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3. CAPÍTULO 2 – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA SEGURIDADE SOCIAL

3.1 Princípios Jurídicos da Seguridade Social na Constituição de

31 Um rápido resgate dos princípios promulgados no artigo 194 do Capítulo II – Da Seguridade Social, do Título VIII – Da Ordem Social, da Constituição Federal de 1988 e que deveriam orientar a operacionalização da Seguridade Social no Brasil, mostra sua relação com os conceitos discutidos no capítulo anterior.

Os princípios são as diretrizes que norteiam a interpretação e a edição das normas em uma legislação, com o direito à Seguridade Social não é diferente, pois, este possui princípios que servem como verdadeiros alicerces para a construção desse direito. As modalidades dos princípios são divididas em gerais e específicos. Os gerais são aqueles que são aplicados a todos os ramos do direito, os específicos são os que possuem como finalidade adequar um dos ramos do direito em específico.

De acordo com Augusto Massayki Tsutiya os princípios gerais são: o princípio da igualdade, contido no artigo 5º, inciso I da Constituição Federal; o princípio da legalidade, disposto no artigo 5º, inciso II; e o princípio do direito adquirido, regulamentado no artigo 5º, inciso XXXVI, (TSUTIYA, 2013, p.16). Assim, pelo princípio da igualdade, por exemplo, homens e mulheres são iguais perante a lei em direitos e obrigações, de acordo com a Constituição Federal.

Já o princípio da legalidade afirma que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. O princípio do direito adquirido garante que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Os princípios específicos do direito da Seguridade Social são: o da solidariedade, que é implícito; o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento; o da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; o da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; o da irredutibilidade do valor dos benefícios; o da diversidade na base de financiamento; o da equidade na forma da participação do custeio; e o caráter democrático e descentralizado da Administração Pública, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo nos órgãos colegiados.

Pelo princípio da solidariedade tanto a sociedade quanto o Estado são financiadores da Seguridade Social, seja de forma direta ou de forma indireta. E sendo assim, qualquer trabalhador que necessite do auxílio doença, por

32 exemplo, poderá se utilizar mesmo que ainda não tenha contribuído por muito tempo, ou que tenha sofrido um acidente de trabalho e tenha necessidade de se aposentar por invalidez, mesmo que sua contribuição tenha sido por pouco tempo, poderá ser beneficiário da Seguridade Social. Este princípio está implícito no artigo 3º da Constituição Federal que traz em seu inciso I, como fundamento da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Já os princípios específicos explícitos estão regulamentados nos incisos do artigo 194 da Constituição Federal. O primeiro princípio é o da universalidade da cobertura e do atendimento. A universalidade da cobertura não significa que serão assegurados direitos iguais para todos. Na verdade, indica que a Saúde é direito de todos, que a Assistência Social é devida a quem necessitar como nos casos de pagamento do salário mínimo para o idoso e para a pessoa com deficiência.

Tal necessidade deve estar associada à incapacidade do cidadão para trabalhar; pois, a Previdência Social é um direito derivado de uma contribuição anterior, ou seja, mantém a lógica do seguro, mas a desvincula de um emprego com carteira de trabalho. A partir da Constituição, qualquer pessoa, mesmo que não esteja exercendo uma atividade remunerada pode contribuir para a previdência como autônomo, o que rompe com o conceito de cidadania regulada. (SANTOS, 1987).

Pelo princípio universalidade as prestações da Seguridade Social devem abranger o máximo de situações de proteção social do trabalhador e de sua família, tanto subjetiva quanto objetivamente, respeitadas as limitações de cada área de atuação, ou seja, deve existir uma quantidade suficiente de cobertura no tocante a proteção tanto do trabalhador quanto dos membros de sua família, a universalidade de cobertura refere-se aos sujeitos protegidos.

Os atingidos por contingências sociais que retirem ou diminuam a capacidade de trabalho e de ganho, devem ser protegidos, a cobertura deve ser suficiente para proteger os beneficiários de todos os danos que podem acometer o mesmo quando ocorre uma incapacidade de realização de trabalho, “a universalidade de atendimento refere-se ao objeto, vale dizer, às contingências a serem cobertas, isto é, aos acontecimentos que trazem como consequência o estado de necessidade social, no tocante a proteção e

33 complemento de renda ou remuneração em relação à recuperação da saúde do beneficiário.” (TSUTIYA, 2013, p.180-181)

A abrangência na cobertura e no atendimento tem que seguir o preceito da universalidade. Pode-se dizer que o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, pode ser um desdobramento da universalidade do atendimento e da cobertura, pois, visa atender ao princípio da igualdade, evidenciando que todos devem receber o mesmo tratamento, essa ênfase se deve às diferenciações que existiam entre os trabalhadores urbanos e rurais.

O princípio da uniformidade e da equivalência dos benefícios garante a unificação dos regimes urbanos e rurais no âmbito do Regime Geral da Previdência Social, mediante contribuição, os trabalhadores rurais passam a ter direito aos mesmos benefícios dos trabalhadores urbanos. Este princípio, entretanto não se aplica para tornar equivalentes os benefícios dos trabalhadores do setor público e do setor privado, permanecendo uma forte diferenciação entre estas categorias, não resolvida pela Constituição.

A uniformidade refere-se ao quantitativo financeiro, aos valores referentes aos benefícios, pelo qual estão proibidas quaisquer distinções entre trabalhadores independente destes exercerem suas atividades nas zonas urbanas ou rurais. Tendo como referência para qualificar esta igualdade em aspectos objetivos das relações de atendimentos e cobertura desses beneficiários, de acordo com as limitações que são especificadas em lei e levam em consideração, dentre outros fatores o coeficiente de contribuição, a idade e o tempo de contribuição, de acordo com o caso concreto.

A positivação garantiu a uniformidade e a equivalência dos direitos dos trabalhadores através da unificação dos regimes urbanos e rurais o que foi muito importante, pois até pouco tempo atrás havia um fosso que separava os trabalhadores urbanos e rurais.

As leis trabalhistas criadas por Getúlio Vargas predominantemente privilegiavam os trabalhadores urbanos, classe mais organizada. Timidamente, com o passar do tempo, alguns benefícios foram conquistados pelos trabalhadores rurais baseados na uniformidade que se refere ao objeto, às prestações devidas em face do sistema de Seguridade Social, que deverão ser

34 iguais para todos. Equivalência significa igualdade em relação ao valor pecuniário das prestações.

O próximo princípio a ser analisado é o da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços, que aponta a opção da Seguridade Social brasileira pela “discriminação positiva” ou, se preferir um eufemismo, pelas “ações afirmativas”, este princípio em específico é dirigido ao legislador, a fim de que esse possa analisar quais os riscos que devem ser protegidos. Cabe ressaltar que segundo Tsutiya, este princípio não tornar seletivos tanto os benefícios da Previdência Social quanto os da Saúde. (TSUTIYA, 2013, p.182)

O artigo 201 da Constituição Federal define em seus incisos quais deverão ser os fenômenos que deverão ser protegidos pela Previdência Social, o que de forma análoga, pode ser aplicado aos demais ramos da Seguridade Social como a Assistência Social e a Saúde. São eles: cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; proteção à maternidade, especialmente à gestante; proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; salário família e auxílio reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda e pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no parágrafo 2º, que delimita o valor não menor do que o salário mínimo para o pagamento do benefício a ser recebido pelos que necessitarem das proteções descritas acima.

Outro princípio é o da irredutibilidade do valor dos benefícios. “Esse princípio visa manter o poder aquisitivo dos segurados que recebem benefícios da Seguridade Social”. (TSUTIYA, 2013, p.184). A irredutibilidade do valor dos benefícios indica que nenhum benefício pode ser inferior ao salário mínimo, e estes deverão ser reajustados de forma a não serem corroídos pela inflação.

Podemos também observar, que nos benefícios cobertos pela Seguridade Social fica claro que os beneficiários não poderão, como já mencionado, receber menos do que um salário mínimo e que o critério para ser beneficiário é que a família esteja classificada como sendo de baixa renda. Esse princípio é um mitigador do princípio da universalidade, pois restringe a cobertura e o atendimento da Seguridade Social, por meio do critério econômico.

35 Já o princípio da equidade na forma da participação no custeio que é ligado ao princípio da isonomia e a capacidade contributiva podendo ser entendido como justiça e igualdade na forma de custeio que estabelece alíquotas desiguais para contribuintes em situação desigual. Os contribuintes que se encontrarem na mesma situação fática deverão ser tributados da mesma forma. Tal princípio permite uma tributação maior da empresa e/ou empregador em relação ao segurado haja vista que são aqueles os de maior poder aquisitivo.

O penúltimo princípio a ser analisado é o da diversidade na base de financiamento. Segundo nosso autor: “o financiamento da seguridade social compreende um conjunto de recursos que deverão ser buscados em diversas fontes”. (TSUTIYA, 2013, p.186)

O princípio da diversidade das bases de financiamento tem duas implicações. Primeiro, que as contribuições dos empregadores não devem ser mais baseadas somente sobre a folha de salários. Elas devem incidir sobre o faturamento e o lucro, de forma a tornar o financiamento da Seguridade Social mais redistributivo e progressivo, o que compensaria a diminuição das contribuições patronais ocasionadas pela introdução da tecnologia e consequente redução da mão de obra. Segundo o entendimento de muitos estudiosos sobre o assunto, esta diversificação obriga o Governo Federal, os Estados e os Municípios a destinarem recursos fiscais para o orçamento da Seguridade Social.

Para alcançar os princípios anteriores de universalidade da cobertura e do atendimento, é necessário que o sistema seja financiado com recursos vindos de várias fontes, que garantam sua sustentabilidade ao longo dos anos. Desta forma, a Seguridade Social é financiada com recursos de toda a sociedade, mediante contribuições sociais incidentes sobre os mais diversos fatos geradores, como folha de pagamentos, lucro líquido, concursos de prognósticos, etc. (PAVIONE, 2011)

E finalmente, o último princípio a ser conceituado é o “caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados” (artigo 194, inciso VII), assegura que aqueles que financiam e usufruem dos direitos (os cidadãos)

36 devem participar das tomadas de decisão. Isto não significa, por outro lado, dizer que os trabalhadores e empregadores devem administrar as instituições responsáveis pela Seguridade Social. Tal responsabilidade continua sob a égide do Estado.

O Poder Público necessita da participação da comunidade local para bem desempenhar suas funções, e levando em consideração que o elemento motor da Seguridade Social é a solidariedade, os próprios interessados são chamados a contribuir com a discussão dos problemas e para propor soluções aos infortúnios que possam surgir, buscando cada vez mais uma estrutura focada da descentralização e desburocratização dos processos que envolvem as necessidades sociais dos nossos cidadãos.

Tais princípios constitucionais, genéricos, mas norteadores dão a direção a ser tomada pela Seguridade Social, e deveriam provocar mudanças profundas na Saúde, na Previdência Social de modo a formar uma rede de proteção ampliada, coerente e consistente. Deveriam, enfim, permitir a transição de ações fragmentadas, desarticuladas e pulverizadas para “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.” (Artigo 194 da Constituição Federal).

Apesar de tais indicações, não parecem ter sido estes os princípios que sustentaram a implementação das políticas sociais que compõem a Seguridade Social, implementada em 1988 no âmbito previdenciário e, muito menos o que se pretende na proposta de contrarreforma neoliberal do Estado a ser desenvolvida no âmbito da Previdência Social, pois, temos assistido aos brutais e incessantes ataques, ao desmonte dos direitos arduamente conquistados por ela assegurados e à ruína dos princípios que a orientaram, como democracia, equidade, universalidade, participação.

Embora alguns autores considerem que “o Brasil fez a sua reforma à inglesa, eliminando os fundamentos bismarckianos de um sistema montado nos anos de 1930, com as características segmentares do alemão” (VIANNA, 1998, p.130), nos parece que os elementos do seguro não foram eliminados. Temos defendido que a Seguridade Social brasileira, tal como a Constituição Federal a instituiu, ficou entre o seguro e a assistência, já que a lógica do

37 seguro que sustenta a Previdência Social brasileira desde sua origem não só não foi suprimida, como foi até mesmo reforçada em alguns aspectos.

Os benefícios previdenciários tiveram sua lógica atuarial revigorada, sobretudo com a reforma da previdência implementada em 1998, por meio da emenda constitucional nº 20, e os benefícios com natureza assistencial mais demarcada, como auxílio natalidade e funeral, foram transferidos para a assistência social. Como afirma Teixeira (1990), mesmo com a inclusão destes princípios, as políticas de Saúde, Previdência e Assistência não conseguiram metamorfosear-se em Seguridade Social.

A Saúde, com exceção do auxílio doença, desvencilhou-se dessa lógica e passou a ser orientada por todos os princípios do modelo assistencial beveridgiano (universalização, descentralização, uniformização dos direitos, unificação institucional, financiamento predominantemente de origem fiscal).

A Assistência Social, embora reconhecida legalmente como direito, mantém prestações assistenciais apenas para pessoas comprovadamente pobres (renda familiar per capita abaixo de ¼ do salário mínimo) e incapazes ao trabalho (idosos acima de 65 anos e pessoa com deficiência que a incapacitive para a vida independente e para o trabalho) e implementa programas e serviços cada vez mais focalizados em populações tidas como de “risco social” pelo jargão técnico.

Embora muitos analistas ressaltem o avanço do conceito de Seguridade Social, poucos se dedicam, efetivamente, a analisar quais são as propriedades intrínsecas aos princípios que o sustentam legalmente. Tampouco se observam estudos que analisem a seguridade em sua totalidade, no sentido de verificar como se deu a operacionalização destes princípios.

Ainda que predominem análises específicas e setorializadas, enfocando separadamente cada uma das políticas que compõem a Seguridade Social, o que indica, ao mesmo tempo, a dificuldade na incorporação e implementação deste conceito e a urgência em desenvolver estudos que apontem os limites e obstáculos à sua consolidação, a fim de melhor compreender os motivos, necessidades e consequências das reformas preconizadas atualmente.

A Constituição Federal brasileira de 1988 completou trinta anos de existência e, é a mais recente a consolidar a transição de um período ditatorial para um regime democrático. Ainda que o primado do mercado e da

38 propriedade privada tenha sido preservado incólume como sustentáculo de um conjunto de normas que respaldam a acumulação e a hegemonia do capital, e a supremacia dos interesses burgueses, esta Constituição destacou-se por ampliar direitos à classe trabalhadora, antes inexistentes ou que haviam sido suprimidos ou ainda que já existissem em legislações específicas, mas subiram de status, passando a ser salvaguardados em âmbito constitucional.

3.2. Sistema de Financiamento da Seguridade Social

O histórico da Seguridade Social no Brasil evidencia a evolução do financiamento do Sistema da Seguridade Social no país. No início, era restrito a determinadas categorias ou empresas, e participação dos empregados e dos empregadores, com cunho eminentemente previdenciário e privado. Atualmente, a Seguridade Social ganha uma dimensão pública com financiamento diversificado com a participação de toda a sociedade, cuja participação se dá de forma direta ou indireta.

A nova situação da Seguridade Social como ramo do Direito Público, além de ampliar a proteção e o custeio, exigiu maior transparência na sua administração e previsões do dinheiro público. Não é sem razão que a administração passou a ser quadripartida contando com a participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo.

Se antes a administração dos valores era realizada pelas empresas, atualmente, a Constituição passou a exigir um orçamento específico para a Seguridade Social, deixando a previsão anterior de sua alocação no orçamento do Poder Executivo, onde era facilmente manipulado e não havia clareza para a sua apreciação orçamentária.

Hoje, mesmo diante de normas controladoras, a União utiliza e manipula as receitas previdenciárias, com o objetivo de compor o orçamento fiscal, amparado pela norma prevista nos Atos de Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988, que estabelece a DRU desvinculação de receitas da União.