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CAPÍTULO 2 – PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA O ENSINO

2.1 Princípios que Norteiam a Proposta Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico

É pelo trabalho que os seres humanos produzem conhecimentos, desenvolvem e consolidam suas concepções de mundo, conformam as consciências, viabilizando a convivência, transformam a natureza construindo a sociedade e fazem história (SEDUC, 2011, p. 13).

Compreender a elaboração de conhecimento enquanto construção humana e social possibilita imergir na reflexão de que todas as ações educacionais estão envolvidas e condicionadas à realidade social vivenciada pelos atores do/no processo. Assim, vale destacar, em primeiro lugar, que, para educar nos pressupostos da politecnia, é preciso considerar os aspectos sociais e políticos do conhecimento, tomando o trabalho e o ensino como norteadores das ações desenvolvidas.Considera-se que o trabalho produz os aspectos sociais do conhecimento. Ramos (apud ARAGONEZ, 2013, p. 167) refere-se ao trabalho como a primeira mediação entre homens e a realidade social:

[...] o que permite compreender que ele é inerente ao ser humano – no sentido ontológico. É através do trabalho que o homem reproduz sua existência. Compreender o trabalho nessa perspectiva é compreender a história da humanidade, as suas lutas com questões mediadas pelo conhecimento humano [...] a relação indissociável entre trabalho, ciência e cultura, confere ao trabalho a condição de princípio educativo.

A politecnia destaca pontos importantes para essa nova dinâmica de ensino e influencia a proposta em elencar alguns princípios orientadores para que seja bem-sucedida. Estes são trazidos neste estudo, sob forma de auxiliar na compreensão da função do Seminário Integrado no Ensino Médio Politécnico. A proposta pedagógica para o Ensino Médio politécnico parte de uma perspectiva teórico-metodológica, dialógica e dialética. Para isso, considera alguns princípios comuns para o processo, partindo da concepção do mundo do trabalho como princípio educativo, das experiências, das formas próprias de aprendizagem, dos interesses e das necessidades dos alunos envolvidos no processo, descritos a seguir como articuladores dessa nova proposta.

Via 1 – Relação Parte e Todo

Por outro lado, é a articulação das partes que compõe a realidade. O movimento constante de ir e vir, da parte para o todo e do todo para a parte, como um processo de estabelecer limites e amplitude de problemas e busca de alternativas de solução, constitui-se como processo e exercício de transitar pelos conhecimentos científicos e dados da realidade, viabilizando a construção de novos conhecimentos, responsáveis pela superação da dificuldade apresentada (KOSIK apud SEDUC, 2011, p. 17).

A compreensão dos fatos do cotidiano da vida em sociedade ganha significado quando são considerados na “parte” e no “todo”, quando não se somam, mas se configuram em um todo por meio das infinitas relações. Segundo Kuenzer ,

O saber não é feito de partes autônomas, mas pelo contrário, constitui-se em uma totalidade orgânica, assim, o método deverá propiciar a apreensão das relações dinâmicas que existem entre as diversas áreas de conhecimento e os diversos conteúdos, criando condições para o estabelecimento de sínteses que expressam a compreensão da totalidade (1989, p. 27).

Os professores, ao ingressarem na academia, durante seu período de formação inicial, adquirem especificamente conhecimentos para atuarem em um componente curricular com conceitos específicos de sua área de estudo, sendo um desafio visualizar e desenvolver a integração curricular. Quando uma disciplina é somente apresentada como um componente curricular, fragmentada da totalidade, o que ocorre é a dificuldade da contextualização dos seus conceitos.

Quando os diversos saberes se inter-relacionam dialogicamente e promovem o exercício de pensar ocorre a contextualização e não a separação entre saberes mais ou menos importantes.O que se faz necessário é estabelecer uma relação/integração entre os diversos saberes e significá-los de forma interdisciplinar. Ou seja, a contextualização executada por meio do trabalho interdisciplinar torna-se uma estratégia que provoca a investigação coletiva.

O conhecimento pode e deve ser trabalhado em cada disciplina já que o professor, que já se encontrou com a comunidade intelectual acadêmica, pensou cientificamente como pode contribuir com a educação e a sociedade com seus conhecimentos e pesquisas; no entanto, na educação básica, entende-se que, em certo momento, estes conhecimentos trabalhados nas disciplinas precisam ser integrados e contextualizados em uma base curricular única.

Quando nos limitamos a disciplinas compartimentando os vocabulários, a linguagem própria a cada disciplina – temos a impressão de estar diante de um quebra-cabeças, cujas peças não conseguimos juntar a fim de compor uma figura. Mas, a partir do momento em que temos um certo número de instrumentos conceituais que permitem reorganizar os conhecimentos em um sistema complexo e que permite utilizar uma causalidade feita de interações e retroações incessantes temos a possibilidade de começar a descobrir o semblante de um conhecimento global (MORIN, 2002, p. 491).

Nessa relação de trocas constitui-se o exercício da análise, ação e reflexão que compõe o processo de ensinar e aprender. A busca pela formação intelectual e profissional, mediante as práticas desenvolvidas na escola, raramente realiza uma relação dialógica entre essas esferas teóricas e práticas. Essa relação ganha significado quando o currículo consegue integrar esses saberes. Movimento que parece ser favorecido pela emergência do Seminário Integrado por meio da pesquisa.

A pesquisa expressa uma linguagem particular que dá acesso a uma problemática específica, que contribui para pensar e avançar o conhecimento na área, bem como para compreender a dimensão da vida social e humana a partir de determinando ângulo. Uma pesquisa implica, portanto, assumir uma perspectiva de ciência ou filosofia, ou várias, e pensar uma determinada dimensão problemática da vida humana, social, cultural e ambiental. Por exemplo, compreender “o trabalho dos mecânicos” na atualidade e sua relação com os “conhecimentos científicos e tecnológicos”. Há mudanças na forma dos conhecimentos necessários para compreender a mecânica dos automóveis e caminhões? O que aconteceu com os trabalhadores que não incorporaram novos conhecimentos em mecânica? Que inovações ocorreram na indústria de caminhões e automóveis e o que isso implicou na dinâmica do mundo do trabalho? Como a História das sociedades pode nos ajudar a entender esta mudança? Como a Geografia política nos ajuda a entender a nova configuração global das indústrias produtoras de automóveis? Como a Antropologia nos ajuda a pensar o cotidiano de homens e mulheres que vivem sob o signo dos automóveis e da indústria do carro?

O ensino precisa atingir níveis de entendimento e significado que possam desenvolver nas crianças e adolescentes conhecimentos conectados e contextualizados com a realidade vivida. Como no exemplo da história A árvore:

Era uma vez um grão de onde cresceu uma árvore, que foi abatida por um lenhador e cortada numa serração. Um marceneiro trabalhou-a e entregou-a a um vendedor de móveis. O móvel foi decorar um apartamento e, mais tarde deitaram-no fora. Foi apanhado por outras pessoas que o venderam numa feira. O móvel estava lá no adeleiro, foi comprado barato e, finalmente houve quem o partisse para fazer lenha. O móvel transformou-se em chama, fumo e cinzas. Eu quero ter o direito de refletir sobre esta história, sobre o grão que se transforma em árvore que se torna móvel e acaba fogo, sem ser lenhador, marceneiro, vendedor, que não vêem senão um segmento da história. É esta história que me interessa e me fascina (MORIN, 1984, p. 134).

Dessa pequena, porém significativa, história, retiramos muitos elementos para compreender o quanto a dimensão do entendimento da relação parte-totalidade perpassa o âmbito pessoal e social. Um ensino interdisciplinar em perspectiva dialética possibilita a compreensão por meio da contextualização e da interligação dos diversos conceitos. Os conhecimentos não podem ser ensinados de maneira isolada, pois o tecido da realidade não é separado e fragmentado, mas unitário.

A semente não está fora do móvel, nem fora do contexto social, ambiental. Quantos elementos conceituais são passíveis de serem desenvolvidos a partir da palavra semente? Essa é a riqueza da integração dos saberes em um contexto integrado.

No fato supramencionado o fenômeno ocorrido não se refere apenas a conhecimentos das ciências da natureza, da matemática, da física, da biologia, mas implica, também, questões das ciências humanas; enfim, envolve a ação humana e suas relações culturais e históricas da produção da existência. O desafio de pensar a parte e a totalidade possibilita integrar o que estava separado em diferentes áreas de saber e que está integrado na realidade.

O desafio de construir um currículo integrado parece passar por este suporte epistemológico que permite reconstruir as áreas do saber na interface de realidades temáticas. O Seminário Integrado teria esta tarefa ao buscar fazer dialogar distintas áreas do conhecimento para pensar temas ou interfaces comuns. Tarefa que assume um caráter transversal quando se trata de currículo, mas assume um caráter interdisciplinar quando trata- se de atitude epistemológica.

Via 2 – A Interdisciplinaridade

A fragmentação do conhecimento acompanha o preceito de que o todo dividido em partes tem como objetivo facilitar a aprendizagem; no entanto a prática fragmentada no Ensino Médio e na educação profissional não tem atingido os níveis de significado e isso torna-se fala frequente dos próprios alunos, que não conseguem visualizar significação nos conteúdos estudados em relação à vida. O todo explicado pelas disciplinas separadas no decorrer da história dividiu em pedaços distintos em cada campo de saber as explicações das coisas. Cada disciplina possui sua especificidade (domínio de conceitos específicos), e cabe aos professores conhecê-los para melhor estimular a reflexão dos estudantes por meio deles. Para Marques (1996, p. 32),

Iniciou-se a simplificação pela eliminação dos sujeitos do conhecimento em função de uma objetividade pura, no ideal da neutralidade e distanciamento. Em seguida, o próprio objeto do conhecimento deve ser reduzido, fragmentado, esmigalhado ao extremo e isolado de todo seu contexto natural e cultural. Abstraído de seu ambiente e de seu sistema de relações, o objeto do conhecimento tornou-se manipulável para a experimentação, mutilado em seu ser, separado de sua condição de existência, artificiosamente reproduzível.

A simplificação afasta a possibilidade da integração, isola, desmembrando os conceitos em suas especificidades científicas, incomunicáveis. Esses saberes compartimentados deixam algumas sequelas para a educação no Ensino Médio.

Os professores que já possuem a base conceitual construída pela academia em sua especificidade de formação, muitas vezes não conseguem, em sua prática, circular pelo todo do fato em estudo, ou seja, não conseguem sair da parte específica do conhecimento que domina e expor aos seus alunos a relação com o todo (situação tematizada em estudo).

Em outras palavras, segundo Rocha (2013, p. 139), “cada componente curricular precisa negar a si mesmo para entrar no todo, pois as partes devem, justamente, explicar o todo e, dialeticamente, o todo deve dar sentido às partes”.

Esse exercício exige desprender-se, muitas vezes, de paradigmas que constituem tanto o professor quanto o aluno, pois, para ambos, faz-se necessário executar a reflexão (interdisciplinar) de modo que haja interdependência entre as diferentes partes que compõem a concretude da realidade manifestada pela interação. Nesse desenvolvimento progressivo cabe a provisoriedade, a contradição, a historicidade e a realidade.

O professor fará uma leitura diferenciada, muito mais teórica do que prática, dos conceitos, por possuir uma bagagem maior de experiências (teórico/práticas), enquanto o aluno trará muito mais experiências práticas do que teóricas (prática/teórica), por estar construindo sua bagagem teórica, ou seja, se apropriando dos conhecimentos da tradição analisando o mundo do trabalho, entendido, segundo Silva (2015, p. 3), “como princípio educativo que abre para uma forma de compreender não apenas do processo de constituição da humanidade do homem, como também o processo de constituição da realidade”.

Tudo isso perpassa por um exercício de negação, de renúncia daquilo que se tem certeza que se sabe; é preciso que os conhecimentos sejam colocados como instrumentos para subsídios de análise e reflexão de objetos em estudo. A perspectiva interdisciplinar possibilita na escola de educação básica, de forma dialógica, a tão necessária relação entre as disciplinas em áreas de saber como forma de compreender o mundo de forma mais complexa.

Essa temática, no entanto, somente se constituirá quando ocorre o diálogo entre as disciplinas, ou seja, quando se integrarem. Disciplina corresponde a uma divisão didática do conhecimento, caracterizada por ter objeto, linguagem e metodologia específica. Cada disciplina pode contribuir conceitualmente para a reflexão de um mesmo objeto, de uma mesma temática. É isso que se busca construir em um trabalho interdisciplinar; esse movimento que busca a superação da fragmentação dá lugar à subjetividade, à reflexão e à comunicação.

Via 3 – Teoria e prática

A teoria e a prática estão relacionadas ao saber e ao fazer. Conforme Silva (2015, p. 6), trata-se de conceber de forma articulada e unitária a relação entre a experiência social acumulada (conteúdos universais) e a experiência existencial dos sujeitos (atividade dos sujeitos). [...] o que possibilita um diálogo ativo e vivo entre o conhecimento popular e o conhecimento historicamente acumulado (conhecimento público).

A ideia central da proposta pedagógica remete a um processo de ensino e aprendizagem que conduz “a um desvelamento” não apenas das palavras, mas também da complexidade social, econômica, política e cultural da realidade em que estão inseridos os sujeitos da escola. Aragonez (apud FREIRE, 1981) concorda com um ensino que conduza a “aprender a ler o mundo para nele interferir”.

Assim, a escola torna-se o espaço propício de reflexão que promove a autonomia do fazer por meio do pensar, reforçando o seu lugar na sociedade atual. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio nº 2/2012 estabelecem, em seu artigo 5º, inciso V, a indissociabilidade entre educação e prática social, considerando-se a historicidade dos conhecimentos e dos sujeitos do processo educativo, bem como entre teoria e prática no processo de ensino-aprendizagem (BRASIL, 2012).

O ensino, portanto, a partir dessa proposta politécnica,considera o trabalho como princípio educativo se manifestado como um novo paradigma para a educação no ensino médio, porque assume como ponto de partida para trabalhar seus conteúdos a prática social concreta dos envolvidos, suas necessidades, suas determinações e transforma-os em elementos temáticos para introduzir a teoria concebida nas áreas de conhecimento.

2.2 Escola Politécnica: Trabalho Como Princípio Educativo e Pesquisa Como Princípio