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PRINCÍPIOS NECESSÁRIOS PARA SUPERAR AS DIFICULDADES NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS.

3.8 PRINCÍPIOS NECESSÁRIOS PARA SUPERAR AS DIFICULDADES NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

PRESTACIONAIS PELA ATUAÇÃO JUDICIAL

Após a verificação das dificuldades impostas por parte da doutrina, e não raro esposado pelo próprio órgão judicante e termos tecido críticas a alguns óbices apontados por traduzirem pseudoproblemas, bem como evidenciado a veracidade preocupante de questões que de fato podem impedir a atuação judicial na decidibilidade de casos concretos concernente à concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais, é preciso nesse momento, analisarmos como certos princípios podem ser utilizados – e geralmente o são – como topos argumentativo utilizado pelo Poder Judiciário para fundamentar suas decisões e conferir eficácia social ao direito pleiteado.

Serão analisados os princípios da proporcionalidade, da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial. Desde o momento ventilamos que não adentraremos profundamente em cada princípio enfocado, mas apenas como cada um deles pode favorecer o desiderato da concretização dos direitos em análise pela atuação do Poder Judiciário.

Iniciemos com o princípio da proporcionalidade332. Na dicção de Gustavo Ferreira: “(...) o princípio da proporcionalidade funciona como ‘um princípio de interpretação’, auxiliando o intérprete/aplicador na tomada de decisões”333.

332

Não adentraremos na distinção existente entre o princípio da proporcionalidade e o princípio da razoabilidade; aliás acerca do tema há autores que defendem a existência de diferenças entre os dois, como verificamos em SANTOS, Gustavo Ferreira. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência

do Supremo Tribunal Federal: Limites e possibilidades. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2004, p. 128:

“(...) a razoabilidade trata da legitimidade da escolha dos fins em nome dos quais agirá o Estado, enquanto a proporcionalidade averigua se os meios são necessários, adequados e proporcionais aos fins já escolhidos”; outros autores não vislumbram tal diferenciação como verificamos na obra de BARROS, Suzana Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das

restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996. Preferimos não aprofundar essa

questão. 333

SANTOS, Gustavo Ferreira. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo

Tal princípio é de extrema importância nas decisões judiciais acerca dos direitos em discussão, pois comumente há o argumento estatal de escassez de recursos financeiros como álibi do Estado para se eximir da concretização dos direitos, gerando, não raras vezes, a necessidade de se verificar qual posição jurídica deve prevalecer; evidentemente isso só poderá ser resolvido na análise do caso concreto com o auxílio do princípio da proporcionalidade.

A proporcionalidade é auxílio interpretativo ao Judiciário inclusive quando estiverem presentes “normas programáticas”, como se verifica nas palavras de Perez:

“(...) deverá o magistrado, à luz do bom senso, de sua experiência de vida, de sua responsabilidade política, considerados, no mais das vezes, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, decidir a causa concreta, afastando, se for o caso, a inexeqüibilidade em tese da norma fundamental programática, definindo, se motivo houver, obrigações positivas para o Estado ou para um particular que venha a afrontar direito fundamental”334.

Böckenförde ventila que:

“La utilización del contenido jurídico-objetivo de los derechos fundamentales, que actúan en todos los ámbitos del derecho, implica necesariamente la utilización del principio de proporcionalidad como fundamento de ponderación”335.

Uma análise superficial conduziria a crítica de que a proporcionalidade dotaria as decisões judiciais de exacerbado subjetivismo; com tal crítica não concordamos, pois tal princípio permite, ao contrário, ventilar o caminho percorrido pelo julgador ao serem verificados os elementos constitutivos do mesmo, quais sejam os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

334

PEREZ, Marcos Augusto. O papel do Poder Judiciário na efetividade dos direitos fundamentais. In: Revista dos Tribunais – Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, ano 1, nº 3, abr/jun. de 1993, p. 242.

335

BÖCKENFÖRDE, Ernst Wolfgang. Los derechos fundamentales sociales en la estructura de la

Constitución. In: Escritos sobre derechos fundamentales (trad.) Juan Luis Requejo Pagés. Baden-

Não é outra a lição de Gustavo Ferreira quando destaca:

“Esses elementos permitem a demonstração do caminho trilhado ao ser editada a decisão, disponibilizando àqueles que são atingidos pelo resultado da aplicação da norma o conhecimento mais profundo dos fundamentos da solução adotada”336.

A proporcionalidade auxilia o magistrado na decisão do caso concreto quando, contrapondo-se os direitos em conflito (comumente um direito fundamental versus a alegação estatal de prejuízos aos demais pelo desfalque do erário), decide casuisticamente qual deverá prevalecer.

No sentido de superar as dificuldades ventiladas à plena concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais pelo Poder Judiciário encontramos algumas expressões paradigmáticas que remetem a verdadeiros princípios norteadores da atividade jurisdicional. Certamente, merece destaque o princípio da

dignidade da pessoa humana haja vista permear todo o catálogo de direitos

fundamentais constituindo-se na base e aspiração de todos eles; não é outro o entendimento de Jorge Miranda:

“A Constituição confere uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade e do Estado”337.

Entretanto, vale salientar que a conteúdo semântico desse princípio não encontra base firme na doutrina sendo fluido e difícil de ser determinado. Canotilho concorda com nossa afirmação ao discorrer que: “a densificação do sentido constitucional dos direitos, liberdades e garantias é mais fácil do que a determinação do sentido específico do enunciado ‘dignidade da pessoa humana’”338, embora Pérez Luño vislumbre um caráter dúplice, quais sejam, a garantia negativa que o

336

SANTOS, Gustavo Ferreira. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal: Limites e possibilidades. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2004. p. 150.

337

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra editora, 1993, p. 166-7. 338

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1997, p. 318.

indivíduo não poderá sofrer ofensas ou ser humilhado, bem como na garantia positiva do desenvolvimento de forma plena da personalidade de cada homem339.

Cada autor que navega nesses mares o conceitua de forma diversa, contextualizando-o em determinado enfoque; tais construções servem para alargar seu conteúdo, entretanto, sempre cada vez mais o mesmo é dotado de fluidez. Não obstante tal dificuldade há inúmeras situações concretas levadas ao Judiciário em sede de direitos fundamentais sociais prestacionais nas quais se verifica afronta e desrespeito ao aludido princípio e, portanto, carecedoras da tutela jurisdicional.

É preciso não olvidar que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil elencado no art. 1º, inciso III como um de seus fundamentos. Segundo Rizzatto Nunes: “é a dignidade que dá a direção, o comando a ser considerado primeiramente pelo intérprete”340. Também Canotilho discorre acerca do princípio em destaque relacionando-o com a República quando ventila:

“Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumeron, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República. Neste sentido, a República é uma organização política que serve o homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios”341.

Chäim Perelman, referindo-se aos direitos humanos e ao princípio da dignidade da pessoa humana discorre que:

“Com efeito, se é o respeito pela dignidade humana a condição para uma concepção jurídica dos direitos humanos, se se trata de garantir esse respeito de modo que se ultrapasse o campo do que é efetivamente protegido, cumpre

339

PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, Estado de derecho y Constitución. Madrid: Tecnos,1995, p. 318.

340

NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 45.

341

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1997, p. 225.

admitir, como corolário, a existência de um sistema de direito com um poder de coação”342.

José Eduardo Faria, leciona, em contundente síntese:

“Com a expansão dos direitos humanos, que nas últimas décadas perderam seu sentido ´liberal´ originário e ganharam uma dimensão ´social´, ficou evidente que pertencer a uma dada ordem político-jurídica é, também, desfrutar do reconhecimento da ‘condição humana’“343.

Pela incontestável relevância e estreita relação com os direitos fundamentais, seria tal princípio absoluto? Haveria alguma hipótese de relativização desse princípio? Qual a contribuição real do princípio em análise como topos argumentativo (e interpretativo) ao Poder judiciário na busca pela concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais?

Rizzatto Nunes vislumbra o princípio em discussão como absoluto asseverando: “a dignidade é garantida por um princípio. Logo, é absoluta, plena, não pode sofrer arranhões nem ser vítima de argumentos que a coloquem num relativismo”344, dessa forma dialoga com Fernando Ferreira dos Santos que defende a mesma tese de caráter absoluto quando dispõe que: “neste sentido, ou seja, que a pessoa é um minimum invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, dissemos que a dignidade da pessoa humana é um princípio absoluto”345.

Não concorda com o caráter absoluto do princípio da dignidade da pessoa humana Ingo Sarlet que defende justamente o caráter relativo de tal princípio ao asseverar: “Já está sujeita a uma relativização no sentido de que alguém sempre irá decidir qual o conteúdo da dignidade e se houve, ou não, uma violação no caso

342

PERELMAN, Chäim. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 400. 343

FARIA, José Eduardo. O Judiciário e os direitos humanos e sociais: notas para uma avaliação da

justiça brasileira. In: Direitos humanos, direitos sociais e justiça, (org.) José Eduardo Faria. São

Paulo: Malheiros, 2002, p. 95. 344

NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 46.

345

SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: IBDC/ Celso Bastos editor, 1999, p. 94.

concreto”346; André Ramos Tavares também defende o caráter relativo do princípio da dignidade da pessoa humana: “não se pode, equivocadamente, inferir do conteúdo da dignidade da pessoa humana que se trataria de um direito ou princípio absoluto. Não o é, assim como não é o direito à vida, que em diversas situações hipotéticas poderia ser afastado”347

Nossa visão acerca do tema conflita com os mestres Sarlet e Tavares, haja vista a dignidade da pessoa humana ter sido uma conquista histórica e não apenas algo confundido com mero valor atribuído na contemporaneidade. Todo ser humano é dotado de dignidade em intensidade idêntica a todos os demais; quando houver vilipêndio a tal princípio pela relativização do mesmo, por exemplo, pena de morte, mutilações, torturas, humilhações, estaremos diante não de exceções à regra, mas de infrações que devem ser sumariamente afastadas. Não é outro o entendimento de Rizzatto Nunes: “A dignidade nasce com a pessoa. É-lhe inata. Inerente à sua essência”348.

Dessa forma, diante do caso concreto proposto, o Judiciário deverá balizar sua decisão – sempre que se tratar de concretizar direitos fundamentais sociais prestacionais – no princípio da dignidade da pessoa humana como base de toda a construção de direitos fundamentais reconhecidos e com ele se realiza. As expressões fluidas e abertas encontram nesse princípio norte indispensável para o reconhecimento de sua carga semântica na análise do caso concreto. O Judiciário, utilizando-se da expressão “dignidade da pessoa humana” estará arrimado em princípio absoluto determinado pela Constituição atual e, portanto, suas decisões em sede de direitos prestacionais estarão dotadas de embasamento constitucional difícil

346

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na

Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 126.

347

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 397. 348

NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 49.

de ser contestadas; assim o referido princípio figura como importante topos no auxílio às decisões do Judiciário e concretização dos discutidos direitos349.

Acerca do mínimo existencial, Ricardo Lobo Torres entende que: “Há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas”350.

Não seria exagero intitular o Brasil como o país do mínimo existencial, não porque esse seja garantido, mas pelo fato da miséria que assola de norte a sul (especialmente no nordeste) donde mais ou menos 75 milhões de pessoas ou 47% da população brasileira: “não encontram um atendimento de mínima qualidade nos serviços públicos de saúde, de assistência social, vivem em condições precárias de habitação, alimenta-se mal ou passa fome”.351 Logo, é bem oportuno defender a sindicabilidade dos direitos fundamentais sociais prestacionais na busca pela concretização dos mesmos utilizando como parâmetro inicial a noção de mínimo existencial.

Ricardo Lobo Torres entende que a noção de mínimo existencial é apartada dos direitos econômicos e sociais; na visão desse autor:

“Estremam-se da problemática do mínimo existencial os direitos econômicos (arts. 174 a 179 da CF de 1988) e sociais (arts. 6º e 7º), que se distinguem dos fundamentais porque dependem da concessão do legislador, estão despojados do status negativus, não geram por si sós a pretensão às prestações positivas do Estado, carecem de eficácia erga omnes e se subordinam à idéia de justiça social”352.

349

No capítulo 4 (quatro) desse trabalho serão analisadas decisões judiciais que coadunam a concretização de direitos e o princípio da dignidade da pessoa humana.

350

TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. In: Revista de Direito administrativo nº 177, jul/set. de 1989, p. 29.

351

KRELL, Andreas. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 17.

352

TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. In: Revista de Direito administrativo nº 177, jul/set. de 1989, p. 33.

Ora, em momento oportuno já ventilamos acerca do caráter fundamental dos direitos sociais e que os mesmos geram de per si direitos a prestações positivas do estado diretamente do texto constitucional.

É curioso perceber que mesmo o tradicionalismo de vertente liberal contido nas palavras de Lobo Torres, cede espaço àquele mínimo sem o qual o indivíduo morreria ou teria aviltado sua condição de pessoa humana; logo, cedendo a essa realidade, mesmo não considerando os direitos sociais como fundamentais, Lobo Torres, na mesma obra supracitada discorre que: “os direitos à alimentação, saúde e educação, embora não sejam originariamente fundamentais, adquirem o status daqueles no que concerne à parcela mínima sem a qual o homem não sobrevive”353; concluímos que o mínimo existencial aplica-se não apenas para os direitos de primeira dimensão, mas aproveita sobremaneira os de segunda dimensão, haja vista a possibilidade de se reivindicar tais direitos judicialmente. Ainda utilizando conceito de Lobo Torres: “o mínimo existencial é direito protegido negativamente contra a intervenção do Estado e, ao mesmo tempo, garantido positivamente pelas prestações estatais”354.

Vale frisar que o autor em referência defende que o mínimo existencial é fundamental em si mesmo e que garantem a fruição de direitos liberais; logo, não o relaciona com os direitos sociais.

Andréas Krell afirma, se referindo aos autores alemães, que: “quase todos os autores – até os mais conservadores – aceitam e defendem que o Estado Social deve intervir para garantir a existência física da pessoa, o ‘mínimo existencial’”355. 353 Ibidem. 354 Ibidem, p. 35. 355

KRELL, Andreas. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 60. Tal assertiva contradiz as palavras de Lobo Torres quando afirma: “(...) principalmente na doutrina alemã, sob a denominação de direitos fundamentais sociais, em virtude de sua constitucionalização; mas segundo a maior parte dos autores germânicos que a adotam, subordina-se à justiça social, pelo que não se confundem com os direitos da liberdade nem com o mínimo existencial”. TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos

Entendemos que o mínimo existencial é plenamente relacionado com os direitos sociais prestacionais e embora ainda não haja linha jurisprudencial segura na aplicação de tal preceito, é auxílio ao Judiciário em seu mister concretizador ao fornecer ao magistrado o parâmetro mínimo a ser concretizado em sua decisão. Ademais, o mínimo existencial é inseparável do princípio da dignidade da pessoa humana.

CAPÍTULO 4

DO CONTROLE JUDICIAL: ANÁLISE DA INTERPRETAÇÃO DO ÓRGÃO