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SOBRE A UNIVERSIDADE

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL

2.3. PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

2.3.1. PRINCÍPIOS DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

Segundo Veiga (2003b, p.16-20) o projeto político pedagógico visa a um equilíbrio em todo o processo educacional, e fundamenta-se nos princípios da igualdade, qualidade, gestão democrática, liberdade e valorização docente, a seguir comentados. Vale ressaltar que tais princípios já se encontram declarados na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 206:

Art 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade (BRASIL, 1988).

Igualdade significa uniformidade, eqüidade, paridade, ou seja, é a inexistência de diferenças entre dois elementos comparados, sejam objetos, indivíduos, idéias, conceitos ou quaisquer coisas que se comparem (FERREIRA, 1982, v.2, p.652). Em se tratando de política, o conceito de igualdade descreve a ausência de diferenças de direitos e deveres entre os membros de uma sociedade. Em sua concepção clássica, a idéia de sociedade igualitária começou a ser cunhada durante o Iluminismo, para idealizar uma realidade em que não houvesse distinção jurídica entre nobreza, burguesia, clero e escravos.

Quando se trata de educação, ou mais especificamente, do projeto político pedagógico, fala-se em igualdade, no que se refere às condições para acesso e permanência dos alunos, o que requer mais do que a expansão quantitativa de oferta: a ampliação do atendimento com manutenção da qualidade.

Qualidade é um conceito subjetivo que está relacionado diretamente às percepções de cada indivíduo, podendo ser influenciado por diversos fatores como cultura, modelos mentais, tipo de produto ou serviço prestado, necessidades e expectativas pessoais. Aponta para a dimensão de intensidade, relacionada à perfeição, principalmente com participação e criação.

No projeto político pedagógico o desafio que se coloca é o de propiciar uma qualidade para todos, compreendida em duas dimensões: a dimensão formal ou técnica e a dimensão política, cada uma com perspectives próprias, sem nenhuma subordinação entre si, mas ao mesmo tempo ligadas como duas faces de um todo.

A dimensão formal enfatiza os instrumentos e os métodos, não se restringindo a conteúdos determinados. De acordo com Demo (2006, p.14), a qualidade formal “...significa a habilidade de manejar meios, instrumentos, formas, técnicas, procedimentos, diante dos desafios do desenvolvimento. Entre eles, ressaltam manejo e produção do conhecimento”. Ainda de acordo com Demo (2006, p.14), a qualidade política é condição imprescindível da participação, pois está voltada para os fins, valores e conteúdos. O autor alerta para o fato de que a qualidade centra-se no desafio de manejar os instrumentos adequados para fazer a história humana e que as duas dimensões da qualidade se relacionam. Afirma ainda o autor que qualidade “...implica consciência e capacidade de ação, saber e mudar.”

Um projeto político pedagógico corretamente construído não garante por si só que a universidade se transforme em uma instituição com melhor qualidade, mas poderá permitir

que seus integrantes - professores, alunos e técnicos - tenham consciência de seus rumos, interfiram em seus limites, aproveitem melhor suas potencialidades e equacionem de maneira coerente as dificuldades encontradas, possibilitando pensar em um processo com melhor qualidade e aberto a uma sociedade em constante mudança. A universidade terá, assim, condições de captar e interferir nessas mudanças.

Gestão em educação, especificamente em educação superior, exige um preparo específico que a maioria dos gestores universitários não receberam. A competência demonstrada em sua área de formação não significa aptidão para a área administrativa, o que muitas vezes compromete sobremaneira o desempenho institucional. Este é um ponto importante a ser considerado na construção do projeto, uma vez que se deseja mudar a condição existente.

De acordo com Bussman (2003, p.41) a administração da educação no Brasil têm oscilado entre as ênfases na burocratização, na tecnocracia, na estrutura organizacional e na gerência de verbas, com maior ou menor centralização e com todas as variações do uso das leis, das máquinas e dos modelos. O modelo tecnicista reforçou a eficiência e a eficácia pela produtividade, de forma fragmentada, não mais respondendo às atuais demandas por soluções globalizadas e interdisciplinares dos problemas.

O mundo da educação é bastante complexo, pois diz respeito às pessoas e ao seu contexto sociocultural, aos sujeitos, aos acontecimentos, aos conflitos de liberdade e decisão e às condições de vida. O principal componente em uma Universidade é o ser, humano, social, cultural, que se agrupa em categorias distintas, quais sejam: dirigentes, docentes, técnicos e alunos. É ele o componente da organização dotado de ação própria, inteligência e vontade, portanto, a gestão deve ser centrada nas pessoas, sendo estas capazes de produzir os outros recursos e resultados necessários.

A gestão democrática abrange as dimensões pedagógica, administrativa e financeira, e implica o repensar da estrutura de poder nas universidades federais brasileiras, tendo em vista sua socialização, propiciando a participação coletiva, a reciprocidade, a solidariedade e a autonomia.

Quando se trata da participação tem-se em mente um conceito plural e não uma simples técnica de gestão, na qual a participação é formalizada e ritualizada, de modo reducionista, entendida como o exercício do voto e até mesmo do número de votos, como estratégia de legitimação da ordem instituída, por meio de mera consulta utilizada muitas vezes quando decisões já foram tomadas. É necessário compreender que a participação efetiva significa partilha do poder, ou seja, coloca o poder no centro das reflexões e não se trata

simplesmente de uma colaboração subordinada, que pode trazer como conseqüência uma não- participação tendo em vista situações já vivenciadas e pouco gratificantes para os atores sociais envolvidos.

Segundo Lima (1998, apud SÁ, 2001, p.73), podem ser identificados diferentes critérios de participação. No que concerne ao critério de democraticidade, a participação pode ser direta ou indireta; quanto à regulamentação, pode ser formal, não-formal ou informal; quanto ao envolvimento, pode ser ativa, reservada ou passiva; e, quanto à orientação, convergente ou divergente. Dessas concepções teóricas, apresentam-se diferentes combinações que podem resultar numa ampla variedade de tipos ideais de participação, capazes de dar conta de uma grande pluralidade de situações que se colocam tanto no campo do planejamento quanto da ação.

A prática democrática faz-se necessária, para que as decisões sejam precedidas de discussão, mas uma vez tomada a decisão a discussão fica suspensa para que a decisão seja implementada, portanto, num contexto democrático, palavra e ação são seqüenciadas. A construção do projeto político pedagógico implica, portanto, a existência de uma gestão democrática, com respeito à liberdade acadêmica e individual.

Liberdade, no conceito de Ferreira (1982, v.2, p.732) significa “...poder de fazer, deixar de fazer ou escolher, segundo à própria determinação”. Liberdade é um princípio associado à idéia de autonomia. Ambos fazem parte da natureza do ato pedagógico, articulação entre limites e possibilidades. Refere-se à relação entre administradores, professores, funcionários e alunos e destes com um contexto social mais amplo. Assim, projeto político pedagógico e autonomia possuem uma estreita vinculação, uma vez que a construção e implementação do projeto político pedagógico institucional é condição para que se afirme a identidade da instituição – autonomia - como espaço pedagógico necessário à construção do conhecimento e da cidadania.

A autonomia impõe um novo padrão de política, planejamento e gestão. A autonomia da universidade é um exercício de democratização de um espaço público: é delegar ao gestor a possibilidade de dar respostas ao cidadão ao mesmo tempo em que chama a responsabilidade de prestar contas das ações. A autonomia possui também uma dimensão operacional que pode garantir mais racionalidade interna e externa e, assim, melhoria da qualidade dos serviços prestados.

Liberdade pode também ser colocado como princípio que diz respeito à atividade acadêmica, à produção e difusão do conhecimento, sem nenhum tipo de coerção que não seja aquela imposta pela ética.

Valorização docente refere-se à formação, inicial e continuada, condições dignas de trabalho, incluindo recursos didáticos, físicos e materiais, dedicação integral, redução do número de alunos por sala, remuneração, dentre outros. A valorização da docência no ensino superior é fortemente impregnada do significado que se atribui à própria universidade.

Na visão de Pimenta e Anastasiou (2002, p.103-104), a Universidade, enquanto instituição educativa configura-se como um serviço público de educação que se efetiva pela docência e investigação, tendo por finalidades: a criação, o desenvolvimento, a transmissão e a crítica da ciência, da técnica e da cultura; a preparação para o exercício de atividade profissional que exige aplicação de métodos científicos e para a criação artística; o apoio científico e técnico ao desenvolvimento. Desta forma, o ensino na universidade caracteriza-se como um processo de busca e de construção científica e crítica de conhecimentos, apontando a necessidade de disseminação e internalização de saberes e modos de ação (conhecimentos, conceitos, habilidades, procedimentos, crenças, atitudes).

Ainda de acordo com Pimenta e Anastasiou (2002, p.103-104), a tarefa de ensinar,na universidade supõe as seguintes disposições:

(a) domínio de um conjunto de conhecimentos, métodos e técnicas científicas que devem ser ensinados criticamente; a condução a uma progressiva autonomia do aluno na busca de conhecimentos; o desenvolvimento da capacidade de reflexão; a habilidade de usar documentação; o domínio científico e profissional do campo específico; (b) considerar o processo de ensinar e aprender como atividade integrada à investigação;

(c) propor a substituição do ensino que se limita a transmissão de conteúdos teóricos por um ensino que constitua um processo de investigação do conhecimento;

(d) integrar a atividade de investigação à atividade de ensinar do professor, o que supõe trabalho em equipe;

(e) buscar criar e recriar de situações de aprendizagem;

(f) valorizar a avaliação diagnóstica e compreensiva da atividade mais do que a avaliação como controle;

(g) procurar conhecer o universo cognitivo e cultural dos alunos e como base nisso, desenvolver processos de ensino e aprendizagem interativos e participativos.

Tais características requerem, além de preparação nas áreas dos conhecimentos específicos e pedagógicos, opções éticas, compromissos com os resultados do ensino, sensibilidade e sabedoria dos professores. Segundo Pimenta e Anastasiou (2002, p.88) a docência na universidade configura-se como um processo contínuo de construção da identidade docente e tem por base os saberes da experiência, construídos no exercício profissional, mediante o ensino dos saberes específicos das áreas de conhecimento.

O desenvolvimento profissional dos professores tem constituído um objetivo de propostas educacionais que valorizam a formação docente não mais baseada numa racionalidade técnico-instrumental, mas numa perspectiva que reconhece sua capacidade de decidir. Assim, transformações das práticas docentes só se efetivam à medida que o professor amplia sua consciência sobre a própria prática, tanto da sala de aula, quanto da universidade como um todo, o que pressupõe conhecimentos teóricos e críticos sobre a realidade. Nesse processo, o conhecimento pedagógico é o elemento que poderá caracterizar de forma indubitável a identidade docente na universidade.

Um processo de planejamento sem tomar os docentes como parceiros/autores não transforma instituições na direção da qualidade social. Portanto, valorização docente, sob a ótica do projeto político pedagógico institucional significa dotar os professores de perspectivas de análise, que os ajudem a compreender os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais nos quais se dá sua atividade docente, significando também rever e modificar a precariedade da carreira docente.

A docência nas universidades vem enfrentando sérias dificuldades que um projeto pedagógico não pode deixar ao largo. Dentre estas a falta de condições, em muitos casos de atuar como profissionais autônomos, pois segundo Cavallet (1999, apud PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p.106), autonomia se revela pela “capacidade profissional em conceber e implementar novas alternativas, diante da crise e dos problemas da sociedade”. Os docentes então não conseguem construir essa capacidade de conceber e implementar novas alternativas diante da realidade do ensino, pois embora ingressem na universidade pelo cargo de professor, poucas são as oportunidades de se aperfeiçoarem nesse aspecto. Recebem ementas prontas, de currículos aprovados e planejam suas atividades de forma individual e isolada, sem orientação metodológica, o que resulta na reprodução de uma relação professor/aluno ultrapassada, sem oportunidade de reflexão sistemática sobre a sala de aula, o papel docente, o ensinar e o aprender e sobre a realidade social onde atuam.

A docência na universidade consiste num processo de mediação entre sujeitos essencialmente diferentes, no confronto e conquista do conhecimento. Tem como características a imprevisibilidade, a singularidade, a incerteza, a novidade, o dilema, o conflito e a instabilidade. Portanto, uma lógica de previsibilidade positivista não é suficiente para orientar a ação docente. É necessário um enfrentamento da racionalidade técnica que vem predominando na ação docente, devido à sua própria formação em áreas nas quais essa racionalidade é preponderante, e fazem com que os docentes a reproduzam em suas práticas quotidianas.

Vê-se a necessidade de vinculação da docência a um projeto educacional orientado por um projeto político pedagógico, considerando os professores sujeitos intelectuais, capazes de produzir conhecimento e participar de decisões, da gestão da universidade e dos sistemas.

O projeto político pedagógico requer, para a sua construção, a análise e discussão de outros elementos básicos também apontados por Veiga (2003b, p.22), quais sejam: as finalidades da instituição, a sua estrutura organizacional, o currículo, o tempo de formação dos alunos, o processo de decisão, as relações de trabalho e a avaliação.