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A problemática da Educação Superior no Brasil: da proibição régia à criação de cursos profissionais isolados A recusa à criação de universidades.

Uma das características da dominação metropolitana portuguesa foi o fato de não permitir, nas suas áreas coloniais, a existência de instituições de ensino superior, salvo algumas escolas dirigidas principalmente pelos jesuítas. Tais instituições tinham caráter propedêutico às universidades portuguesas, sobretudo a de Coimbra, que recebia boa parte dos filhos dos “homens bons”, nossa elite colonial. Foi no contexto das invasões napoleônicas, que culminou com a transmigração do Estado português para o Brasil, que colocou-se de forma mais acentuada e urgente a necessidade de formação de pessoal com estudos superiores na colônia, logo depois elevada à categoria de Reino- Unido. Mesmo aí privilegiou-se o ensino profissional, a cultura bacharelesca e desta

A casa de Minerva – entre a ilha e o palácio Página 102 forma, ao invés da criação de universidades, foram criadas escolas superiores isoladas, destinadas a formar aqueles que se encarregariam da defesa e das obras públicas (engenharia militar e civil) e da saúde e higiene (medicina). A formação de bacharéis em Direito continuava restrita à metrópole.

São diversos os relatos daqueles que aqui chegaram, denunciando as péssimas condições de existência civilizada, bem como as “depravações e vícios” dos brasileiros. Dentre os diversos registros sobre o Brasil, no início do século XIX, destacam-se os de John Luccock (apud LOBO, 1980), que em suas notas sobre o Rio de Janeiro, registrou que “a constituição física dos brasileiros parece ser extraordinariamente fraca. Não se remedeiam os tratos errados que lhe dão durante a infância e a mocidade, em geral, e à medida que crescem e se fazem homens a depravação e os vícios contribuem para sua formação.” E, situação mais agravante segundo o cronista, é que os seus “conterrâneos que vão para o Brasil com bom aspecto, raramente deixam de o perder, dentro em breve.” (LOBO, 1980, p.5).

Diante do total quadro de insalubridade e "depravações" verificado no Rio de Janeiro, agora capital do Império português, o príncipe regente D. João, cria os primeiros cursos de medicina, com decreto de 05 de novembro de 1808. Esses cursos deram origem à Academia Médico Cirúrgica, e esta, a partir de 1832, passou a constituir a primeira Faculdade de Medicina.

A nova realidade também imprimia a necessidade de obras e melhorias urbanas , além de novas elites militares que zelassem pela defesa. Segundo Lobo (1980, p.5), “no centro da cidade as ruas eram calçadas com pedras de tal modo dispostas que formavam uma vala ou sargeta central e a esta tudo convergia; águas pluviais, lixo, esgoto”. Nesse quadro, em 4 de dezembro de 1808, foi criada a Academia Real Militar. Foi nesta Academia formalizado o primeiro curso de engenharia civil, que veio futuramente originar a Escola Politécnica.

Somente após o processo de emancipação política, já com D. Pedro I, vimos surgir o primeiro estabelecimento destinado à formação jurídica, dada a necessidade de magistrados capazes de servir aos interesses e necessidades do recém Império Brasileiro. Em 1825 foi criado na Côrte o primeiro Colégio para os estudos jurídicos ;

A casa de Minerva – entre a ilha e o palácio Página 103 em 1882, a Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, e , finalmente, em 1891, a Faculdade Livre de Direito da Capital Federal. A fusão destes dois estabelecimentos, em 1891, deu origem à Faculdade de Direito.

Diversas foram as tentativas, ainda no século XIX, de criação de universidades no Império. Mas todas fracassaram. Segundo Lobo (1980), em 1821, antes mesmo do movimento de emancipação política, José Bonifácio propôs a criação de uma universidade em São Paulo, constituída de três faculdades: Filosofia, Jurisprudência e Medicina. Em 1823, na Assembleia Constituinte no Rio de Janeiro, o tema foi novamente colocado em discussão, com apresentação de um projeto de lei que previa a existência de duas universidades, uma em São Paulo e outra em Olinda, onde se ensinariam todas as ciências e belas-artes. Em 1843, foi submetido ao Parlamento projeto de fundação da Universidade de Pedro II. Em 1880, um novo projeto governamental previa a construção de um conjunto de edifícios que abrigariam a universidade, projetados por Paula Freitas. As bases do Curatorium da futura universidade foram lançadas com inauguração solene feita pelo próprio imperador, em 13 de janeiro de 188118. A construção do prédio teve início, mas novamente a ideia de uma universidade no Brasil seria derrotada.

Às vésperas da deflagração do movimento militar que derrubou o governo imperial, em discurso proferido a 3 de maio de 1889, D. Pedro II reafirmaria sua intenção de criar duas universidades no Império, salientando que

entre as exigências da instrução pública, sobressai a criação de escolas técnicas adaptadas às condições e conveniências locais, a de duas universidades, uma ao sul e outra ao norte do Império, para centros do organismo cientifico e proveitosa emulação de onde partirá o impulso vigoroso e harmônico de que tanto carece o ensino (apud LOBO, 1980, p.29).

Luiz Antônio Cunha nos chama a atenção para as características que marcaram a heterogeneidade das forças que culminaram com a proclamação da república no Brasil, marcada pela descentralização administrativa / política federativa:

18 A construção do prédio teve início, mas acabou se transformando em sede do futuro Ministério da

Agricultura, no governo republicano. Hoje sedia a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), subordinada ao Ministério das Minas e Energia, na Avenida Pasteur, no bairro da Urca (RJ).

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Os militares, particularmente os oficiais do exército, tornaram-se republicanos diretamente, pela difusão entre eles do positivismo ou, então, indiretamente, pela difusão mais ampla do abolicionismo. À medida que os oficiais se empenhavam mais diretamente no movimento republicano, iam sendo punidos com prisões e remoções para quartéis distantes. (...) A república foi proclamada por um golpe de Estado, no desfecho de uma conspiração que reuniu liberais, como Rui Barbosa, positivistas, como o Coronel Benjamin Constant, e monarquistas ressentidos, como Marechal Deodoro da Fonseca. A Constituição promulgada em 1891 resultou de conflitos e composições de liberais (Rui Barbosa foi seu principal redator) e positivistas. O texto final, heterogêneo, permitiu a uns e outros reivindicarem para suas posições a defesa do ‘espírito republicano’, conforme as circunstâncias. O federalismo prevaleceu, apesar dos conflitos, como orientação principal do novo regime, o que correspondia aos interesses da burguesia cafeeira: as províncias foram transformadas em estados, regidos por constituições próprias, tendo seus governantes eleitos, suas forças políticas autônomas, podendo contrair empréstimos externos diretamente e legislar sobre questões fundamentais como a imigração (CUNHA, 1986, p. 152).

Vieram dos positivistas, ferrenhos opositores do regime monárquico (e de tudo o que se relacionasse ao “Antigo Regime”), grande parte das contestações ao estabelecimento de uma instituição universitária no Brasil. Tiveram grande influência na política educacional nos anos iniciais da República. A instituição universitária, para eles, levaria ao atrofiamento do desenvolvimento científico e à sistematização dos interesses de uma “pedantocracia” e dos “parasitas científicos”, a quem somente interessaria a aquisição de um diploma qualquer (LOBO, 1980, p.20).

Os positivistas defendiam que os diplomas escolares não refletiam, necessariamente, o mérito dos profissionais. Desde o Império propunham a abolição dos ‘privilégios’ dos diplomados, no exercício de profissões, e principalmente, na ocupação de cargos públicos, “incluindo-se aí os de professores das escolas superiores”. Defendiam ainda que “o provimento dos cargos públicos deveria ser feito pela verificação da competência dos candidatos através de concurso e de avaliação de seus trabalhos anteriores” (CUNHA, 1986, p.169). Essa defesa dos positivistas se confrontava com os interesses corporativos das profissões, sobretudo dos médicos, engenheiros e advogados que defendiam o monopólio do exercício profissional pela obtenção do diploma de Bacharel. Na Carta Magna prevaleceu a reserva para o exercício das profissões, com base no argumento de que “o privilégio profissional inerente a um diploma não feriria a liberdade profissional garantida pela Constituição,

A casa de Minerva – entre a ilha e o palácio Página 105 pois, afinal, os diplomas estariam disponíveis para todos que tivessem o preparo intelectual para conquistá-los, não sendo outorgados por privilégios estamentais” (CUNHA, 1986, p.169).

Entretanto, há que se considerar que os positivistas não se alinhavam às causas populares. Benjamin Constant, na verdade, “adaptava os projetos da doutrina positivista às necessidades do Estado (à formação de sua burocracia) e às demandas de setores da sociedade civil. Não as dos operários, artesãos, camponeses sem terra, ex-escravos, mas as das camadas médias urbanas” (1986, p.170).

Por que teriam os intelectuais positivistas tamanha rejeição à ideia de criação de universidades no Brasil? Alguns argumentos de Teixeira Mendes (apud LOBO, 1980, p.20-21), em seu Manifesto de 1882 publicado na Gazeta de Notícias e posteriormente em seu livro “A universidade”, em 1903, podem nos sinalizar para as possíveis causas: segundo Mendes, a instituição universitária teria surgido nos tempos das “trevas medievais”; desenvolvera-se depois sob a proteção dos déspotas e de suas monarquias absolutistas, além de serem, à época, consideradas instituições retrógradas em boa parte do ocidente. Somos levados à indagação: à qual modelo de universidade Mendes se reportava para tais formulações? A que redes de memórias sua discursividade se alinhava e procurava construir sentidos à sua visão da instituição?

Diversas são as vertentes explicativas para a resistência, em nossa história, à instalação da instituição universitária no Brasil. Alguns estudiosos atribuem o fato ao atraso de nossas elites, tanto imperial quanto republicana, frequentemente fazendo referência comparativa ao fato de a área de colonização espanhola ter vivenciado a experiência “universitária” desde o início do processo de colonização, no século XVI. Outros sinalizam para o alheamento de grande parte das universidades européias em relação às inovações tecnológicas e científicas verificadas no decorrer da Modernidade (sobretudo entre os séculos XVII e XIX) e dessa forma, não consideram negativamente a recusa por parte de nossa elite à criação dessas instituições no país. Merece destaque nesta linha argumentativa o fato de que grande parte das descobertas científicas e avanços tecnológicos foram desenvolvidos nas Academias de Ciências européias,

A casa de Minerva – entre a ilha e o palácio Página 106 criadas fora das universidades, justamente por não encontrarem nelas as condições adequadas para se estruturarem19.

Anísio Teixeira (2005) já se referia à característica dos colégios destinados aos filhos da elite cololonial, sobretudo aqueles administrados por jesuítas, que ministravam a educação clássica medieval européia, não se distanciando, em termos de conteúdo e qualidade, daqueles existentes na metrópole. Segundo o autor, não havia diferenças significativas entre Metrópole e Colônia quanto ao nível ou conteúdo da educação intelectual, se considerarmos que toda essa educação local ministrada pelos jesuítas iria completar-se com a educação universitária na Europa. Entretanto, esse grande pensador da Educação brasileira nos chama a atenção para um fato que merece destaque: não havia ainda, até pelo menos o século XIX, uma consciência, ou uma identidade específica de “brasileiro”. A elite que aqui vivia era considerada (e se considerava) como “portugueses nascidos no Brasil”. Esse sentimento de identidade lusitana, certamente estava vinculado à elite latifundiária, escravista e comercial da América portuguesa, a partir do compartilhamento de uma rede de memórias construtoras de discursividades que se alinhavam a Portugal, fazendo com que nossa elite se sentisse parte integrante (e não externa) não só da Universidade de Coimbra, como também das demais instituições portuguesas.

Embora tal aspecto mereça maiores estudos e cuidados, a fim de se perceberem as interdiscursividades e compartilhamentos de memórias pelas ideologias comuns que perpassavam as elites portuguesas ( quer da metrópole ou da América portuguesa [Brasil]), a menção de Teixeira a esse “compartilhamento de identidades” (2005, p. 138), pode nortear nossas afirmativas:

O brasileiro da Universidade de Coimbra não era um estrangeiro, mas um português nascido no Brasil, que poderia mesmo se fazer professor da universidade. O reitor Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, membro da Junta de Providência Literária, constituída para estudar e projetar a radical reforma universitária do tempo de Pombal, e, depois, o executor da reforma e reitor por cerca de trinta anos, era um brasileiro nascido nos arredores do Rio de Janeiro; José Bonifácio de Andrada, o brasileiro considerado patriarca da Independência do Brasil, foi antes, professor da Universidade de Coimbra. Como estes,

19 A respeito da institucionalização das Academias de Ciências e dos avanços da Revolução Científica

fora das universidades europeias, sugerimos a leitura da obra de Peter Burke, “Uma história social do conhecimento – de Gutemberg a Diderot”, lançado no Brasil pela Jorge Zahar Editor.

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vários outros “brasileiros” foram ali professores (TEIXEIRA, 2005, p. 137).

Sendo assim, podemos considerar a Universidade de Coimbra como uma força unificadora, aglutinadora e homogeneizadora do próprio Império Português, exercendo importante papel de convergência entre as diversas elites “portuguesas” espalhadas pelas várias áreas de colonização da metrópole européia, construindo o que denominamos de discursividades dos fenômenos sociais homogêneos.

Uma abordagem mais ampla e contextualizada sobre esta problemática pode ser encontrada nas explicações de Fausto Castilho (2008). Nessa obra, o autor remete-nos ao período pombalino, em Portugal, para percebermos as relações estabelecidas naquele país entre a instituição universitária, o Estado Português e a Igreja Católica, representada, no campo educacional, principalmente pela Companhia de Jesus. A forte ligação entre Estado e Igreja dava às universidades portuguesas, sobretudo a de Coimbra, uma feição conservadora, muito mais ligada à Escolástica do que ao pensamento “científico” que se ampliava durante os séculos XVII e XVIII. Era uma instituição de ensino e não de estudo, o que a caracterizava como propagadora de conhecimentos já sistematizados e aceitos pela ortodoxia católica, em detrimento da busca de novas formas de saberes. Daí seu caráter conservador e a tentativa do Marquês de Pombal, durante a fase do Despotismo Esclarecido em Portugal, de reformá-la e modernizá-la.

Dessa forma, a reação negativa à criação da instituição universitária em nosso país, conforme mencionado, teria um duplo sentido: havia aqueles que a consideravam ultrapassada e retrógrada, mas também os que a consideravam instituição potencialmente perigosa, subversiva à herança de uma ordem estabelecida pelo arcaísmo católico-português transplantado para o Brasil. O termo universidade não nomeia um só, mas “dois tipos de instituição: de um lado, a universidade medieval, também dita tradicional; de outro lado, a universidade moderna, cujo conceito só é descoberto no início do século XIX (com a Universidade de Humboldt), depois, portanto, do período pombalino” (CASTILHO, 2008, p.23). Castilho defende a hipótese de que é preciso o conhecimento do contexto sociopolítico em Portugal para entendermos as políticas educacionais implantadas (ou as tentativas de implantação), já

A casa de Minerva – entre a ilha e o palácio Página 108 que terão efeitos imediatos no Brasil, sobretudo a partir da vinda da Família Real, em 1808.

Ao examinarmos a forma como a educação superior se implantou no Brasil, a partir da criação de cursos isolados com escolas para a formação profissional, veremos que na falta de universidades, os profissionais liberais compuseram os quadros da ‘intelectualidade’, sobretudo no decorrer do século XIX e primeiras décadas do XX. Ainda segundo Castilho (2008, p. 42-44), essa formação bacharelesca contribuiu, de forma acentuada, para as sucessivas negativas para a criação das universidades em nosso território, bem como para a posterior estruturação das primeiras instituições a existirem, já que tal formação se pautava a partir de características como:

a) o ensinismo, já que as escolas reduziam suas atividades e o processo educativo à transmissão de saberes já sistematizados (ensino), em detrimento da elaboração de novos conhecimentos possibilitados somente pela atividade de pesquisa. Os locais de funcionamento dos cursos não tinham condições adequadas para os estudos ‘desinteressados’ da pesquisa científica, além de terem turmas numerosas, o que impedia o contato estreito entre mestres e estudantes;

b) o profissionismo, já que os cursos tinham finalidade pragmática, com seus currículos elaborados a partir de critérios utilitários. O pragmatismo associado ao utilitarismo que os caracterizavam levavam ao especialismo, que demandava a concretização do curso no menor tempo possível;

c) o isolacionismo das escolas, que se opunha à principal concepção da universidade moderna, que deveria ter como elemento constitutivo a coexistência do conjunto dos conhecimentos. Os estabelecimentos de cursos profissionais ficavam delimitados à área específica de seu conhecimento e atuação.

d) o autoditatismo e o substituísmo, já que as disciplinas teóricas eram estudadas sobretudo em função do instrumental necessário à qualificação profissional. Tais conteúdos eram adquiridos e transmitidos por profissionais liberais com formação autodidata, que caracterizou a cultura substitutiva compensatória nas escolas. Na falta dos verdadeiros ‘homens de ciência’ nas escolas superiores, os profissionais ocupam o

A casa de Minerva – entre a ilha e o palácio Página 109 vácuo deixado: “é o advogado a fazer as vezes de homem de letras; o médico que pretende ser biólogo; o engenheiro que se diz matemático ou físico, etc” (CASTILHO, 2008, p.44).

As primeiras décadas do século XX trouxeram as primeiras experiências de criação de universidades no Brasil. Podemos considerar que a primeira universidade fundada em nosso território foi a Universidade de Manaus, criada em 1909, “no auge da prosperidade resultante do ciclo da borracha” (CUNHA, 1986, p. 198). Após esta universidade, tivemos a experiência de outras duas “universidades passageiras”, no dizer de Luiz Antonio Cunha: a Universidade de São Paulo, criada em 1911 (que não deve ser confundida com a USP, criada em 1934) e a Universidade do Paraná, criada em 1912. Eram experiências de caráter local, em níveis municipal ou estadual e não ligadas ao Governo Central.

Somente em 1915, no governo de Wenceslau Braz, através da Reforma Carlos Maximiliano, o problema da criação da instituição universitária no país tomou aspecto legal. Em seu artigo 6º, dispunha que “o Governo Federal, quando achar oportuno, reunirá, em universidade, a Escola Politécnica e de Medicina do Rio de Janeiro, incorporando a elas uma das Faculdades Livres de Direito, dispensando-a da taxa de fiscalização e dando-lhe gratuitamente edifício para funcionar” (apud FÁVERO, 2007, p.14). Estava criado o dispositivo legal para a estruturação da futura Universidade do Rio de Janeiro (URJ), que se deu a 7 de setembro de 1920, pelo Decreto nº. 14.343 (ANEXO A).

Sabemos que todo ato educativo é um ato político. Nesse sentido, não devemos entender a história da educação em nosso país a partir de uma visão de “fracasso”: a educação dos brasileiros, até o início do século XX, era aquela necessária à reprodução da sociedade elitista, escravista e agro-exportadora então existente. O número restrito de pessoas que tinham acesso à educação era consequência de uma realidade objetiva. Conforme nos salienta Bomeny (2001, p. 92), “não há fracasso quando não se quer ganhar.” É nessa linha de raciocínio que retornamos a Durkheim, reforçando nossa concepção de que é inviável um estudo sobre a história da educação, das práticas e das políticas educacionais, bem como das diversas histórias das instituições educativas, nos seus diversos níveis, sem levarmos em conta a constante observação do contexto maior

A casa de Minerva – entre a ilha e o palácio Página 110 no qual se inserem. Numa perspectiva mais abrangente, procuramos relacionar o campo educacional com a construção da memória social. No caso específico, a existência de uma homogeneidade ideológica da elite brasileira, bem como a posterior configuração das instituições de ensino superior no Brasil, a partir do compartilhamento de ideologias, fato possível somente pela existência de uma rede de memórias e identidades construídas a partir da matriz européia.

Consideramos que o desenvolvimento da educação em nosso país, desde o império, é um exemplo do quanto nossa elite, sempre identificada com os ideais externos metropolitanos (e posteriormente os franceses), esteve habituada à submissão cultural e à “adaptação”, em nossas terras, de instituições consideradas modelares na Europa, como a própria Universidade (mesmo em seus períodos de estagnação e intervenções pelos diversos Estados e processos revolucionários) ou as Écoles ou Academias, que se destinavam ao desenvolvimento de estudos de “saber desinteressado” (locais onde se gestou a Revolução Científica durante a Modernidade).

Procurando estabelecer uma conexão entre a trajetória da história da educação no Brasil e as memórias produzidas no decorrer desse processo, remontando-nos a Halbwachs: pretendemos estabelecer, com base nas relações permeadas pelas construções das memórias coletivas, novas possibilidades de significação para o complexo processo de constituição do campo educacional em nosso país, sobretudo no aspecto particular que nos interessa, que é a criação e consolidação da instituição universitária na antiga capital do Império e da República. Para tal empreendimento, consideramos necessária, neste trabalho, a adoção de uma perspectiva relacional, que procure aliar o micro ao macro, o particular ao geral, o individual ao social, a história oficial, registrada a partir das ideologias dominantes, com as diversas redes de memórias e discursos a que se filiam os diversos atores sociais.