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PROBLEMAS DE CUNHO GERAL NA GESTÃO DO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO NOS LICENCIAMENTOS AMBIENTAIS

3 PROBLEMAS NA GESTÃO E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO EM LICENCIAMENTOS AMBIENTAIS ESTADUAIS

3.7 PROBLEMAS DE CUNHO GERAL NA GESTÃO DO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO NOS LICENCIAMENTOS AMBIENTAIS

Os problemas e entraves abordados neste item estão relacionados com questões transversais, ou seja, são inerentes a todas as etapas ou do processo como um todo, além de novas dificuldades enfrentadas a partir da aplicação da IN.

Grande problema existente na GPA em licenciamentos, comum a projetos que envolvem diversos stakeholders, refere-se à falta de articulação e a ausência de comunicação entre os atores estratégicos e intervenientes (ver Apêndice G), os quais ocasionam problemas e conflitos de toda ordem, refletindo na GPA e em impactos ao patrimônio arqueológico, tendo em vista que a articulação institucional está diretamente relacionada com tomadas de decisões e a execução de medidas e ações.

A falta de articulação política também está no rol dos problemas apontados por Montalvão (2015), sendo a mesma essencial para a efetividade e eficácia da GPA em licenciamentos ambientais.

Pode-se afirmar que o principal problema relacionado com a falta de articulação/ comunicação institucional está na própria falta de participação do IPHAN nos licenciamentos, tendo em vista que a mesma somente será garantida a partir da articulação/comunicação contínua e permanente entre o IPHAN e os órgãos gestores ambientais, bem como por meio de acordos firmados e o do cumprimento dos mesmos.

A falta de diálogo entre o IPHAN e os órgãos ambientais ocorre desde a vigência da Portaria nº 230, ocasionando dificuldades na preservação do patrimônio, conforme destacado por Montalvão (2015, p. 118):

Observa-se que não existia diálogo entre os pares, ou seja, o IPHAN não se relacionava diretamente com os órgãos licenciadores ao longo do processo. Tal situação poderia gerar desgaste nas relações políticas e institucionais contribuindo para o enquadramento do IPHAN enquanto “instância perturbadora” dos processos de desenvolvimento.

Destaca-se que, em situações onde os atores fazem parte de mais de uma esfera do poder, as soluções de problemas perpassam pela aplicação do princípio da cooperação, de modo que os acordos firmados estejam refletidos nas ações executadas pelas partes interessadas, as quais devem ser integradas, convergindo para o mesmo objetivo, no caso da GPA, o da preservação do patrimônio arqueológico.

No entanto, a falta de aproximação e de cooperação entre as instituições não é evidenciada ainda no contexto atual, mesmo diante das ações empreendidas pelo IPHAN para tentar mudar tal cenário e garantir a aplicação da IN.

Tal afirmativa está calcada em situações como as adotadas nos casos do Rio Grande do Sul e do Mato Grosso, detalhadas no capítulo seguinte, em que os gestores ambientais adotaram medidas para conferir celeridade aos processos, comprometendo a participação do IPHAN nos licenciamentos e, consequentemente, a preservação do patrimônio arqueológico, não ocorrendo o princípio da cooperação.

É de suma importância considerar também a necessidade de aproximação dos arqueólogos do IPHAN e da SAB, tendo em vista os reflexos na preservação do patrimônio, segundo registrado por Ferreira (2011 apud MONTALVÃO, 2015, p. 131).

Como comenta a autora, nas divergências entre a SAB e a Coordenadoria, os arqueólogos perderam a oportunidade de se unir a um órgão federal de preservação e daí poder tirar proveito para a arqueologia brasileira (FERREIRA, 2011, p. 75).

[...] A relação dos arqueólogos do Instituto com os membros da SAB, Sociedade Brasileira de Arqueologia, criada na década de oitenta, também repercutiu na preservação do patrimônio arqueológico brasileiro. As discordâncias técnico-operativas ocorridas entre os mesmos ocasionaram um impacto negativo na proteção destes bens até os dias atuais (FERREIRA, 2011, p. 127-128).

A falta de articulação estende-se ainda aos demais atores, onde ocorre a séria dificuldade de compatibilização dos interesses dos stakeholders na GPA, que geralmente são conflitantes, interferindo nas tomadas de decisões, de acordo com Gomes (2017), Montalvão (2015) e Caldarelli e Caldarelli (2015).

Sabbag (2009, p. 16) ao descrever sobre gestão de projetos, afirma que “como há muitas partes interessadas, é de esperar que elas apresentem interesses conflitantes”. O autor enfatiza a questão dos conflitos e a importância da articulação institucional, da compatibilização dos interesses e do gerenciador de projetos, como necessários para o sucesso do mesmo e o alcance dos objetivos.

Lidar com stakeholders significa conciliar esses interesses e influenciá-los em benefício do projeto. É mais um fato que amplia a complexidade do gerenciamento, mas ele é crucial para o sucesso.

Objetivos conflitantes e agentes conflitantes, em contexto marcado por riscos e incertezas, vejam só que dificuldade! A consequência natural disso é a ocorrência de crises, urgências, conflitos e até mesmo perda de controle. Ora, se a execução do projeto pudesse seguir a “reboque” de acontecimentos, não seria preciso um gerenciador (SABBAG, 2009, p. 16).

Os conflitos de interesses da AC inserem a “Arqueologia Brasileira na “Tragédia dos Comuns”: conceito econômico cuja metáfora teoriza que ações individuais ou plurais contrárias ao interesse coletivo, e que incidem sobre a sustentabilidade de recursos finitos, geram prejuízos a todos os envolvidos”, de acordo com Boechat (2013, p. 61).

Segundo Caldarelli e Santos (2000), dentre os principais problemas da AC estão os de relacionamento com contratantes, com o órgão licenciador e com outros profissionais, ou seja, de relacionamento entre os atores na GPA.

Funari (2008 apud FERREIRA, 2011, p. 59) afirma que “no Brasil, o estado é ainda incapaz de controlar os contratos em arqueologia e as ações de resgate patrimonial. Desta forma, os interesses das empresas acabam prevalecendo sobre a preservação arqueológica”.

De acordo com Boechat (2013, p. 13), para a sua solução não é suficiente a legislação como “reguladora e mediadora de conflitos entre os interesses pró- patrimônio arqueológico, preservação e pesquisa e os interesses econômicos de uma sociedade capitalista globalizada, arraigada nos valores do bem-estar social”.

Nestas situações, o ideal é a compatibilização dos interesses de ambos, sendo flexíveis até o limite que seja adequado para cada um, sem perder o foco no objetivo de preservação. Conforme Martins (2011, p. 165):

Num campo marcado por interesses difusos é preciso que cada um desempenhe sua função, com eficácia, e com a clareza de que ao lidar com as questões patrimoniais estão se envolvendo com um tipo de patrimônio que é público e que deve ser tratado como tal. Entretanto, tanto em uma quanto em outra situação, parece que o caminho mais viável é incluir na esteira das discussões a formulação de políticas públicas.

A falta de esclarecimento dos atores sobre Arqueologia e Patrimônio e a importância da sua preservação também interferem nas tomadas de decisões e “somente o reconhecimento da importância desses bens pela sociedade pode gerar o apoio às ações preservacionistas e ao emprego das receitas que demandam a gestão do patrimônio” (MONTALVÃO, 2015, p. 134). No entanto, somente a execução de ações de EP na GPA possuem abrangência limitada, se considerada a sociedade como um todo.

A burocratização também está entre os problemas enfrentados na GPA, conforme apontado por arqueólogos como Paulo Seda, Marco de Mazi, Paulo Zanettini e Flávio Calippo (apud SAB, 2016l) e, consequentemente, sendo o IPHAN indicado por distintas esferas do Governo como entrave e o responsável por atrasos nos licenciamentos ambientais (CALDARELLI e CALDARELLI, 2015; SAB, 2017a).

O demasiado tempo para as análises e manifestações do IPHAN e, consequentemente, o descumprimento dos prazos estabelecidos na IN, estão entre os principais problemas na GPA, segundo descrito por Gomes (2017) e Caldarelli et al. (2003) e manifestado no I Fórum da SAB (2016l) por Rosana Najjar, Roberto Stanchi, Paulo Seda, Paulo Zanettini, Solange Caldarelli, entre outros participantes.

Quanto aos prazos previstos, a IN tenta ser criteriosa. No entanto, é sabido que o número reduzido de servidores e a falta de estrutura e desaparelhamento do IPHAN, tornam tal diploma legal sem plenas condições de ser cumprido, que, aliados à complexidade no fluxo dos procedimentos estabelecidos, podem ocasionar ainda mais atrasos em todo o processo, e, consequentemente, nas obras e na preservação.

Como consequência da incapacidade de resposta do IPHAN, ocorre também o descompasso nos cronogramas das instituições gestoras ambientais e do patrimônio, a emissão das licenças sem manifestações do IPHAN, o início das obras sem a presença de arqueólogo, e até mesmo o aumento dos cronogramas x custos, ou seja, a decorrência dos atrasos reflete na GPA e na preservação do patrimônio arqueológico, colocando em risco o patrimônio a ser preservado.

A falta de padronização nos procedimentos de acordo com os técnicos e por cada Superintendência do IPHAN, com a aplicação e exigências de critérios distintos ainda estão entre as dificuldades enfrentadas, conforme descrito no item seguinte.

Problemas referentes à incompatibilidade entre os cronogramas dos serviços arqueológicos e das obras e a escassez de recursos financeiros para todas as atividades, especialmente no caso de obras públicas, descritos anteriormente nas etapas específicas, também são inerentes a mais de uma fase do processo e conferem, comprovadamente, dificuldades para a gestão e a preservação do patrimônio, refletindo em uma composição delicada a ser conciliada: equipe enxuta x cronogramas justos x qualidade dos serviços e dos produtos emitidos.

Nesse aspecto, é crítica efetuada por José Pellini no I Fórum de Arqueologia Preventiva (via vídeo apud SAB, 2016l), a forma de condução atual de preservação do patrimônio arqueológico na AC:

Nesse modelo de custo x benefício, as tradições, as fases e mesmo os levantamentos de campo se apegam perfeitamente às propostas comerciais, pois genealizam o conhecimento, reduzem o custo e objetivam o corpo do arqueólogo. Aqui, o processo reflexivo, o processo de imersão é visto como economicamente inviável e pressupõe maior tempo em campo, um maior engajamento com o material, um maior contato com a comunidade, um maior tempo com as materialidades.

A disponibilidade de recursos insuficientes pode ser resultado ainda de orçamentos enxutos elaborados nas etapas iniciais do projeto, bem como por descobertas de sítios arqueológicos, o que não há como ser previsto antecipadamente, extrapolando quaisquer estimativas efetuadas.

Exemplo típico é o caso do Cais do Valongo, cuja quantidade de material resgatado ultrapassa a casa de um milhão, com necessidade de providências de espaço físico adequado e análises laboratoriais, catalogação, entre outras, segundo Andrade Lima (informação verbal, 2016)67.

Segundo apontado na etapa de monitoramento e relatado por Paulo Seda (apud SAB, 2016l), a problemática envolve também cronogramas/ prazos demasiadamente curtos para as pesquisas arqueológicas e demais ações/ medidas para a preservação do patrimônio, envolvendo todas as etapas do processo.

Conforme Santos (2001, p. 156) “exige-se do pesquisador responsável, além de competência científica, criatividade para adequar os recursos humanos e financeiros disponíveis, o cronograma da pesquisa e as condições de logística”.

Desta forma, destaca-se a importância e a necessidade de preparo e conhecimento pelos profissionais da área para as especificidades de planejamento e de gestão de projetos, afinados com as necessidades e os desafios atuais da GPA em licenciamentos.

Quanto aos problemas atuais classificados como cunho geral, estão ainda os relacionados com a aplicação da IN nº 01/2015 (BRASIL, 2015b), considerada primeiramente a possibilidade de interpretações equivocadas e a execução inadequada dos procedimentos a partir de fragilidades, deficiências e lacunas de tal normativa.

A aplicação do Artigo 50 da IN confere, para empreendimentos de Nível II, a impossibilidade de o arqueólogo coordenador ou o arqueólogo coordenador de campo receberem autorizações do IPHAN até a finalização da obra a que se referem.

Em termos práticos, com vistas a conferir a presença do arqueólogo durante toda obra e, consequentemente reduzir riscos ao patrimônio pelas atividades civis, há um engessamento, com o impedimento de o arqueólogo gerenciar mais de um projeto em paralelo.

67 Em aula ministrada na Disciplina Arqueologia Urbana (Especialização em Arqueologia e Patrimônio) - Escola de Humanidades, PUCRS, Porto Alegre, RS, 16 fev. 2016. Ver mais em Andrade Lima (2013) e IPHAN e Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (2016).

Diante de tal fato, tem sido adotada como solução, por diversas vezes, a proposta de classificação de Nível III para o que seria Nível II originalmente na IN, de modo a ser efetuada a pesquisa e executadas as demais ações correlatas para a preservação do patrimônio, em substituição ao acompanhamento de toda a obra.

Para os empreendimentos de Nível II foi estabelecida ainda, segundo o Artigo § 4º do Artigo 16 da IN, a exigência de um arqueólogo coordenador de campo para cada frente de obra, com o consequente aumento de mão de obra especializada e dos custos, o que pode impactar negativamente o objetivo da preservação, conforme já descrito.

Foi identificado ainda problema referente à fragmentação das obrigatoriedades do empreendedor quanto ao patrimônio cultural, dispostas em distintos documentos (IN + TRE), resultado de deficiências e lacunas da normativa, como é o caso da ausência de exigência de proposta preliminar de produção do conhecimento quando indicada a preservação in situ dos sítios arqueológicos, conforme descrito no item em continuidade.

Na atualidade tem-se ainda um checklist seguido pelos técnicos do IPHAN para análises e as manifestações, com vistas a padronização dos procedimentos nas Superintendências e conferir celeridade ao andamento dos processos, atentando-se ao atendimento de tudo que é necessário, conforme apontado por Rosana Najjar (apud SAB, 2016l).

No entanto, além de não ser de conhecimento dos arqueólogos, pode ser problemático ao passo que, provavelmente, não considera as especificidades de cada área/ projeto, podendo constituir mera ferramenta que torna o processo “mecânico”, não sendo efetiva e com reflexos negativos.

Encerra-se a descrição dos problemas de cunho geral com duas questões de suma importância, quanto à fiscalização (ou falta de) e o descumprimento da legislação que regra a preservação do patrimônio arqueológico em licenciamentos ambientais.

Assim como a falta de estrutura/desaparelhamento do IPHAN e o reduzido quadro de funcionários refletem em não atendimento dos prazos da IN, há incapacidade para a execução de todo o controle e fiscalização necessários ao cumprimento da normativa, em especial da participação do IPHAN nos licenciamentos, da gestão dos sítios “preservados” in situ (por vezes em total estado de abandono), das coleções, das ações de EP e da produção documental.

Apesar de avanços terem ocorrido, conforme descrito no próximo capítulo, o estabelecimento de procedimentos internos para fiscalizações contínuas e

permanecentes são necessárias, na busca pelo alcance dos objetivos de cumprimento da legislação e da tão almejada preservação do patrimônio.

A problemática da fiscalização e do descumprimento das legislações voltadas à preservação do patrimônio arqueológico no Brasil é descrita por Ferreira (2011, p. 28):

A falta de aplicabilidade dessas leis inicia-se com a deficiência na fiscalização e controle dos órgãos públicos responsáveis pela preservação do patrimônio arqueológico, passando pela ausência de uma política de gestão interativa entre os poderes públicos municipal, estadual e federal, que buscassem diretrizes voltadas para a educação patrimonial de populações locais, que se apropriariam de uma maneira positiva dos bens arqueológicos e se tornariam defensores destes bens existentes em seu território.

[...] se há dificuldades em se fazer cumprir a legislação, a questão não se restringe à área da arqueologia, mas abrange vários setores legais do país, necessitando-se de uma estruturação de trabalho dos órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio de modo geral e de maneira integrada (BASTOS e SOUZA, 2008 apud FERREIRA, 2011, p. 61).

Porém, mesmo que cumprida a legislação, os interesses desenvolvimentistas podem se sobrepor à preservação, segundo pontuado por Boechat (2013, p. 63):

[...] as exigências do desenvolvimento a qualquer preço, sem aprofundamento da análise dos interesses em jogo nos grandes empreendimentos, viabilizam, por um lado, o levantamento superficial do patrimônio arqueológico na área diretamente atingida mas, por outro, implica na destruição ou sepultamento desse mesmo patrimônio recém revelado [...]

Nota-se que os autores descreveram situação verificada na época da vigência da Portaria nº 230, cujo problema não foi solucionado até o estágio atual dos estudos, pelo contrário, possivelmente agravado em momentos de crises econômica e política. Enquanto isso, quanto e quais patrimônios tem deixado de ser preservados?

Por fim, cabe citar ainda a existência de problemas relacionados com as recorrentes paralisações de obras no Brasil e, possivelmente, quando da sua retomada, conforme descrito por Gomes (2017), que apesar de terem sido identificados na vigência da Portaria nº 230, são aplicáveis ao contexto atual, com destaque para empreendimentos públicos, consideradas as burocracias relacionadas com a obrigatoriedade de licitações.

Quanto aos problemas relacionados com as ações de EP, são abordados em conjunto com os aspectos positivos da IN, que buscam conferir soluções as mesmas. No entanto, resta o questionamento: as determinações do dispositivo legal em vigor foram suficientes para resolver os problemas das ações de EP empreendidas no âmbito dos licenciamentos ambientais?

3.8 PROBLEMAS DA ARQUEOLOGIA PREVENTIVA NO CONTEXTO ATUAL SOB

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