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3 PROBLEMAS NA GESTÃO E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO EM LICENCIAMENTOS AMBIENTAIS ESTADUAIS

3.1 PROBLEMAS PRELIMINARES AO INÍCIO DOS ESTUDOS

Os problemas identificados e evidenciados para a preservação e a GPA nos licenciamentos ambientais iniciam antes mesmo da contratação dos estudos e da abertura dos processos nos órgãos gestores.

Em licenciamentos ambientais, a primeira atividade realizada compreende a avaliação acerca da necessidade de realização do mesmo. Desta forma, é efetuada a classificação da tipologia e do porte do empreendimento e, caso confirmada a obrigatoriedade, é verificada a esfera do licenciamento (federal, estadual ou municipal).

Depara-se aqui com um questionamento enfrentado até a atualidade pelos empreendedores e pelos próprios gestores ambientais: existe a necessidade de realização de estudos arqueológicos/licenciamento do patrimônio junto ao IPHAN?

Atualmente, o regramento para a participação do IPHAN nos licenciamentos está disposto apenas em uma IN, que se encontra na base da pirâmide hierárquica dos diplomas legais e que, juridicamente, consiste em ato administrativo expresso por ordem escrita expedida pelo Chefe de Serviço ou Ministro de Estado a seus subordinados, dispondo normas disciplinares que deverão ser adotadas no funcionamento de serviço público.

Desta forma, a participação do IPHAN nos licenciamentos é estabelecida em um diploma legal orientativo aos servidores da instituição, não havendo outra legislação que a determine claramente aos demais atores no processo, em especial, empreendedores e órgãos ambientais, ocasionando dúvidas sobre quando realmente deverão ser efetuados estudos e demais ações relacionadas ao patrimônio arqueológico e demais bens culturais, sendo até mesmo questionada sua juricidade58.

Conforme apontado em 1916 por Dvořák (2008 apud MONTALVÃO, 2015), na época já existiam problemas para que órgãos estatais e conservadores empreendessem ações de preservação, tidos como instâncias “perturbadoras”, o que é verificado ainda na atualidade, mais de 100 (cem) anos após tal afirmativa.

Em vez de receberem apoio e auxílio, esses institutos geralmente têm suas tarefas prejudicadas ao serem consideradas como instâncias perturbadoras, que se metem em assuntos que não lhes dizem respeito, querendo limitar o livre direito de dispor dos proprietários. Infelizmente, ainda existem muitas personalidades eminentes que fazem questão de dizer: não vou deixar que o conservador ‘x’ ou ‘y’ me diga o eu devo ou não fazer (DVOŘÁK, 2008, p. 105). [...] Quando se trabalha na Preservação do Patrimônio Arqueológico, no âmbito da Arqueologia Preventiva, ainda é comum ouvir pessoas com formação superior como engenheiros, advogados, administradores, etc. questionarem a participação do Órgão no processo do Licenciamento Ambiental, tratando os aspectos culturais ameaçados pelos empreendimentos como questões insignificantes defendidas por uma “instância perturbadora” que se mete em assuntos alheios de maior importância (MONTALVÃO, 2015, p. 30-31).

Somada a dúvida relacionada à questão jurídica, a redação da normativa reforça a suspeita acerca da obrigatoriedade de participação do IPHAN nos licenciamentos, apesar de a IN nº 01/2015 (BRASIL, 2015b) ter avançado em termos de abrangência (não sendo apenas para empreendimentos sujeitos a EIA-RIMA)59.

Segundo disposto desde o Art. 1º da IN e outros ao longo da mesma, os procedimentos estabelecidos devem ser observados pelo IPHAN “quando for

instado a se manifestar pelos órgãos ambientais”, podendo ser considerada a

principal fragilidade da IN.

É evidente que a IN seguiu a base da Portaria Interministerial nº 60/2015 (BRASIL, 2015a), aplicada aos trâmites entre o IPHAN e o IBAMA60, segundo afirmado por Stanchi (IPHAN, 2015b), comprometendo assim a participação do IPHAN nos licenciamentos estaduais e municipais, uma vez que relega aos órgãos ambientais tal decisão, refletindo na preservação do patrimônio arqueológico e, ainda, o fluxo dos procedimentos descrito na IN não reflete o que é realizado em tais esferas.

Conforme afirmado por Roberto Stanchi (IPHAN, 2015b), é obrigatória a

consulta formal ao IPHAN em todos os processos de licenciamento ambiental,

mesmo que não seja solicitada a manifestação da instituição e que não sejam exigidos estudos arqueológicos nos TRs dos órgãos ambientais, o que é bastante recorrente, agravado pela disponibilização de TRs muitas vezes desatualizados, como evidenciado na prática em diversas ocasiões.

Porém, a dispensa dos estudos arqueológicos somente poderá ser efetuada pelo IPHAN e, caso o empreendedor não efetue a abertura de processo junto ao mesmo,

59 Os estudos arqueológicos são claramente exigidos na Resolução CONAMA nº 01/1986 (BRASIL, 1986) e constavam na Portaria nº 230/2002 (BRASIL, 2002).

60 Tal base considera que o órgão gestor ambiental, de posse dos estudos, em tempo determinado, é o responsável pela solicitação de manifestação das entidades envolvidas no processo de licenciamento, o que já era praticado pelo IBAMA e pelo IPHAN desde 2011, quando da publicação da Portaria anterior.

poderá ser ter seu empreendimento paralisado (IPHAN, 2015b). No entanto, outro problema é evidente, tratando-se de como é executada a fiscalização pela instituição acerca da sua participação e da GPA como um todo nos processos de licenciamento? São executados procedimentos internos ou é efetuada apenas por meio de denúncias?

Segundo apontado por Gomes (2017), desde a vigência da Portaria nº 230, a execução de estudos e ações de preservação do patrimônio arqueológico ocorria apenas nos casos em que o órgão ambiental os demandasse em seus TRs, permanecendo até a atualidade, independente da mudança de dispositivo legal.

Ainda, de acordo com a autora, quando demandada, “a manifestação do IPHAN era buscada em resposta a solicitação do gestor ambiental, como condição para a emissão das licenças. No entanto, em diversas situações, o órgão ambiental emitia as licenças apenas com o protocolo de abertura do processo junto ao IPHAN” (GOMES, 2017, p. 29).

Como resultado, estudos e ações de preservação do patrimônio arqueológicos não integraram e continuam não fazendo parte de diversos licenciamentos ambientais, cuja falta de participação do IPHAN pode ser comprovada ao ser efetuado o comparativo entre o número de portarias emitidas pela instituição x licenças exaradas, por exemplo, pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler (FEPAM), no RS, estado com o maior quantitativo de sítios no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA), em outubro de 2017, segundo especializado na Figura 1 (IPHAN, 2017a).

De acordo com os gráficos elaborados com base em IPHAN (2018b) e FEPAM (2018), contemplados no Apêndice H, para a hipótese do total de LPs e LIs apenas de empreendimentos de porte excepcional emitidas anualmente pela FEPAM no RS, entre 2000 e 2017, o número de Portarias do IPHAN-RS, para Arqueologia Preventiva, é bastante reduzido, superado apenas em 2014, cuja diferença aumenta exponencialmente se avaliada a totalidade de LPs e LIs de empreendimentos de todos os portes licenciáveis no RS, no mesmo período61.

Segundo comprovado e de acordo IPHAN (2015b), a participação da instituição é ainda pequena diante do universo dos processos de licenciamentos ambientais. Diante de tal situação questiona-se, quanto patrimônio deixou de ser preservado?

De acordo com o número total de Portarias emitidas e publicadas e o número de licenças ambientais, fica evidente que o IPHAN não está participando dos processos de licenciamento como deveria e, provavelmente, o patrimônio

arqueológico está sendo impactado com as obras realizadas (Conforme verbalizado por (STANCHI apud IPHAN, 2015b).

Figura 1 - Sítios Arqueológicos Cadastrados no CNSA

Fonte: IPHAN (2017a).

Em Minas Gerais, relatos de funcionários do IPHAN ao MPF reforçam tal problema, ao revelarem “a existência de incompatibilidades entre o número de empreendimentos com significativo grau de degradação ambiental e aqueles acompanhados pelo IPHAN” (FERREIRA, 2011, p. 62).

De acordo com Neves (2013), parte do patrimônio arqueológico foi e está sendo destruído em nome do progresso: “estamos estudando muita coisa, mas muito está sendo destruído e não temos noção do tamanho dessa destruição, que é irreversível”.

Pode-se afirmar que a falta de participação do IPHAN nos licenciamentos ambientais é o maior problema enfrentado, uma vez que, sem a mesma, não há prevenção de impactos ao patrimônio arqueológico e, tampouco, a sua preservação.

Neste fato tem-se ainda adicionado outro agravante, para o caso de empreendimentos não licenciáveis, cujo rol tem sido aumentado a cada dia. Mais uma vez recorre-se ao caso do RS, que publicou recentemente a Resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (CONSEMA/RS) nº 372/2018 (RIO GRANDE DO SUL, 2018), em que são evidenciados empreendimentos relacionados no Anexo II da IN que não mais estão sujeitos ao

licenciamento, como é o caso de redes de esgoto doméstico em vias existentes ou em zona urbana consolidada e de sistemas de distribuição de água tratada.

Significa que empreendimentos de pequeno porte, baixo potencial poluidor ou localizados em zonas urbanas consolidadas não ocasionam impactos ao meio ambiente e ao patrimônio? Para a resposta a tal questionamento adota-se como exemplo o caso do Cais do Valongo, Patrimônio Mundial da Humanidade, descoberto a partir das obras de revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro, ou seja, em zona urbana consolidada.

De acordo com relato de Andrade Lima (informação verbal, 2016)62, a preservação do patrimônio urbano, geralmente históricos, ficou prejudicada com a IN, tendo sido um “duro golpe para o patrimônio arqueológico urbano”.

Diante do exposto, por meio das análises efetuadas, afirma-se que permanece necessária a readequação do diploma legal que rege a preservação e a GPA nos licenciamentos ambientais, de modo que defina claramente a participação do IPHAN e corrija as fragilidades, as lacunas e as deficiências da IN e seja efetiva na preservação do patrimônio arqueológico, no entanto, com o cuidado para que não sejam acrescidas mais burocracias ao processo.

3.2 PROBLEMAS PARA O PREENCHIMENTO DA FICHA DE CARACTERIZAÇÃO

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