• Nenhum resultado encontrado

PROBLEMÁTICA ATUAL ACERCA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS

2.4 PROBLEMÁTICA ATUAL ACERCA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS PRESTACIONAIS

“Der arme fühlt sich von allem ausgeschlossen und verhöhnt und es entsteht notwendig eine innere empörung”141.

Como dantes asseverado, os direitos fundamentais de 2ª dimensão surgem com o advento do Estado Social ou Estado de bem-estar, havendo intervenção deste na atividade econômica com o escopo de promover a igualdade material e liberdade real aos indivíduos na vida social visando assegurar para os mesmos uma vida com dignidade de pessoa humana, ou seja, um Estado comprometido com a justiça social ao “colocar à disposição os meios materiais e implementar as condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das liberdades fundamentais”;142 entretanto, o contexto sócio-econômico atual enfrentado pelos Estados sociais e democráticos de direito não se apresenta favorável para efetividade dos direitos fundamentais sociais, notadamente àqueles prestacionais, objeto do presente trabalho, haja vista o welfare state atravessar profunda crise que atinge sobremaneira a efetividade ou eficácia social de tais direitos. Encontramos alguns fenômenos que, invadindo a seara do Estado Social, desvirtua seu papel constitucional afastando-o de seus objetivos e princípios estatuídos.

A “ameaça comunista” mantinha o bloco capitalista de sobreaviso e a constante tensão entre ambos favorecia a classe trabalhadora que desde a

141

Georg Wilhelm Friedrich Hegel Apud KRELL, Andreas J. Controle judicial dos serviços públicos

básicos na base dos direitos fundamentais sociais. In: A Constituição Concretizada: construindo

pontes com o público e o privado (org.) Ingo Wolfgang Sarlet. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 25.

142

SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 15. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO- SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002.

Revolução Russa de 1917 experimentara a evolução na proteção trabalhista e a conquista de inúmeros direitos sociais prestacionais.143

Com a queda do regime comunista o capitalismo permanecera sem um contraponto, sem adversário que possuísse ideologia capaz de lhe fazer frente. A partir desse momento vivenciamos cada vez com mais freqüência termos como globalização144, mundialização (são sinônimos, mas esse termo é mais utilizado pelos europeus) e abertura de capitais, ensejando o fim das fronteiras entre os Estados, e é importante frisar que tal abertura de fronteiras não se processa de modo igualitário entre os Estados, pois os países mais desenvolvidos procuram a todo custo resguardar seus mercados, consistindo em mais uma inverdade internacional.

O fenômeno da globalização econômica trazida a reboque pelo neoliberalismo fortalecido e revigorado após a derrocada do socialismo soviético possui filosofia donde não existe nenhuma preocupação com a imensa gama de excluídos de uma vida digna objetivando o enfraquecimento do Estado e seu conseqüente afastamento do mister constitucional de assegurar e concretizar os direitos fundamentais reconhecidos na Carta Magna gerando a não fruição desses direitos pelos particulares145.

143

Confirma nossa afirmação MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A democracia e suas dificuldades

contemporâneas. In: Revista diálogo jurídico, Salvador, CAJ – centro de atualização jurídica, V. I, nº 4,

julho, 2001, p. 19, disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_4/DIALOGO-JURIDICO-04- JULHO-2001-CELSO-ANTONIO.pdf>, p. 19 ao ventilar: “O Estado social de direito emerge, encerrando o ciclo do liberalismo, quando emerge o comunismo; tão logo fracassa o comunismo, renascem, de imediato, com vigor máximo as idéias liberais, agora ‘reautchutadas’ com o rótulo de ‘neo’, propondo liminarmente a eliminação ou sangramento das conquistas trabalhistas e direitos sociais, do mesmo passo em que revive o imperialismo pleno e incontestado, sob a designação aparentemente técnica de ‘globalização’.

144

NEVES, Marcelo. Justiça e diferença numa sociedade global complexa. In: Democracia hoje: novos desafios para a teoria democrática contemporânea, Brasília: Editora UnB, p. 359, destaca que no rótulo ‘globalização’ o mercado é festejado como critério último de justiça.

145

Segundo BORDIN, Luigi. Democracia e direito, a questão da cidadania na época da

globalização. In: Revista Perspectiva Filosófica, vol. VIII, nº15, jan./jun. 2001, Recife: Editora

universitária (UFPE), p.34: “Diante da homologação de todos à nova ordem mundial que nos integra num mercado em que a causa primeira e o fim último é só a produção de bens, quase todos os conceitos e categorias políticas estão esvaziando-se, perdendo substância: democracia, participação, representação, direitos sociais, etc.”

A crise do Estado Social o transforma em um Estado reduzido cujas decisões políticas não dependem apenas da vontade soberana no plano interno, mas da análise conjuntural da macroeconomia em nível mundial, quando não há ordens diretas de outros Estados soberanos determinando a política a ser realizada – e quais as que devem ser preteridas – sob pena de não-ajuda financeira; concorda com nossa assertiva Luigi Bordin quando compara o cenário político mundial com o Monarca absoluto no antigo Império Romano ou do Antigo Regime no século XVIII146, logo, a crise do Estado Social é sinônimo da crise do próprio Estado nacional, da sociedade, da democracia e da cidadania.147 Como ventilado supra, o Estado Social visa assegurar os direitos fundamentais na busca pela igualdade material e liberdade real, mas se tal Estado encontra-se em crise, os efeitos de tal situação afetam os direitos fundamentais, especialmente os de 2ª dimensão cuja efetividade encontra-se intimamente vinculada aos objetivos do Estado-providência.

Fernando Scaff ventila que:

“No âmbito econômico a tônica é a intensificação do processo de globalização, fenômeno marcado pela quebra do paradigma socialista, fruto da falência (e da falácia) do socialismo real, que tornou o capitalismo um processo ideologicamente totalitário”.148

Atualmente vivenciamos a supressão de direitos escondida sob o manto de termos como flexibilização149, este sempre que é empregado pretende explicar mais uma diminuição nas conquistas concernentes aos direitos fundamentais, especialmente os sociais (2ª dimensão), cujo caráter prestacional, e como tal sujeito a gastos públicos para implementação, estão sempre na berlinda de explicações transversas e confusas, denotando o novo perfil sócio-econômico mundial – o

146

Ibidem. 147

SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 6-7. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO- SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002.

148

SCAFF, Fernando Facury. O direito tributário das futuras gerações. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.) Tributação na Internet. São Paulo: RT, 2001, p. 402.

149

A “flexibilização” dos direitos sociais, pauta retórica sempre presente no pensamento e diálogo neoliberal o coloca em rota de colisão com o Estado Social, haja vista os objetivos serem bem diferentes.

neoliberalismo, ressurgindo com avidez jamais vista e pronta para segregar ainda mais os seres humanos em homens de 1ª, 2ª e 3ª classes, no que se convencionou chamar de 1º e 3º mundo.

No fenômeno da globalização o Estado tem que ser competitivo para que seus produtos possam circular em todo o mundo e com isso acarretar o fomento ao lucro e o acúmulo de capitais; para tanto é preciso um Estado mínimo, que não interfira na economia e que cumpra as diretrizes estabelecidas pelo mercado global. É o mercado comandando os rumos dos Estados e subjugando corolários conquistados ao longo do tempo, consistindo numa alopoiese em relação ao sistema jurídico e político, ao lado do sistema capitalista buscando produção para o lucro e o re- investimento, temos um Estado comprometido com uma justiça distributiva, que privilegia as necessidades humanas. Mais uma vez recorremos ao magistério de Luigi Bordin que assevera:

“com a globalização triunfalmente enfatizada depois da queda do muro de Berlim, não se realizou a difusão do bem-estar e dos direitos políticos e sociais, mas uma inédita concentração de poder sem controles democráticos, e uma marginalização de inteiras áreas geográficas, de países e de populações”150.

Eis então a seguinte aporia: constitucionalmente temos um Estado preocupado em elevar sobremaneira os princípios dignificadores da pessoa humana; assumindo caráter de prestador de serviços e assegurador dos direitos fundamentais, se propôs a tornar a igualdade antes formal em real, para promover a liberdade material do homem. Com isso estabelecemos vários direitos sociais a serem paulatinamente realizados, tudo isso, pois tínhamos o escopo de com uma “Constituição cidadã” pudéssemos enfim lograr um Estado onde prevalecesse a justiça social; entretanto, constatamos que sua concretitude está comprometida, haja vista a globalização, ensejando medidas diametralmente opostas ao Estado social e em meio a essa aporia nos encontramos, pois a competição internacional restringe a vocação para a justiça social desse modelo estatal.

150

BORDIN, Luigi. Democracia e direito, a questão da cidadania na época da globalização. In: Revista Perspectiva Filosófica, vol. VIII, nº15, jan./jun. 2001, Recife: Editora universitária (UFPE), p. 35.

Os nefastos efeitos trazidos pela globalização econômica e do neoliberalismo151, notadamente aqueles relacionados com o aumento da exclusão social, opressão sócio-econômica somado ao enfraquecimento do Estado, têm gerado a diminuição da capacidade do poder político de assegurar aos particulares a efetiva fruição dos direitos fundamentais152.

Esse é o quadro que se descortina na atualidade e que enseja reflexão quando tratamos dos direitos fundamentais sociais, pois assim entenderemos melhor os motivos dos pífios e insuficientes investimentos na área social bem como a morosidade com a qual são conduzidas implementações de políticas públicas essenciais à realização material dos direitos sociais, propiciando subsídios para desvendarmos o discurso sofista e anti-democrático dos neoliberais.

151

O neoliberalismo tolera o status negativus ou status libertatis dos direitos fundamentais, haja vista serem direitos de defesa frente ao Estado que os efetiva pela omissão, ou seja, não atentando contra a liberdade formal dos indivíduos, mas não admite o status positivus dos direitos sociais, haja vista a efetividade ou eficácia social de tais direitos estarem diretamente ligadas a uma atitude positiva do Estado no sentido de oferecer prestações para concretização dos direitos sociais mediante gastos públicos, planejamento e execução das políticas públicas necessárias.

152

SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição Federal de 1998. In: Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de atualização jurídica, v.1, nº1, 2001, p. 10. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf/REVISTA-DIALOGO-JURIDICO-01-2001-INGO- SARLET.pdf> Acesso em 21 de abr. de 2002.

CAPÍTULO 3

DIFICULDADES ELENCADAS PELA DOUTRINA À CONCRETIZAÇÃO DOS