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3 A CONSTRUÇÃO PRINCIPIOLÓGICA DO DIREITO PENAL

3.6 Princípios da responsabilidade pessoal e da individualização da pena:

A análise das consequências jurídico-penais ao cometimento de crimes é construída a partir de uma perspectiva principiológica, notadamente pela necessidade de aplicar penas com respeito à individualidade humana, responsabilizando apenas a pessoa que, no mínimo, tenha participado da atividade

47 Leciona Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 168) que é possível “acolher o princípio da fragmentariedade como corolário natural da intervenção mínima. O Direito Penal não passa de um fragmento do ordenamento jurídico. Um pedaço do todo, apto às funções mais relevantes de interferência na liberdade individual.”

criminosa. Estes princípios – responsabilidade pessoal e individualização da pena – são preconizados na Constituição Federal48, em seu artigo 5º, incisos XLV e XLVI, respectivamente, quando se percebe que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” e, ainda, que “a lei regulará a individualização da pena.”

O princípio da responsabilidade pessoal também é conhecido como princípio da intranscendência da pena ou da pessoalidade. Diz respeito ao alcance da punição imposta pelo Estado, que deverá atingir tão somente a pessoa do condenado, em que qualquer das penas que seja aplicada, responsabilizando apenas o infrator da norma. De acordo com as lições de Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 153), “a medida exata e justa da punição somente pode concentrar-se na pessoa do autor do ilícito, sem se expandir para outros indivíduos, por mais próximos que sejam ou estejam do criminoso.” De forma ainda mais específica, assevera que

na órbita penal, a sanção converge para um único ponto: a pessoa do condenado. As penas aplicadas devem respeitar, na absoluta precisão do termo, a individualidade humana. Portanto, ao autor do crime, destina-se a medida repressiva e preventiva do Estado, fundando-se em fatores variados. Preserva-se a família e todos os demais, que possuam algum vínculo com o acusado. (idem, p. 153) Ainda que previsto constitucionalmente, numa análise crítica, observa-se que os efeitos de tal princípio são limitados, por vezes, ao aspecto formal, em razão das sequelas que a pena provoca a todos que cercam o autor da conduta delituosa. Pode-se afirmar que a pena privativa de liberdade, por exemplo, é responsável por gerar efeitos criminalizantes secundários a partir criação de condições favoráveis ao aparecimento de outros infratores, uma vez que retira do convívio social o sustentáculo da família, o que comprova a impessoalidade da punição estatal. Ademais, numa sociedade preconceituosa como a brasileira, soma-se aos fatores já apresentados, o estigma da punição por um ato criminoso, o que obstaculiza o fim ressocializador da pena. Nas lições de Raul Zaffaroni (1996, p. 138):

Nunca se pode interpretar uma lei penal no sentido de que a pena transcenda da pessoa que é autora ou partícipe do delito. A pena é

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A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 se preocupou em apresentar uma série de garantias aos presos, não desconsiderando o seu status de cidadão. Pode ser considerada como resultante de um avanço de proteção dos indivíduos que praticaram algum delito, na medida em que os protegem de arbitrariedades que foram percebidas no passado. Também por tal razão, a atual Constituição pode ser considerada como Carta Cidadã.

uma medida de caráter estritamente pessoal, haja vista ser uma ingerência ressocializadora sobre o condenado.

Segundo Giuseppe Bettiol (2000), a transcendência da pena, enquanto expressão punitiva do poder estatal, é consequência inevitável, pois os efeitos de uma sanção alcançam a família do condenado ou mesmo outras pessoas que fazem parte de sua rede de relações intersubjetivas.

Ao lado do princípio constitucional da intranscendência da pena está o princípio da individualização49 da pena, que pode ser percebido em três vertentes ou fases distintas, quais sejam: legislativa50, quando da cominação de penas proporcionais/adequadas a cada tipo penal, seguindo a um critério político-criminal; judicial, materializada na atividade criativa do magistrado no momento da aplicação da sanção; e, por fim, executiva, vislumbrada no momento de cumprimento da medida penal imposta por sentença penal. Consoante explicação de José Luis Gusmán Dalbora (2010, p. 67), “la individualización tiene que ser refractaria a la conmensuración de la pena, a la exigencia valorativa de graduarla según el hecho concreto del autor.” Coadunando com a necessidade individualizante, Bettiol (2000, p. 226) ressalta que

todo direito penal moderno é orientado no sentido da individualização das medidas penais, porquanto se pretende que o tratamento penal seja totalmente voltado para características pessoais do agente a fim de que possa corresponder aos fins que se pretende alcançar com a pena ou com as medidas de segurança.

O Texto Constitucional de 1988 faz previsão da valoração das condutas, ao permitir ao legislador que comine penas de acordo com a importância do bem jurídico a ser tutelado pelo Direito Penal. Estabelece, portanto, que a pena deverá ser adotada a cada tipo previsto na legislação penal.

Guilherme de Souza Nucci (2010) aponta para a essencialidade da individualização da pena, em razão de ser considerado como princípio apto à

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Ao elucidar o conceito de individualização da pena, José Luis Gusmán Dalbora (2010, p. 66) informa que “el nombre ‘individualización’ de la pena irrumpe durante el último tercio del siglo XIX por e empuje de ciertas concepciones filosóficas, y ejerció considerable influencia hasta muy entrado el siglo XX, especialmente en los países donde esas doctrinas adquirieron vigorosa traducción político- criminal.”

50 José Antonio Paganella Boschi (2007, p. 120) ressalta que é “muito claro que essa mesma lógica limitativa do poder punitivo impede, também, que o legislador comine conduta de sanções cruéis, infamantes, desumanas, porque isso, a par de significar a negação do sentido proposto pela garantia da individualização da pena, que representou (...) a lenta evolução da sociedade.”

garantia de uma justa fixação da sanção penal, o que evita uma padronização intolerável e a uniformização dos seres humanos51.

Diante dessas considerações, é que se pode entender o Direito Penal como um aparelho punitivo e preventivo do Estado, tratando de individualizar os infratores de suas normas para então aplicá-las e, após a imposição de tal medida, continuar com a distinção e singularização de cada condenado, conforme preceitua o princípio da individualização da pena. Esse último estágio, conforme ensina Paulo S. Xavier de Souza (2006, p. 249), é percebido como materialização individualizada das consequências do delito, ou seja, a “advertência abstrata no comando secundário da norma penal se torna real, podendo ser sentida pelo condenado, que em regra deverá cumprir a pena (ou medida de segurança) fixada pelo juiz ou Tribunal na sentença penal definitiva.”

A individualização da pena será possibilitada pelo princípio da proporcionalidade que, destarte, tornará concreta sua realização. Isso porque, ao estabelecer um paradigma individualizante, o legislador deverá optar por respostas abstratas proporcionais aos delitos, de acordo com a sua gravidade. De igual modo, deverá o magistrado, em sua atividade criativa de dosimetria da pena, ponderar sobre as causas e as consequências do delito, bem como a necessidade e a adequação de uma sanção penal. Mesmo depois, em fase executiva, a proporcionalidade estará presente como critério balizador da efetividade da pena, na medida em que se buscará o cumprimento das funções das medidas de caráter penal.

3.7 Princípio da limitação das penas: a efetividade do Estado