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Capítulo V – A Solidariedade Social Territorial como modalidade de vivência da

6.1. Princípios teóricos, metodológicos e éticos de escolha de uma instituição

O novo paradigma atual enuncia-se sempre no plural, assenta na diversidade e multiplicidade de escolhas, propondo assim, a construção de uma identidade plural. Já não se trata de construir uma única identidade, visto que o nosso modelo societal se baseia na convivência e coexistência de culturas diferenciadas, adentro de um espaço de Estado-Nação, mas da construção de um espaço simbólico e cultural, que faz vivenciar diferentes identidades, que se interrelacionam num determinado território, acreditando que se reforçam mutuamente e, assim, se expandem, alteram, se reinventam.

Embora o século XX tenha homogeneizado o mundo ocidental, na reunião de valores societais e modos de vida urbanos, confrontámo-nos com a produção contínua de reflexões várias sobre estes valores e noções, especialmente no contexto europeu. Deparámo-nos com a dificuldade de estabelecer definições consensuais porque estas traduziam contextos culturais epocais. Neste quadro de referências, sentimo-nos obrigados a aprofundar e fazer o despiste das definições destes valores e princípios, que se constituem como formas estruturantes criando um modelo societal. Assim, a Europa com a criação da União Europeia estabeleceu a necessidade de fazer uma reflexão comum sobre os princípios e valores culturais a estabelecer, e que valia a pena conhecer e dar a conhecer.

Assim, vimo-nos confrontados com a necessidade de ter que reconhecer os contornos dos valores da Modernidade, retomando a sua origem e evolução ao longo dos séculos, reconhecendo os contextos e diferentes contornos que tiveram para, finalmente, fazer um bom entendimento dos mesmos, na atualidade. Face a este entendimento, tivemos de nos reposicionar face ao caminho dos nossos estudos e sua aplicação.

Ao aprofundarmos as questões da cidadania, deparámos com inconsistências e indefinições que obrigavam à definição de um posicionamento face ao entendimento que se poderia fazer desta noção da Cidadania. Entendemos, hoje, a Cidadania como um conjunto de práticas e vivências dos direitos e das obrigações que, numa perspetiva legal, lhe estão associados. Nos últimos anos, com os novos valores estabilizados, percebeu-se que seria preciso implementar estes valores, dar corpo à sua adesão no contexto da Diversidade.

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Portanto não bastava pô-los em prática, era necessário vivenciá-los. Assim, estas práticas da Cidadania, quando vividas neste contexto, possibilitam por um lado reforçar a pertença a um território e, por outro, permitem a coexistência das diversas identidades vivenciando dinâmicas, criando novas formas de viver, que fazem respeitar os valores societais (Liberdade, condição Humana, valores fundamentais).

Trata-se de viver a cidadania num contexto da diversidade. Com o vasto conjunto de direitos que ficaram estabelecidos, que já constituem a identidade individual, na multidimensionalidade, a Cidadania propõe-se fazê-los experienciar, proporcionar o seu usufruto pela participação, possibilita a tomada de voz (participar) de forma ativa adentro das aspirações dos valores e, portanto, viver de forma plena e integradora, criando, por isso, novas formas de viver.

Na vivência da Cidadania, a multidimensionalidade diz-nos que a construção da pertença dos indivíduos passa pela nova visão do mundo (convidar o mundo para formar o nosso nós), novas formas de viver. Trata-se de um jogo de abrir possibilidades de poder reinventar novas formas de vivência, em diferentes contextos, criando diferentes dinâmicas. O Cidadão pode experienciar novas formas de viver, de resolução das questões (sociais, individuais), de novas perspetivas. É na interação com o Outro, adentro do mesmo espaço, que se constrói uma identidade social que comporta vivências socioculturais distintas, pertenças ao território, que definem um topos de filiação múltipla: simbólica que se constrói organizando a tradição com as novas visões e realidades diversas; e que não se cinge a uma fronteira física territorial; e que se cria nas vivências como lugar mental, de imaginação, de pertenças múltiplas e que se faz perspetivar e produz modos de viver.

Deste jogo de relações sociais resulta uma nova composição social com uma nova mundividência consolidada nestas vivências da Cidadania.

Assim, a cidadania aparece como a forma de praticar e fazer viver os valores societais propostos no modelo atual da democracia das sociedades ocidentais. Enquadramo-nos, aqui, dentro das prerrogativas do novo paradigma científico e societal que se define pelos seguintes valores e caraterísticas: a Diversidade, a Equidade, a Solidariedade, a possibilidade de escolhas, e, portanto, equacionando as questões do acesso às vivências destes valores. Estes, comportam uma necessidade de realização, isto é, de se tornarem reais, vividos, adotados por todos (toda a população), conjuntamente com os valores conquistados pela Modernidade e no século XX, a saber: a Liberdade, a Igualdade, a Fraternidade, o Direito à propriedade, e a satisfação dos direitos fundamentais, as “Liberdades e Garantias”.

Foi preciso alterar o léxico e o quadro concetual para poder entender, explicar e agir nestes novos territórios simbólicos. A afirmação dos valores e princípios estabelecidos pela

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Modernidade, estava comummente aceite no fim do século XX. No entanto, a realidade desmentia a sua aplicação. Seria preciso reinventar novas formas da sua aplicação. Reinventou- se o quadro concetual e este diz-nos que o importante será reinventar formas de vivência destes mesmos valores. Daí os novos valores societais atuais que nos reenviam diretamente para a vivências destes valores.

Assim, da forma prescrita – produção de Lei – passou-se para as recomendações e abertura para a criação de novas formas de vivências. Dispomos de novos meios e recursos. Convocaram-se os cidadãos, todos, para a reinvenção do modelo societal. Estes, munidos com os novos meios e possibilidades, têm vindo a criar novas vivências. A Cidadania já não se resume à sua forma prescrita. Exige a sua vivência em boas práticas. Aí a Lei promoveu as boas práticas da Cidadania (na fileira dos Direitos Humanos, entre eles o Bem-Estar). No entanto, as boas práticas não chegavam para fazer viver os valores. As boas práticas só são integradoras na multidimensionalidade porque só aí é que as pessoas integram os valores. Surgiram, então, as modalidades de vivência da Cidadania. Modalidades que significam formas possíveis de viver e construir os diversos contextos culturais pelos cidadãos, em diversas e múltiplas áreas, acedendo, todos, à vivência dos valores, princípios e direitos, promovidos pela Constituição, a Europeia e dos diferentes Estados-Nação.

Desta forma podemos constatar que no novo paradigma há uma nova visão do social. Depressa se constatou, nos nossos estudos, que a noção de território foi a primeira a ser reequacionada. Este reequacionamento teria de ser feito operando um deslocamento para as questões do simbólico e da identidade, e, portanto, do cultural. Constatava-se a existência de múltiplas culturas em presença nos territórios físicos, que se diziam Estado-Nação, denunciando múltiplos e diferentes contextos, envoltos numa diversidade de dinâmicas em que os valores estabilizados conduziam a uma forma integradora de reequacionar o social: as vivências da Cidadania realizam este jogo integrador.

Deste modo, sem esta reflexão, estudo e aprofundamento destas questões, não faria sentido passar diretamente a um estudo de caso.

O Re-food é uma associação de pessoas, com pessoas, para pessoas. É assim que esta associação se define, portanto, filia-se diretamente na fileira de conceitos do desenvolvimento sustentável.

Tem como âmbito participar ativamente na comunidade local onde se insere, convocando-a para a participação. Logo, com uma dimensão micro-local.

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Como iniciativa de solidariedade define-se a partir de valores que associamos diretamente à Cidadania e, como tal, esta pode ser vista como exemplo de uma das formas de vivência da Cidadania, neste caso na sua modalidade de Solidariedade Social Territorial.

Na vivência da diversidade, os valores societais: da Equidade, Liberdade, respeito pelos valores fundamentais da condição humana, Sustentabilidade, contextos e dinâmicas, fornecem as ferramentas para poder equacionar uma nova composição social coesa e integradora.

A Cidadania faz vivenciar estas relações de forma integradora.

Se antes dos valores novos – da diversidade, e, da multidimensionalidade, as identidades se toleravam, por vezes se excluíam, enclausuravam-se num apego nostálgico às formas relacionais fechadas sobre si mesmas, agora interagem, ampliam-se, criam novas relações simbólicas, criam bem-estar, fazem viver plenamente os valores societais propostos. Aparecem novas discursividades, novas afiliações simbólicas.

Assim, as identidades, neste jogo de simpatias, reforçam-se mutuamente, reinventam-se.

Estudo de caso: justificação

De início, dois caminhos nos pareceram possíveis na nossa investigação: elaborar um estudo de caso de uma instituição em particular que desse vida a esta modalidade da Cidadania, a Solidariedade Social Territorial; ou ir à procura de vários exemplos na realidade de diversas possibilidade de vivência desta modalidade.

Ao longo deste árduo e longo caminho, percebemos que, pela sua extensão e complexidade, fazer as duas coisas seria tarefa hercúlea para uma dissertação de mestrado. Dadas as nossas motivações vocacionais, nomeadamente a vontade de contribuir para boas práticas, respeitando os valores que nos são gratos, voltámo-nos para a Solidariedade. Apreciar, vivenciar, reconhecer a Cidadania nas suas vivências, na sua modalidade de Solidariedade Social Territorial, exigia, um claro entendimento destas questões.

Reconhecê-la numa instituição concreta implica, também, necessariamente, que se respeitem alguns princípios de atuação: como cientistas sociais devemos debruçar o nosso olhar de uma forma desinteressada, aturada, explicitando as nossas condições de observação e argumentos.

Assim, em qualquer estudo de caso, a observação deve respeitar alguns passos e procedimentos:

1) Reconhecer a instituição implica ler a forma como se autodefine, princípios que estabelece para si mesma, seus modos de atuação, objetivos que estabelece, contextos em que opera. Portanto, todas as suas autorrepresentações num primeiro passo;

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2) Num segundo passo, há que vivenciar juntamente com estes cidadãos as suas práticas e vivências no contexto em que atuam. O que implicaria uma envolvência e rigor na observação dos mesmos e que exigiria muito mais tempo e meios da nossa parte;

3) Também nos parece que podemos contribuir para novas boas práticas, dentro dos valores enunciados, para uma tomada consciente destes valores. Isto é, estruturar a Solidariedade Social Territorial adentro das recomendações estabelecidas por esta noção; 4) Deparámo-nos com a dificuldade do paradigma atual: trata-se de uma questão ética. Como devolver à instituição a nossa visão? Acreditamos que com seriedade podemos estabelecer um ponto de vista democrático e útil, de forma a fazer uma contribuição válida para estas questões. Isto é, numa primeira fase, podemos contribuir para que estes cidadãos, no projeto observado, apercebam as suas práticas e vivências, adentro da nova noção de Cidadania. Tratar-se-ia pois, de aceder a um ponto de vista por parte do investigador, dentro de um leque de escolhas possíveis. E, numa segunda fase, fazer aceder os cidadãos, a este ponto de vista. O que implicaria uma proposta de reconhecimento dos valores da Solidariedade Social Territorial da Cidadania. A proposta, teria de ser aceite e não imposta à instituição (desejo último do investigador).

Conforme se entende, cabe-nos, numa dissertação de mestrado, contribuir para a reflexão dessas autorrepresentações adentro dos novos valores.

Ora, é este o propósito deste capítulo.

6.2. Enquadramento da instituição da Re-food de Telheiras nos valores societais no