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PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL E A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

SOBRE A UNIVERSIDADE

TRANSIÇÃO E RUPTURA

2.3.6. PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO INSTITUCIONAL E A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

O vocábulo cidadania na sociedade brasileira tem sido bastante utilizado com as mais diversas interpretações para o seu significado. Trata-se de uma expressão em moda e que tem sido usada por todas as correntes de pensamento. Cidadania é a qualidade do cidadão, entendendo-se por cidadão o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um estado (FERREIRA, 1982, v.1, p.280).

No sentido etimológico da palavra, cidadão deriva da palavra civita, que em latim significa cidade, e que tem seu correlato grego na palavra politikos – aquele que habita na cidade. Já no sentido ateniense do termo, cidadania é o direito da pessoa de participar das decisões nos destinos da Cidade através da Ekklesia (reunião dos chamados de dentro para fora), na Ágora (praça pública, onde se organizava para deliberar sobre decisões de comum acordo). Dentro desta concepção, surge a democracia grega, onde somente 10% da população determinavam os destinos de toda a Cidade (eram excluídos os escravos, mulheres e artesãos) (FREIRE, 2005).

O cidadão pleno seria aquele no gozo de seus direitos civis, políticos e sociais. Como direitos civis entendem-se aqueles fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. Os direitos políticos constituem a capacidade de organizar partidos, de votar e ser votado. Os direitos sociais incluem o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, à aposentadoria.

No Brasil, é comum, principalmente por parte dos meios de comunicação de massas, se confundir o “direito do cidadão” e a expressão “cidadania” com os “direitos políticos” e o “direito de votar”. Entretanto, para que essa premissa fosse válida seria necessário que os direitos mínimos do homem fossem plenamente respeitados, o que não ocorre na realidade nos países em desenvolvimento. Portanto, no contexto brasileiro, a construção da cidadania envolve outros aspectos que vão além dos direitos políticos, para os quais a sociedade precisa conscientizar-se. Segundo Carvalho (2004, p.11), “a ausência de uma população educada tem sido sempre um dos principais obstáculos à construção da cidadania...”

Cidadania, como um conceito de totalidade, deve significar, no contexto Latino- Americano e, sobretudo brasileiro, uma mudança radical nas relações econômicas, institucionais, políticas, culturais, tecnológicas, enfim, uma mudança no modo de vida, tanto no nível interno como externo. Cidadania é sociedade autônoma; e, por ser autônoma consegue escolher um conjunto de políticas adequadas ao ambiente econômico, político e social existente, e estendê-la a todos, por isto é democrática, e então pode-se dizer que caminha rumo à modernidade, e está em desenvolvimento.

Soares (1993) afirma que a cidadania brasileira só acontecerá plenamente quando

se modificarem as estruturas sociais, as atitudes, a mentalidade, as significações, os valores e a organização psíquica (...), e para isto, um processo educacional que comporte, necessariamente, a aceitação do fato de que as instituições não são, tal como existem, nem necessárias, nem contingentes, ou seja, a aceitação do fato de que não há nem sentido recebido como dádiva nem garantia do sentido, de que não há sentido a não ser o que é criado na e pela história.

Em três séculos de colonização portuguesa, o legado para a cidadania foi uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e latifundiária, um Estado absolutista. Mesmo com a independência, o único fato realmente importante, do ponto de vista da cidadania foi a abolição da escravidão, em 1888.

Os direitos políticos foram os que iniciaram a construção da cidadania brasileira, encontrando, como já mencionado, uma população de cerca de 85% de analfabetos, 90% vivendo em zonas rurais, sob a forte influência dos grandes proprietários, gerando uma cultura do favor e do clientelismo, vigente até os dias de hoje. Após vários retrocessos e passos firmes à frente, nas últimas décadas do século XX, os direitos políticos adquiriram amplitude nunca antes atingida.

Quanto aos direitos civis, a escravidão, o poder limitado da lei em relação aos grandes proprietários e um Estado comprometido com o poder privado foram os principais empecilhos herdados da época colonial. Retomados após 1985, os direitos civis, embora garantidos na Constituição brasileira não encontram garantia na prática quotidiana, notadamente pelo desconhecimento decorrente da precária educação da população. Os pontos cruciais da falta de garantia dos direitos civis situam-se na ausência de segurança individual, não garantia da integridade física e difícil acesso à justiça.

Com direitos civis e políticos precários tornou-se difícil falar em direitos sociais. O grande avanço foi constatado somente na década de trinta e quarenta, cujo marco foi a

Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943. Na área da previdência, a partir de 1933, foram criados diversos institutos. A Constituição de 1988 contribuiu sobremaneira para a ampliação dos direitos sociais. Entretanto, apesar do progresso constatado como a redução da mortalidade infantil e do analfabetismo, fator determinante para a construção da cidadania, na opinião de Carvalho (2004, p.206), esse progresso se deu a partir de um piso muito baixo, contando ainda com um reduzido tempo de escolaridade da população.

Outro aspecto a se considerar é a grande dificuldade de distinção entre público e privado no Brasil colonial, pois a conivência entre o poder do Estado e o poder dos grandes proprietários fez com que não se criasse uma consciência de um poder a que se denominasse efetivamente de “público”.

Na história brasileira, a fusão entre elementos estatais e públicos, enredamentos entre as elites e a administração pública, dinheiro público e privado, corrupção, clientelismo e a tentativa de institucionalização dessas práticas demonstram até o momento presente a fragilidade das relações público x privado.

Essa problemática traz à tona a discussão acerca do personalismo, cordialidade e intimidade que envolvem o público e o privado, fazendo com que o poder do cargo, da posição econômica ou social prevaleça sobre a condição do cidadão sujeito a generalidade da lei que vale para todos. Da Matta (1997) coloca a questão da hierarquização das relações sociais como um fator cultural extremamente dificultador do pleno exercício da cidadania, uma vez que o parentesco, a amizade e outros fatores que fazem parte da personificação dessas relações aparecem como um traço forte de um sistema fundado no respeito, na honra, no favor e na consideração, ao invés do igualitarismo formal e legal.

Segundo Wanderley (1996, p.96) a construção do “público” ou a publicização implica alguns elementos essenciais referentes ao Estado, quais sejam: a universalidade, compreendida como a possibilidade de acesso de todos aos bens e serviços e, reciprocamente, à capacidade do poder público de oferecê-los em condições satisfatórias a todos; a publicidade, ou seja, dar informações verdadeiras à sociedade sobre as atividades estatais; o controle social, que deve ser exercido por toda a sociedade sobre o Estado de acordo com normas estabelecidas e legitimadas; e a democratização da sociedade civil, base para a democratização do Estado.

Ainda de acordo com Wanderley (1996, p.99-104), uma das categorias estratégicas na construção do público é a cidadania, centrada na consciência do direito a ter direitos, apontando como caminho o fortalecimento da educação pública. Como justificativa, aponta a necessidade de impregnar toda a sociedade da cultura da cidadania, utilizando a ação

educativa para tal.Afirma também o autor que é no sistema público de ensino que reside um dos caminhos essenciais de resgate do sentido público, portanto, ao se pensar uma sociedade sustentável, do ponto de vista do exercício da cidadania, requer uma transformação do sistema educacional.

Neste sentido a cidadania plena somente se dará, mediante um processo educacional sério que vise modificar as estruturas sociais, as atitudes dos indivíduos, a mentalidade, as significações, o fortalecimento da família e os valores éticos e comportamentais.

Colocando-se a educação como ponto central da conquista da cidadania, vale ressaltar o papel decisivo do sistema público de educação em geral, e das universidades federais em particular, dada a sua missão institucional, que é a geração e disseminação do conhecimento e a indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão, nessa construção coletiva.

As universidades federais brasileiras, a partir da construção de um projeto político pedagógico poderão contribuir sobremaneira para melhorar o perfil cidadão da população brasileira. A construção de um projeto político pedagógico institucional, entendido como um processo coletivo, deverá contemplar um conjunto de diretrizes orientadoras, que além dos aspectos técnico-profissionais promovam a formação do cidadão pleno, consciente das dificuldades que permeiam a busca pela diminuição das desigualdades sociais e econômicas.

O projeto pedagógico no sentido amplo é uma construção social. A formação orientada por esse projeto está ligada a cada tipo de sociedade, portanto, o projeto pedagógico de uma Universidade pública federal, nos dias de hoje, deverá estar em consonância com o perfil ideal traçado pela sociedade pós-moderna, embora as características dessas instituições estejam mais próximas dos ideais da Modernidade, mas ao mesmo tempo deve apresentar uma postura crítica em relação a essa mesma sociedade. No capítulo a seguir, será tratado o tema concepções de sociedade e elementos de seu respectivo projeto pedagógico, buscando trazer mais luz sobre esse tema, pela compreensão de suas origens.

SOCIEDADES OCIDENTAIS E SEUS PROJETOS PEDAGÓGICOS