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Propostas de Lei nº 1.119/2015 e nº 5.456/2016: Regulamentação da Profissão de Arqueólogo

4 PERSPECTIVAS, AVANÇOS E DESAFIOS NA GESTÃO E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO EM LICENCIAMENTOS AMBIENTAIS

4.1 PERSPECTIVAS (OU FALTA DE PERSPECTIVAS) PARA A PRESERVAÇÃO: AVANÇOS OU RETROCESSOS?

4.1.5 Propostas de Lei nº 1.119/2015 e nº 5.456/2016: Regulamentação da Profissão de Arqueólogo

Pleiteada desde 1988, a regulamentação da profissão de arqueólogo foi proposta pela primeira vez por meio do PL nº 646/1988 (BRASIL, 1988c), apresentado na Câmara de Deputados em 05 de maio do mesmo ano, tendo como autor o Deputado Federal Álvaro Valle (extinto Partido Liberal - PL/RJ). No entanto, foi avaliada e arquivada em menos de um ano, em 05 de abril de 198985.

Atualmente, a regulamentação da profissão avançou na Câmara dos Deputados em 14 de abril de 2015, por meio da proposta do PL nº 1.119/2015 (BRASIL, 2015e), originário do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 01/2014 (BRASIL, 2014), de autoria da Senadora Vanessa Grazziotin (Partido Comunista do Brasil/Amazonas - PCdoB/AM)86.

Conforme descrito no Parecer 2 do relator da CCJC, a “regulamentação profissional objetiva resguardar o interesse público, definindo a capacitação técnica adequada para que determinado profissional execute bem aquele serviço, atendendo às pessoas que dele se beneficiam” (BRASIL, 2015e). O relator ainda complementa:

Assim, a regulamentação de uma profissão é justificada quando há interesse público a proteger, que é o caso das profissões cujo exercício é

85 A tramitação e os documentos associados ao PL nº 646/1988 (BRASIL, 1988c) poderão ser acessados em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=180220>.

86 A tramitação e os documentos associados ao PLS nº 01/2014 (BRASIL, 2014) poderão ser acessados em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/115983>.

intimamente ligado à vida, à saúde, à educação, à segurança, ao patrimônio da sociedade, como a Arqueologia, cujo foco de trabalho é o patrimônio público, bem da nação brasileira (grifo do autor).

Diante do exposto, ousa-se descrever que a regulamentação da profissão de Arqueólogo deve ser interesse da nação, uma vez que a prática das atividades de tal profissional é voltada e essencial para a conservação, proteção e preservação do patrimônio arqueológico, considerado bem da União e, portanto, do povo brasileiro.

Designada para tramitação na CTASP e na CCJC, em caráter prioritário, foi apresentado parecer favorável da relatora da CTASP, em 13 de julho de 2015, aprovado por unanimidade, em 05 de agosto do mesmo ano, passando para análise da CCJC, onde foi exposto parecer também favorável, em 18 de novembro de 2015, porém com proposta de substitutivo pelo relator Deputado Federal Marco Tebaldi (PSDB/Santa Catarina - SC)87.

Dentre os principais diferenciais do substitutivo do PL nº 1.119/2015 em relação à sua versão original, está a proposição de redução significativa do tempo de experiência de atuação na área da Arqueologia, principalmente em se tratando de profissionais graduados em outros cursos de nível superior, inclusive dando abertura até mesmo para aqueles que não tenham concluído especialização na data de publicação da legislação ou que nem sequer possuam graduação.

O substitutivo prevê ainda maior flexibilidade em relação às formas de comprovação da experiência profissional, dispõe que o exercício da profissão de Arqueólogo independe de registro e, ainda, a responsabilidade sobre o acompanhamento de todas as etapas de pesquisas arqueológicas é estendida a outros profissionais que não apenas aos autores dos Planos, Programas e Projetos Arqueológicos.

Logicamente que a permissão de atuação de profissionais sem a devida formação técnica e experiência é bastante temerária, em especial no caso da Arqueologia, uma vez que o patrimônio arqueológico é um recurso cultural frágil e não renovável.

Caso os trabalhos não sejam efetuados de modo adequado e criterioso, fragilizam os bens culturais e incorrem em elevados riscos de perda de dados e informações preciosas que possibilitariam a reconstituição do passado. Como bem descrito no Parecer 2 do relator da CCJC, “a prática da arqueologia por pessoas não qualificadas é uma ameaça à preservação da memória histórico-cultural do nosso país” (BRASIL, 2015e).

87 A tramitação e os documentos associados ao PL nº 1.119/2015 (BRASIL, 2015e) poderão ser acessados em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/ fichadetramitacao?idProposicao=1203163>.

A proposta de tal substitutivo reverteu o que deveria ser um grande benefício para a preservação do patrimônio arqueológico e a GPA em uma questão delicada e com a possibilidade de rumos negativos, causando desconforto e reações da comunidade arqueológica.

De acordo com SAB (2015f), apesar dos contatos e acertos efetuados no gabinete do relator, foram surpreendidos pelo substitutivo, que possui “uma série de alterações que são um ultraje à atividade profissional da arqueologia e colocam em risco a preservação do patrimônio, em que profissionais, mesmo sem formação superior, podem ser reconhecidos como arqueólogos”, declarando imediatamente contrariedade a nova proposta.

Na busca pela defesa e apoio para a aprovação da regulamentação da profissão e para somar forças e tentar barrar/derrubar o substitutivo, a SAB tem atuado fortemente nos últimos anos, por intermédio do acompanhamento da tramitação do PL nº 1.119/2015 (BRASIL, 2015e) e da realização de diversas articulações políticas e institucionais, além de ter oportunizado debates e discussões sobre o tema.

De acordo com o descrito em informes da SAB88, a instituição tem realizado articulações junto ao Congresso Nacional, em diversas frentes, por meio de contatos, de reuniões e do contínuo diálogo com parlamentares, assessores e outras instâncias, em diferentes momentos, bem como o comparecimento nas reuniões das comissões.

Neste contexto sombrio para o meio ambiente, para a arqueologia e para as populações tradicionais, a SAB está articulando apoios de parlamentares e instituições para tentar ajudar a reverter essa grave situação, na qual a regulamentação da nossa profissão está claramente inserida (SAB, 2015g). No mesmo sentido, a SAB tem incentivado constantemente a mobilização da sociedade, efetuados vários apelos para que todos assinem uma petição de sua criação pela aprovação da regulamentação89, considerado “um mecanismo de pressão política, para expressar a unidade da categoria frente a ações que colocam em risco o patrimônio arqueológico brasileiro” (SAB, 2015h).

Além de manter seus membros sempre atualizados, por meio do envio de informes periódicos, com todas as mudanças de status do processo, outras ações foram indicadas pela SAB para pressionar a aprovação do PL, referentes ao envio

88 As diversas articulações efetuadas podem ser verificadas com maiores detalhes em SAB (2015b; 2015c; 2015f; 2015g; 2015h; 2015i; 2016a; 2016d; 2016k; 2017h; 2017i; 2017j; 2017k).

89 As mobilizações efetuadas pela SAB para apoio a regulamentação podem ser verificadas com maiores detalhes em SAB (2015d; 2015g; 2015h; 2015i; 2017h; 2017i; 2017j; 2017k).

de cartas aos Deputados membros da CCJC e a presença nas sessões da comissão (SAB, 2017h; 2017i; 2017j; 2017k).

Articulações também foram realizadas entre o IPHAN e a SAB, como forma de apoio mútuo na tentativa de evitar que o substitutivo do PL e outras propostas sejam aprovadas e traçarem estratégias de ações para tal (SAB, 2016a; 2016d)90.

Na continuidade do processo na Câmara, positivamente, o parecer com a proposta do substitutivo ao referido PL foi invalidado, tendo em vista a mudança da legislatura no final de 2015 e a alteração dos membros da CCJC.

Em caráter terminativo nas comissões da Câmara dos Deputados, ou seja, na última comissão antes de ser sancionado, em 25 de maio de 2016 foi designado novo relator da CCJC, que apresentou parecer favorável ao PL nº 1.119/2015 (BRASIL, 2015e), em 31 de outubro de 2017, pela constitucionalidade, juricidade, boa técnica legislativa e que seja aprovado no seu texto original, sem o substitutivo.

Colocado na pauta da sessão da CCJC para a votação do último parecer, em 21 de novembro de 2017 teve pedido de vista do PL solicitado e, na sequência, requerimento de inclusão da Comissão de Educação e Cultura no rol de Comissões Permanentes, cujo mérito deste último foi indeferido.

Finalmente, em 05 de dezembro de 2017, o parecer favorável ao PL de regulamentação da profissão foi aprovado pela CCJC e, cumprindo os trâmites burocráticos, foi aberto o prazo de cinco sessões, a partir da sua publicação, para a apresentação de recursos na tentativa de reprovação, iniciado em 14 de dezembro de 2017 e encerrado em 06 de fevereiro de 2018, sem recursos.

Quando da etapa final de tramitação, no aguardo de sanção da Presidência da República, foi pontuado por Souza (2017b), que as ações e as medidas do atual Presidente, Michel Temer, relacionadas com a redução no apoio à educação, ciência e cultura, preocupavam a comunidade arqueológica.

Além disso, a regulamentação da profissão foi vetada em 1998, pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que tramitava por meio do PL nº 2.072/1989 (BRASIL, 1989), também de autoria do Deputado Álvaro Valle91.

Segundo afirmado pelo ex-presidente da SAB (Gestão 2016-2017), atual Diretor do CNA, Flávio Rizzi Calippo (apud GONÇALVES et al., 2017), acredita-se

90 Para maiores informações sobre o processo de regulamentação da profissão ver SAB (2017l), disponível em: <http://www.sabnet.com.br/download/download?ID_DOWNLOAD=488>.

91 A tramitação e os documentos associados ao PL nº 2.072/1988 (BRASIL, 1989) podem ser acessados em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=17590>.

que “a profissão ainda não é regulamentada em virtude justamente de interesses contrários à proteção do patrimônio histórico e cultural”, no qual estão incluídos os reflexos do contexto atual de “agravamento da situação do licenciamento ambiental no país” (SAB, 2015h).

No entanto, passados 30 (trinta) anos do início do primeiro pleito de regulamentação da profissão de arqueólogo, a mesma foi finalmente aprovada por intermédio da publicação no D.O.U. da Lei Federal nº 13.653, de 18 de abril de 2018 (BRASIL, 2018), porém com vetos, tal como da “exclusividade do desempenho das atividades de arqueólogo por profissionais da área”, dentre outros (AGÊNCIA SENADO, 2018).

Salienta-se ainda que, em paralelo ao PL 1.119/2015 (BRASIL, 2015e), em 01 de junho de 2016 foi apresentada nova proposta para a regulamentação da profissão de arqueólogo na Câmara dos Deputados, por intermédio do PL nº 5.456/2016 (BRASIL, 2016a), de autoria da Deputada Federal Laura Carneiro (PMDB/RJ), sujeita a apreciação conclusiva pelas Comissões de Trabalho, e Administração e Serviço Público (CTASP), CFT e CCJC.

Tal PL foi proposto no sentido de somar forças e na tentativa de garantir a continuidade do pleito, reconhecidamente de suma importância para a preservação do patrimônio arqueológico brasileiro.

Apesar de tratar do mesmo objeto, ao ser efetuada a análise comparativa com o anterior em sua versão original (PL nº 1.119/2015), identificou-se que o novo PL foi complementado no sentido de avançar nos procedimentos de registro dos profissionais nos Conselhos Regionais de Arqueologia, na criação dos Conselhos Federal e Estaduais, nas determinações para o exercício profissional e em disposições transitórias até que sejam instalados os Conselhos de Classe.

Acompanhada a tramitação do PL 5.456, em 29 de novembro de 2016 foi emitido e apresentado pela relatora o parecer favorável pela sua aprovação integral, na CTASP. Posteriormente, em 05 de maio de 2017 foi designado novo relator pela mesma comissão, cujo parecer favorável foi aprovado pela comissão apenas em 18 de abril de 2018, um dia anterior a publicação da lei que regulamentou a profissão no D.O.U.92.

92 A tramitação e os documentos associados ao PL nº 5.456/2016 (BRASIL, 2016a) poderão ser acessados em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2086453>.

Em termos práticos, o PL nº 5.456/2016 (BRASIL, 2016a) será automaticamente anulado, tendo em vista o igual teor e o sancionamento do PL nº 1.119/2015 (BRASIL, 2015e).

Diante do exposto, conclui-se preliminarmente que, mesmo após tal conquista, em um contexto de incertezas e de falta de perspectivas acerca da preservação do patrimônio arqueológico brasileiro, os problemas existentes relacionados a GPA podem ser considerados pequenos comparado com todas as ameaças atuais.

Como pode-se observar, as perspectivas para a preservação e a GPA apontam para um enorme retrocesso, sem precedentes, por intermédio das fortes e radicais tentativas para a flexibilização nos procedimentos de licenciamento ambiental, principal meio para a realização das pesquisas arqueológicas no país e que assegura a execução de medidas e ações a possíveis impactos ao patrimônio ocasionados pela implantação de obras de engenharia.

Apesar do reconhecimento acerca da necessidade de mudanças nos procedimentos, a simplificação e a flexibilização não são a solução, cujos pontos principais e em comum são a remoção de obrigatoriedade de licenciamentos de diversas atividades, a supressão de estudos e de etapas do processo, os curtos prazos estabelecidos e a redução e/ou exclusão da participação de órgãos não integrantes do SISNAMA.

De acordo com o IPHAN (2016a), “no âmago dessas propostas, repousam a premissa falaciosa de que tais medidas resolveriam parte do problema de investimento e desenvolvimento do país e, sobretudo, o equivocado conceito de que o Licenciamento Ambiental é o “entrave” ao desenvolvimento e, portanto, o inimigo a ser combatido”.

O IPHAN reconhece a necessidade de atualização e modernização do processo de Licenciamento Ambiental no país e, neste sentido, tem se dedicado fortemente ao aprimoramento dos fluxos, prazos e procedimentos em relação à avaliação de impacto aos bens culturais acautelados em âmbito federal nos processos de Licenciamento Ambiental sob responsabilidade da União, estados e municípios.

A reforma do licenciamento, se concretizada, restringirá e, em alguns casos, eliminará a participação do IPHAN nos processos, relegando nestes casos a preservação do patrimônio arqueológico ao acaso e a leigos, cabendo os seguintes questionamentos: Como preservar um patrimônio que ficará sujeito a “achados fortuitos”? A identificação do patrimônio arqueológico possivelmente existente nas

áreas dos empreendimentos ficará a cargo de leigos? Ou mais, o patrimônio em tais locais simplesmente será destruído?

A eliminação de etapas do processo e da participação de órgãos do SISNAMA não são a solução, mas o fortalecimento e a sua estruturação, principalmente estaduais, reconhecidamente sucateados em vários estados brasileiros, devido à falta de investimentos, de estrutura e de capacidade para o atendimento aos procedimentos atuais dos licenciamentos ambientais. Como bem colocado por IPHAN (2015f):

[...] ao invés de flexibilizar o licenciamento, é necessário enfrentar o problema em sua origem. O caminho a ser perseguido passa por um constante fortalecimento e estruturação adequada dos órgãos envolvidos, pois só assim será possível dar a resposta necessária no tempo em que a sociedade brasileira necessita. Qualquer movimento em sentido contrário representa aviltamento de importantes conquistas e garantias sociais alcançadas e, como tal, um retrocesso na proteção e preservação aos bens de natureza difusa.

Quanto às reduções de prazo, deve-se tem em mente que “o tempo dos procedimentos amparados pela ciência, como os licenciamentos, é diferente do tempo do capital e dos políticos, o que torna o processo de obtenção das licenças um incômodo para os empreendedores”, segundo Medeiros (2016) e, para o desenvolvimento sustentável e a preservação do patrimônio, deverão ser conciliados.

4.2 AVANÇOS NA PRESERVAÇÃO E NA GESTÃO DO PATRIMÔNIO

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