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1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA O ESTUDO DAS

1.4 PRINCÍPIOS JURÍDICOS

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As contribuições e a destinação do produto da arrecadação, tese de doutorado, inédita, PUC/SP, 2005, p. 14 e 15.

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A conduta humana intersubjetiva, disciplinada pelo Direito Positivo, cujo corpo de linguagem prescritiva é composto de normas jurídicas, dentre as quais encontramos aquelas dotadas de intensa carga axiológica que se irradia pelos mais diversos segmentos do sistema jurídico, compondo-lhe o equilíbrio e determinando sua unidade e racionalidade.

Neste sentido, Lourival Vilanova auscultou que, “O direito é um processo dinâmico de juridicização e desjuridicização de fatos, consoante as valorações que o sistema imponha, ou recolha, como dado social (as valorações efetivas da comunidade que o legislador acolhe e as objetiva como normas impositivas)”49.

Tais valorações que impregnam o sistema normativo juridicizam-se sob a forma de princípios determinados pelo legislador que os deseja vigorantes, carregando-os de intensa valoração, interessando ao cientista apenas o produto da qualificação legislativa, não lhe interessando as realidades que, em nível pré-jurídico, determinaram a opção do legislador.

Para Karl Larenz há princípios jurídicos que podem ter o caráter de simples idéias retoras, sendo imprescindível um acabamento mais preciso, havendo, porém,

[...] princípios que estão condensados em um critério imediatamente aplicável, e que têm por isso a função de normas (não são só ratio

legis, mas a própria lex). Chamo-lhes “princípios com a forma de proposições jurídicas”.

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[...] Quanto aos princípios de nível constitucional que revistam a forma de proposições jurídicas, prevalecem sobre o Direito legislado ordinário, como normas hierarquicamente superiores50.

Assim, como firmado precedentemente, a compreensão das concretizações dos princípios, sua evolução e sua relação com outros princípios há de resultar sempre de uma análise sistemática, da compreensão das partes com o todo normativo da Constituição, consoante a lição do mestre Paulo de Barros Carvalho,

[...], os princípios aparecem como linhas diretivas que iluminam a compreensão de setores normativos, imprimindo-lhes caráter de unidade relativa e servindo de fator de agregação num dado feixe de normas. Exercem eles uma reação centrípeta, atraindo em torno de si regras jurídicas que caem sob seu raio de influência e manifestam a força de sua presença. Algumas vezes constam de preceito expresso, logrando o legislador constitucional enunciá-los com clareza e determinação. Noutras, porém, ficam subjacentes à dicção do produto legislado, suscitando um esforço de feitio indutivo para percebê-los e isolá-los51.

Os princípios estão presentes nas mais diversas áreas de investigação do Direito, permeando o mundo dos valores e carregados de força axiológica, têm o poder de aglutinar uma infinidade de regras que lhe são subordinadas.

50

Metodologia da ciência do direito, p. 576 e 583. (grifo do autor).

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Sua aplicação pelos operadores do direito demanda especial cuidado para evitar abusos no seu manejo, ao assegurar as garantias imprescindíveis à liberdade das pessoas diante dos poderes do Estado na seara tributária, surgindo, não raro, conflito entre princípios que estão a tutelar, de um lado, o interesse atinente ao crédito tributário e a conseqüente necessidade de arrecadação do Estado e, de outro lado, a proteção a direitos fundamentais, como a liberdade e a propriedade.

Embora a expressão “princípios” não encerre uniformidade quanto à significação, identificando Mary Elbe Queiroz,

i) a identidade de princípios com as normas; ii) a distinção entre princípios e regras; iii) revelarem-se como os próprios direitos fundamentais dotadas (sic) de maior força axiológica; iv) as normas de conteúdo mais geral que inspiram todo o ordenamento; v) os indicadores dos fins do Estado (justiça, bem comum e paz social); e vi) preceitos que dão suporte à interpretação do direito52,

os princípios constitucionais no Brasil, no quadro das imposições tributárias, como acentua Paulo de Barros Carvalho,

Atuam sobre essa área postulados constitucionais genéricos, que se irradiam por toda a ordem jurídica, ativando e ao mesmo tempo tolhendo o Estado nas relações com seus súditos, e princípios constitucionais especificamente canalizados para o terreno dos tributos, conhecidos como princípios constitucionais tributários53.

52

A regra-matriz de incidência do imposto de renda: Princípios. Conceitos. Renda transnacional. Lançamento. Apreciações críticas, tese inédita de doutorado, PUC/SP, 2001, p. 25.

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Em breve reflexão o mestre paulista identifica, sob o prisma semântico, quatro usos distintos do termo “princípio”:

a) como norma jurídica de posição privilegiada e portadora de valor

expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e d) como o limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma54.

Assim, para evitar ambigüidades, imprescindível precisar em qual acepção se está a empregar o termo.

Na definição de Celso Antônio Bandeira de Mello princípio é

mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo55,

conjugada com a importância do respeito aos princípios constitucionais tracejada por Geraldo Ataliba no sentido que:

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Curso de direito tributário, p. 145.

55

Os princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos).

Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração, da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser

prestigiados até as últimas conseqüências56,

se extrai a importância do respeito aos princípios como forma de evitar quaisquer abalos, ou até mesmo a ruína do sistema jurídico como um todo57, e especialmente, do sistema constitucional tributário, vez que os princípios ocupam ímpar posição no Direito, vinculando inexoravelmente o entendimento e a aplicação das normas jurídicas.

Ainda, na lição de Konrad Hesse, os princípios constitucionais devem ser sempre respeitados, e ao enaltecer o ganho advindo do respeito à Constituição, cita Walter Burckhardt para quem o que é identificado como vontade da Constituição

deve ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático58.

56

República e constituição, p. 6-7. (grifo nosso).

57

Nesse sentido ver: Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo, p. 818.

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Destarte, os princípios impõem-se tanto ao legislador ordinário como ao legislador constitucional, por estarem enraizados e serem substrato da própria consciência ético-jurídica das sociedades hodiernas, sendo determinados princípios até mesmo considerados supraconstitucionais, especialmente na seara tributária, na medida em que consagram a igualdade, a legalidade e a capacidade contributiva, dentre outros, os quais acabam por realizar a certeza e a segurança jurídicas.

Constatando que alguns princípios se colocam como standards e com superioridade hierárquica a outros, a serem observados pelos aplicadores, especialmente por traduzirem valores como o da justiça, Paulo de Barros Carvalho59 os considera sobreprincípios, no sentido que Canotilho, em sua visão estruturante, atribui-lhes um cunho declarativo porque “estes princípios assumem, muitas vezes, a natureza de ‘superconceitos’, de ‘vocábulos designantes’ utilizados para exprimir a soma de outros ‘subprincípios’ e de concretizações normativas constitucionalmente plasmadas”60.

Neste diapasão, a certeza do direito e a segurança jurídica para Paulo de Barros Carvalho situam-se acima dos demais princípios e estão a reger toda a ordem jurídica, sendo aquele princípio ínsito ao deôntico, se encontra “substanciando a necessidade premente da segurança do indivíduo, o sistema empírico do direito elege a certeza como postulado indispensável para a convivência social organizada”61. Já, quanto ao último, elucida que

é decorrência de fatores sistêmicos que utilizam o primeiro de modo racional e objetivo, mas dirigido à implantação de um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das interações inter-

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Curso de direito tributário, p. 148-149.

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Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 345.

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humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta. Tal sentimento tranqüiliza os cidadãos, abrindo espaço para o planejamento de ações futuras, cuja disciplina jurídica conhecem, confiantes que estão no modo pelo qual a aplicação das normas do direito se realiza62.

Imprescindível, portanto, na observância destes e dos demais princípios constitucionais, conjugar os interesses do Fisco com os interesses dos contribuintes, pois, no entendimento de Agustín Gordillo, a ordem constitucional e supraconstitucional, quando da criação do Estado, ao mesmo tempo em que a este atribuiu certas faculdades frente aos cidadãos, em contrapartida, estabeleceu direitos dos indivíduos frente ao Estado, oferecendo assim a ordem jurídica um equilíbrio nas atribuições que outorga, quer reconhecendo as atribuições do Estado, quer os direitos inalteráveis dos cidadãos, devendo ambos se harmonizar dentro do ordenamento jurídico, sem que haja supremacia de um em relação ao outro63.

Assim, o sistema constitucional tributário brasileiro foi concebido de maneira detalhada e rígida como forma de impedir ou, ao menos, dificultar a criação de novéis tributos sem a autorização constitucional, com a intenção de proteger os cidadãos/contribuintes da exacerbada ânsia arrecadatória do Estado e das medidas, não raras vezes, exageradas de combate à evasão fiscal e aos crimes tributários que resultam em nítida afronta aos princípios constitucionais.

A conjugação harmônica e a submissão das normas constitucionais e infraconstitucionais aos princípios consagrados no Texto

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Constitucional hão de nortear aquelas, tanto no momento da produção legislativa, como quando da sua aplicação pelos mais diversos operadores do direito.

A propósito, Diva Prestes Marcondes Malerbi realçou:

A Constituição de 88, que é a fonte de todo Direito brasileiro, diz de forma inaugural como vai ser posto o novo ordenamento. Ela é a fonte primeira de toda a produção jurídica no País e podemos tirar daí mais um princípio: o da supremacia da Constituição. Primeiro princípio, a supremacia da Constituição em relação a todo e qualquer ato estatal64.

Para se conhecer o mandamento constitucional no tocante à regra-matriz de incidência de determinado tributo, é necessário auscultar quais os princípios que estão diretamente relacionados com o mesmo, sejam eles gerais ou específicos.

Os termos do Direito Positivo, como visto, na sua maioria são plurívocos, vagos ou dotados de ambigüidade, demandando para sua compreensão que sejam depurados através de uma pesquisa semântica, para assim revelarem seu verdadeiro significado na dependência do contexto e situação em que se encontram inseridos.

A investigação semântica, relativamente às contribuições deverá ser efetuada no contexto do esculpido no próprio Texto Constitucional, com vista ao cumprimento dos desígnios deste.

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Tratado de derecho administrativo, p. III-28.

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Especificamente com relação às contribuições estão consagrados diversos princípios que, concatenados de forma harmônica e sistemática, conduzem à formação dos conceitos e levam à formulação da regra- matriz de incidência tributária, revestindo-a de certeza e segurança jurídica.

Tanto o legislador, ao instituir os tributos, quanto os agentes da administração fazendária, ao exercerem suas funções, devem fazê-lo de maneira eficaz para o Estado, sempre no sentido de preservar a segurança jurídica e satisfazer os postulados de justiça social, com o fim de equilibrar a necessidade de arrecadar com o respeito aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, com vistas a alcançar o Estado Democrático de Direito.

Porém, como bem ponderou Paulo Ayres Barreto, após analisar algumas propostas de definição acerca dos princípios, diante de um conflito que se estabeleça entre um princípio e uma regra, ambos de natureza constitucional, tradicionalmente, se tem atribuído prevalência aos princípios, havendo, entretanto, que ser analisado no que implicará a proeminência da aplicação da regra sobre o princípio65.

A dicotomia de que os princípios ora contemplam valores e ora prescrevem limites objetivos foi auscultada, com propriedade, por Paulo de Barros Carvalho que, após refletir sobre o uso do vocábulo no plano semântico, aponta distintas conseqüências:

O deparar-se com valores leva o intérprete, necessariamente, a esse mundo de subjetividades, mesmo porque eles se entrelaçam formando redes cada vez mais complexas, que dificultam a percepção da

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hierarquia e tornam a análise uma função das ideologias dos sujeitos cognoscentes.

Quanto aos “limites objetivos”, nada disso entra em jogo, ficando muito mais simples a construção do sentido dos enunciados. E na aplicação prática do direito, esses limites saltam aos olhos, sendo de verificação pronta e imediata.

[...] os “limites objetivos” são postos para atingir certas metas, certos fins. Estes, sim, assumem o porte de valores. Aqueles limites não são valores, se os considerarmos em si mesmos, mas voltam-se para realizar valores, de forma indireta, mediata66.

Embora a posição do saudoso Geraldo Ataliba, precedentemente demonstrada venha sendo acatada pela doutrina, não há como ignorar, no âmbito do direito constitucional tributário, a apurada análise da distinção triádica entre princípios, regras e postulados, formulada por Humberto Ávila que, diante de um conflito entre princípio e regra em um mesmo nível hierárquico, reconhece primazia à regra, sob a argumentação que:

as regras consistem em normas com pretensão de solucionar entre bens e interesses, por isso possuindo caráter “prima facie” forte e

superabilidade mais rígida (isto é, as razões geradas pelas regras, no

confronto com razões contrárias, exigem um ônus argumentativo maior para serem superadas); os princípios consistem em normas com pretensão de complementariedade, por isto tendo caráter “prima

facie” fraco e superabilidade mais flexível (isto é, as razões geradas

pelos princípios, no confronto com razões contrárias, exigem um ônus argumentativo menor para serem superadas)67.

66

Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 146 e 147.

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Demonstrada a inexistência de hierarquia entre conteúdos prescritivos, colocados no mesmo plano hierárquico, categorizados como princípios — para Paulo de Barros Carvalho, na acepção de valores — e regras, onde efetivamente tenha incidido o labor legislativo, quer disciplinando uma situação ou dirimindo um conflito — para o mestre paulista na acepção de limites objetivos — surge a especial dificuldade na determinação de qual há de prevalecer sem macular a coerência do sistema jurídico que se está a analisar.

Impende observar que o legislador constituinte não descurou de tal mister, ao delimitar o comportamento que há de ser adotado para concretizar o estado ideal de coisas colocado de forma principiológica, mediante a produção de regras objetivamente colocadas.

Para Humberto Ávila é inerente aos princípios a exigência de adoção de comportamentos que promovam a realização dos fins almejados naqueles, os quais assim define:

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção68.

Convicto que as regras se prestam a um direcionamento da livre ponderação principiológica, Humberto Ávila assim as define:

as regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação exigem a avaliação da correspondência, sempre

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centrada na finalidade que lhe dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos69.

Em idêntico sentido, concluiu Paulo Ayres Barreto:

[...] dizer que os princípios prevalecem sobre as regras, em exegese eminentemente constitucional, sobre conferir exacerbado grau de subjetividade ao intérprete, dificulta o controle da própria realização do fim colimado. O alto grau de abstração de uma prescrição constitucional pode, a depender do direcionamento que a ela se dê, ser a solução de todos os problemas ou a causa de todos os males70.

Portanto, para perscrutar a efetiva dicção constitucional atinente às contribuições há que se perquirir quais são os princípios e quais são as regras que estão a defini-los e circunscrevê-los, como forma de dar-lhes efetividade e propiciar o controle de sua aplicação.

68

Teoria dos princípios — da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 78-79.

69

Teoria dos princípios — da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 79.

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1.5 A UNIDADE DO DIREITO. DIREITO TRIBUTÁRIO VERSUS DIREITO