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Problematização, princípios, ações e desafios da Incubadora Cultural da UFRN

Fernando Manuel Rocha da Cruz

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

As políticas culturais brasileiras conheceram, nos últimos anos, um novo impulso com a inclusão de políticas, estudos e ações sobre Economia Criativa. Nesse sentido, a inclusão do Programa Incubadora Cultural da UFRN, na proposta elaborada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) ao Edital Mais Cultura nas Universidades/Plano da Cultura da UFRN e aprovada pelos Ministérios da Cultura e da Educação, deve-se à necessidade de aprofundar, debater e divulgar a economia criativa no âmbito das políticas culturais, mas também de atuar, experimentar e criar pontes para esses campos.

Nesse sentido, procuramos, neste artigo, fazer a contextualização histórica e internacional da economia criativa, apresentando ainda os seus principais conceitos, princípios e setores criativos. Em seguida, procuramos debater a questão das incubadoras na sociedade contemporânea, a partir da identificação dos tipos e das suas principais características. Finalmente, apresentamos os objetivos e as principais ações desenvolvidas no Programa Incubadora Cultural da UFRN.

A ECONOMIA CRIATIVA

Desde meados do século XX que se vem debatendo a relação cultura e economia. Para isso, terão contribuído a emergência da sociedade do conhecimento, a transição da sociedade industrial para a sociedade pós-industrial, o uso intensivo do capital e a produção em massa. O advento combinado da sociedade do conhecimento e dos valores pós-materialistas estão então na origem da virada cultural (LASH; URRY, 1994; BECK, 2002; BENDASSOLLI et al., 2008).

82 Adorno (2001), por sua vez, aponta para 1947 o ano em que, pela primeira vez, juntamente

com Horkheimer, no livro Dialectic of Enlightenment, foi usado o conceito de indústria cultural para se referir à cultura de massa. Nas palavras desse autor, “trata-se de algo como uma cultura que surge espontaneamente das próprias massas, a forma contemporânea de arte popular” (ADORNO, 2001, p. 98) E acrescenta:

A indústria da cultura faz um mau uso de sua preocupação com as massas, a fim de duplicar, reforçar e fortalecer sua mentalidade, que presume ser dada e imutável. Como essa mentalidade pode ser mudada é excluída por toda parte. As massas não são a medida, mas a ideologia da indústria cultural, embora a própria indústria cultural dificilmente existisse sem se adaptar às massas (ADORNO, 2001, p. 99)

Em 1994, a Austrália aprovou a sua política cultural que denominou de “Nação Criativa”. Esta foi apresentada pelo Primeiro-ministro, Paul Keating, colocando a cultura como instrumento do desenvolvimento econômico. A sua justificativa salientava o seguinte:

Esta política cultural é também uma política econômica. A cultura cria riqueza. Em sentido lato, nossas indústrias culturais geram 13 bilhões de dólares por ano. A cultura cria emprego. Cerca de 336.000 australianos trabalham em indústrias relacionadas com a cultura. A cultura agrega valor, trazendo uma contribuição fundamental para a inovação, o marketing e o design. É um símbolo de nossa indústria. O nível de nossa criatividade determina substancialmente a nossa capacidade de adaptação a novos imperativos econômicos. É uma exportação valiosa em si mesma e um acompanhamento essencial para a exportação de outras mercadorias. Ela atrai turistas e estudantes. É essencial para o nosso sucesso económico (AUSTRALIA, 1994).

Na década de 1990, a subida ao poder do Partido Trabalhista, no Reino Unido, levou o Primeiro- ministro, Tony Blair, a nomear uma força-tarefa para estudar a relação entre cultura e economia, uma vez que, em plena crise econômica, determinadas indústrias culturais não estavam sofrendo os efeitos dessa crise, mas que, pelo contrário, estavam aproveitando para aumentar sua renda. Na sequência, o Grupo de Trabalho para as Indústrias Criativas, criado pelo Departamento de Cultura, Mídia e Esporte (DCMS), publicou, em 1998, o Mapeamento das Indústrias Criativas e, em 2001, um relatório de acompanhamento. No primeiro documento, o DCMS definia as indústrias criativas como “aquelas atividades que têm sua origem na criatividade, habilidade e talento individuais, assim como possuem o potencial de criar emprego e riqueza através da geração e exploração da propriedade intelectual” (BOP CONSULTING, 2010, p. 13-14).

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No Brasil, como reporta Miguez (2007), são dados os primeiros passos com a organização da XI Conferência Ministerial da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), realizada em São Paulo, em 2004, com o debate sobre a criação de uma instituição internacional dedicada à economia criativa. A proposta de saída dessa Conferência criou uma movimentação intensa em torno da temática, chegando mesmo o Brasil a se oferecer para acolher a instituição proposta por esse organismo internacional.

Outro passo importante dá-se em 2008 e em 2010, com a publicação do primeiro e do segundo Relatórios da Economia Criativa pela UNCTAD. O segundo Relatório amplia as recomendações apresentadas no primeiro e aprofunda a análise sobre o impacto da economia criativa, sugerindo ainda políticas e ações de estímulo ao desenvolvimento, que devem estar ligadas, de modo equilibrado, a intervenções políticas e para o mercado. Por fim, o Relatório de 2010 procura identificar tendências, pontos fortes e fracos, bem como desafios e oportunidades, para além de chamar a atenção para a necessidade de reconciliar estratégias nacionais com processos internacionais globais (UNCTAD, 2010).

Em 2012, a criação da Secretaria da Economia Criativa (SEC) e a aprovação do Plano da Secretaria da Economia Criativa: políticas, diretrizes e ações, 2011-2014, vieram institucionalizar a economia criativa, no Brasil, sob a dependência do Ministério da Cultura. Nesse documento, a SEC assume a necessidade de se adaptar à economia criativa as potencialidades e características brasileiras. Daí a obrigação de o Ministério da Cultura formular políticas públicas para o desenvolvimento do Brasil, a partir de quatro princípios, a saber: inclusão social, sustentabilidade, inovação e diversidade cultural.

O Plano da Secretaria da Economia Criativa adotou a designação de setores criativos, para abranger: “Todos aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador de valor simbólico, elemento central da formação do preço, e que resulta em produção de riqueza cultural e econômica” (BRASIL, 2011, p. 22). Ao contrário, a UNCTAD havia optado por denominar os mesmos empreendimentos por indústrias criativas definindo-as como:

• os ciclos de criação, produção e distribuição de produtos e serviços que utilizam criatividade e capital intelectual como insumos primários;

• um conjunto de atividades baseadas em conhecimento, focadas, entre outros, nas artes, que potencialmente geram receitas de vendas e direitos de propriedade intelectual;

• produtos tangíveis e serviços intelectuais ou artísticos intangíveis com conteúdo criativo, valor econômico e objetivos de mercado;

• cruzamento entre os setores artísticos, de serviços e industriais;

84 Apesar da falta de unanimidade entre os autores sobre a noção de indústrias ou de setores

criativos, podemos propor como sua definição os empreendimentos que têm por objeto o elemento simbólico, tangível ou intangível – ou, por outras palavras, a arte, a cultura ou o patrimônio – ou que incorporam algum desses elementos, seja em todo o ciclo econômico, seja em alguma etapa (criação, produção, distribuição e mercado), tendo em vista a obtenção de lucro ou renda. Esses empreendimentos aliam a cultura à gestão e à economia para além do uso crescente das Tecnologias de Informação e Comunicação.

A economia criativa, conceito usado pela primeira vez por Howkins, em 2001, na sua obra

Economia Criativa: como ganhar dinheiro com ideias criativas (HOWKINS, 2012), pode ser definida

como a área em que atua o conjunto das indústrias (ou setores) criativos, que estão classificados por categorias culturais, quer na classificação da SEC, quer da UNCTAD. Este último distingue quatro categorias – Patrimônio, Artes, Mídia e Criações funcionais – enquanto a SEC caracteriza cinco categorias culturais – Patrimônio, Expressões Culturais, Artes de espetáculo, Audiovisual/do livro, da leitura e da literatura e Criações culturais e funcionais (CRUZ, 2014).

Quanto aos princípios adotados pela SEC – e referidos acima –, a economia criativa deve ter por base uma dinâmica de valorização, proteção e promoção da diversidade cultural brasileira de forma a garantir originalidade, força e potencial de crescimento. No entanto, a opção pelo desenvolvimento tem de levar em conta que não é mais possível incentivar o domínio do mercado sem um sentido crítico. Desse modo, há de se garantir a diversidade cultural e a sustentabilidade social, cultural, ambiental e econômica sem hipotecar as opções de escolha das gerações futuras. Acresce a esses dois princípios a inovação, que exige conhecimento, identificação e reconhecimento de oportunidades, capacidade de empreender e assumir riscos. Daí que assumir a economia criativa como processo cultural gerador de inovação, “é assumi-la em sua dimensão dialógica, ou seja, de um lado, como resposta a demandas de mercado, de outro, como rompimento às mesmas” (BRASIL, 2012, p.35). Finalmente, a inclusão social passa pela implementação de políticas públicas culturais na área da economia criativa que promovam a inclusão produtiva da população, sobretudo de quem está em vulnerabilidade social, bem como, do seu acesso a bens e serviços criativos (BRASIL, 2012).

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