interessado na proteção e garantia dos direitos de crianças e adolescentes. Em sede de divórcio, os filhos passam por dificuldades de adaptação ou sofrem pelo descuido dos pais, nestas ocasiões o promotor precisa ter a sensibilidade de averiguar possíveis maus tratos, alienação parental e regulamentação do direito de visitas.

Nesse sentido, confere ao Ministério Público o poder de se demandar em favor das crianças e adolescentes em termos de direitos individuais indisponíveis, como salienta Lamenza (2011, p. 141, grifo do autor):

Quando se litiga em favor da criança e do adolescente, máxime em se tratando de direitos fundamentais e individuais de caráter indisponível, sempre há de se ter em mente que devemos somar esforços, não subtrair. Quanto mais legitimados a defender os interesses infantojuvenis, melhor.

Por conseguinte, o que se almeja é a união de esforços, a real cooperação entre os ramos integrantes da sociedade civil organizada para a procura de meios capazes de garantir às crianças e adolescentes a concretização de seus interesses basilares, por vezes violado potencial pelo próprio Estado. Assim, havendo um maior engajamento por parte do Ministério Público na luta pelos direitos infanto-juvenis, haverá a concretização da cooperação entre os membros (Lamenza, 2011).

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