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3 A CONSTRUÇÃO PRINCIPIOLÓGICA DO DIREITO PENAL

4.3 Teorias mistas: combinação das funções de retribuição e de prevenção

A associação das teorias até então informadas direcionam à elaboração de outras que, ao seu turno, apresentarão uma natureza eclética, ora resgatando o retribucionismo, acrescentando-se elementos preventivos específicos e gerais, ora afastando de vez o caráter não utilitário da pena, combinando, tão somente, as prevenções geral e específica. Leciona Leonardo Sica (2002) que as teorias mistas refutam a pureza dos modelos apresentados pelas teorias unitárias, considerando a ingerência de variantes construtivas das finalidades das penas. É nesse aspecto que Santiago Mir Puig (2011) assevera que o abandono da “luta das escolas” permitiu a criação de projetos unificadores, cuja problemática residiria não mais no caráter de domínio racional absoluto a qualquer singularidade, mas na relação entre a retribuição e a prevenção.72

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Mir Puig (2012, p. 50) estabelece uma distinção entre dois grupos ecléticos, a partir da relação entre a prevenção e a retribuição: “Por una parte, quienes creen que a protección de la sociedad ha de basarse en la retribución justa y en la determinación de la pena conceden a los fines de prevención un mero papel complementario, dentro del marco de a retribución. Por otra parte, quienes invierten los términos de la relación: fundamento de la pena es la defensa de la sociedad (protección de bienes jurídicos), y la retribución (con éste u otro nombre) corresponde únicamente la función de

Ao grupo das primeiras teorias mistas atribui-se o título de teorias unificadoras retributivas, considerando-se a necessidade de manter a retribuição pelo mal praticado pelo indivíduo, ao que se acrescentam a intimidação do indivíduo e da sociedade, a neutralização do delinquente, bem como a difusão do respeito social ao comando normativo penal. Ressalta Roxin (1997, p. 94) que “una teoría mixta de este tenor del correcto entendimiento de que ni la teoría de la retribución ni ninguna de las teorías preventivas pueden determinar justamente por sí solas el contenido y los límites de la pena.” Trata-se, aqui, de uma teoria dialética da união, quando se percebe os variados pontos de vista são reunidos numa síntese73.

A pretensão de redução da multiplicidade de pontos de vista que combinam a tese da retribuição com as ideias prevencionistas, seja num aspecto geral ou mesmo específico, poderá ser percebida, conforme assevera Figueiredo Dias (1999), como uma pena retributiva que tenta realizar as finalidades da prevenção. Com fundamento na doutrina de Roxin (1997), é possível inferir que os fins das penas são realizáveis de acordo com uma construção diacrônica. Dessa forma, a cominação da pena a partir de uma atividade legislativa, portanto, abstrata, apresentaria um caráter de prevenção geral. Ao seu passo, a retribuição surgiria com maior ênfase quando da aplicação da sanção penal e, por fim, a execução efetiva da pena possuiria como objetivo principal a prevenção especial (DIAS, 1999). A racionalidade do Direito penal moderno não pode aceitar os ideais unificadores nesses termos, mesmo porque a retribuição não pode ser considerada um fim em si, antes, deve ser erradicado (SICA, 2002). Outro problema pode ser encontrado na diversidade contextual das gêneses, senão de diametral oposição, o que, de certa forma, inviabilizaria uma pretensa unificação. Nesse aspecto, Figueiredo Dias (1999, p. 109/110) sublinha que

quando se misturam doutrinas absolutas com doutrinas relativas fica definitivamente por saber qual o fundamento teorético e a razão de legitimação da intervenção penal. Tanto aquele como esta, na límite máximo de las exigencias de la prevención, impidiendo que conduzcan a una pena superior a la merecida por el hecho cometido. A diferencia de la primera posición, ésta permitiría disminuir o incluso prescindir de la pena por debajo de lo que exigiría la retribución.”

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É a partir da consideração dessa síntese que Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 151) conclui que “as teorias unificadoras aceitam a retribuição e o princípio da culpabilidade como critérios limitadores da intervenção da pena como sanção jurídico-penal. A pena não pode, pois, ir além da responsabilidade decorrente do fato praticado, além de buscar a consecução dos fins de prevenção geral e especial.”

verdade, são irremediavelmente diversos e provenientes de

concepções diferentes, quando não antagônicas, sobre o

fundamento do direito de punir e a conseqüente legitimação estatal da intervenção penal. Haverá que sublinhar, em suma, que concepções deste tipo revelam um vacilamento inadmissível em convicções fundamentais.

Há teorias, no entanto, que, seguindo esta orientação negatória da retribuição, unificam as prevenções, geral e especial, num sentido de complementaridade entre elas, como na concepção de Roxin (1997). Na verdade, elas não se excluem, antes, fundamentam-se uma na outra. Isso se torna mais evidente quando da necessidade de ressocialização e intimidação do agente (caráter especial positivo e negativo, respectivamente), bem como de garantir a legitimidade da norma com seu cumprimento, além de incutir no seio social o respeito aos comandos normativos do Estado, e a intimidação a fim de não lhes afrontarem (prevenção geral positiva e negativa, respectivamente).

A concepção unificadora de prevenção integral se apresenta como resposta às questões lacunares deixadas pelas teorias de prevenção geral e de prevenção especial, quando observadas em suas respectivas singularidades. Assim, quando não mais for necessário a ressocialização, restará a imperiosidade de demonstrar à sociedade a efetividade da norma, ou mesmo a intimidação para o não cometimento de delitos futuros. Leciona Roxin (1997, p. 98) que

la teoría preventiva mixta acoge, pues, en su seno los enfoques preventivoespecial y generales, a cuyo respecto unas veces es este y otras aquel punto de vista el que pasa a primer plano; Es cierto que, donde ambos fines entren en contradicción el uno con el otro, el fin preventivoespecial de resocialización se coloca en primer lugar. (…) La teoría unificadora, tal y como aquí se defiende, no legitima, pues, cualquier utilización, sin orden ni concierto, de los puntos de vista preventivoespeciales y generales, sino que coloca a ambos en un sistema cuidadosamente equilibrado, que sólo en el ensamblaje de sus elementos ofrece un fundamento teórico a la pena estatal.

A análise da construção da pena em suas diversas vertentes, desde a cominação legal a sua execução, foi percebida por Santiago Mir Puig (2011) em nítido compasso com a prevenção integral: o caráter pragmático geral tem seu lugar quando da ameaça proporcionada pela lei, com a confirmação de sua seriedade no momento da atividade criativa do magistrado, o que, para além de funcionar como

reforço àquela ameaça, confirma o limite máximo da culpabilidade do autor e o caráter de prevenção especial. Por fim, o cumprimento da pena completa a seriedade da ameaça legal, além de possuir uma função utilitária especial, com maior atenção à ressocialização.

Resta a crítica da inexistência de um parâmetro ideal de mensuração da culpabilidade, o que, deveras, poderia ser vislumbrado na retribuição. Ressalta-se, todavia, que tal medida poderá ser conjecturada posteriormente, não como fim da pena, mas como análise concreta da culpabilidade74, princípio que, apesar de encontrar nascente no retribucionismo, com ele não se confunde, conforme explica Roxin (1997), ao informar que, apesar de existir uma renúncia à retribuição, um elemento decisivo dessa teoria deve fazer parte da teoria mista que alcance o elemento de prevenção. Tal elemento é caracterizado com uma natureza principiológica de grau de censura ou reprovação, ao que se nomina de culpabilidade que, ademais, servirá como mecanismo limitador da pena75.

As teorias unificadoras, inicialmente, demonstraram as mesmas falhas de suficiência das concepções monistas das finalidades das penas, como bem ressaltou Cezar Roberto Bitencourt (2012). Em momento posterior, as construções ecléticas foram direcionadas de acordo com os diversos estágios da norma, desde seu momento abstrato, passando pelo processo criativo da sanção penal na esfera da concretude, até alcançar a sua fase executória. Por essa perspectiva, a retribuição assumiu uma função secundária, apenas servindo como parâmetro

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Jorge Figueiredo Dias (1999, p. 135) apresenta sua opinião sobre as teorias dos fins das penas, formulando, numa síntese própria, a teoria da pena, ao afirmar que: “1) Toda pena serve a finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpabilidade. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena ;e encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”

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Fazendo clara referencia às construções teóricas de Roxin, Figueiredo Dias (1999, p. 112) assevera que “a medida da culpabilidade é dada não por um ponto exato da escala penal, mas através de uma moldura da culpa; e que, em princípio, é dentro desta moldura da culpabilidade que – ressalvados os casos especiais acima referidos de particulares exigências de prevenção especial – o juiz deverá fixar a moldura concreta da pena. A questão específica referente à problemática da medida da pena pode, neste contexto, restar sobre si; mas não o que a solução para ela preconizada por Roxin implica para a teoria unificadora preventiva dos fins da pena. É que com ela, com a construção de uma moldura da culpabilidade como espaço nevrálgico de aplicação da pena, é ainda de novo a ideia da compensação da culpa, a ideia-mestra da retribuição, que reivindica – se bem que de forma ‘encoberta’ e latente – o seu regresso à cena das finalidades da pena, degradando os propósitos preventivos, que deviam ser únicos, para meros ‘corretores’ da fundamental correspondência entre culpabilidade e pena.”

limitador das exigências da prevenção.

Torna-se perceptível, portanto, a eleição do caráter utilitário da pena, em seus modelos geral e específico, vale dizer, integrativo, como finalidade precípua da sanção penal, sendo imprescindível, no entanto, a utilização dos contributos retribucionistas como instrumentos de limitação da atuação estatal, na medida de culpabilidade e norteada pela proporcionalidade, viabilizando um Direito penal compatível com o Estado democrático de direito.

4.4 Teoria restaurativa: a participação da vítima na construção da