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Capítulo 5 PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE REGULAÇÃO DA

5.1. Procedimentalização da atividade administrativa

Em linhas gerais, a Constituição, a LDB e a Lei do SINAES fixaram os elementos fundamentais da atividade regulatória estatal em matéria educacional: (a) a necessidade dos atos administrativos regulatórios, de caráter autorizativo (autorização e o reconhecimento de cursos, bem como o credenciamento de instituições de educação superior); (b) o prazo limitado de tais atos, ensejando a necessidade de sua renovação periódica; (c) a existência do processo regular de avaliação para a expedição desses atos; (d) a possibilidade de saneamento de eventuais deficiências apontadas no processo de avaliação, durante um prazo determinado; e (e) a possibilidade da aplicação de sanções administrativas (desativação de cursos e habilitações, intervenção na instituição, suspensão temporária de prerrogativas da autonomia, ou descredenciamento, conforme o caso).

Nesses termos, a avaliação de qualidade deve ser provida de efeitos práticos e fundamentar a atividade regulatória. Para tanto, a regulação da educação superior pressupõe a estruturação de um procedimento administrativo que visa à produção de atos regulatórios de entrada no sistema e de permanência no sistema, que devem ser baseados na produção de indicadores e conceitos de qualidades aptos a fundamentar a decisão administrativa regulatória. Para tal finalidade, foi desenvolvida uma dinâmica processual administrativa que prevê a existência de um sistema eletrônico próprio, que, além de abrigar o desenvolvimento de um processo administrativo eletrônico, a ser desenvolvido em fases (instrução documental, avaliação, decisão e recurso), constitui-se, também, em banco de dados para subsidiar a atividade regulatória nessa área. Trata-se, assim, de um sistema que busca dotar o Poder Público de ferramentas processuais e de informações para a atividade regulatória, ao mesmo tempo em que se constitui em um mecanismo de garantia aos direitos do administrado no processo administrativo e a de accountability da atividade regulatória como um todo.

A organização da administração pública por meio do procedimento administrativo se desenvolveu muito nas últimas décadas, tendo como ponto de partida o

143 estabelecimento do direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, aos envolvidos em processos administrativos, equiparando o ao direito existente nos processos judiciais.518

A partir de então estudo do Direito Administrativo passou a dar maior ênfase no processo administrativo, deixando o ato administrativo de figurar no centro dessa disciplina jurídica, conforme aponta Marçal Justen Filho:

“O conceito de ato administrativo perdeu a sua relevância como instrumento de compreensão e organização do direito administrativo. O fundamental está em considerar a atuação administrativa de modo global, não cada ato administrativo isoladamente.”519

O que se tem, assim, não é a diminuição da importância do ato administrativo, mas a compreensão de que este é o resultado final de um processo administrativo, no qual é garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa a seus interessados. Esse fenômeno também é descrito por Maria Sylvia Zanella di Pietro, que, entre as tendências do Direito Administrativo contemporâneo, aponta as seguintes: (a) o fortalecimento da democracia

participativa, com a previsão de inúmeros instrumentos de participação do cidadão no

controle e na gestão de atividades da Administração Pública, mas com dificuldade de efetivação na prática; (b) a processualização do direito administrativo, especialmente com a exigência constitucional do devido processo legal.520

Esse fenômeno importou em colocar no centro da análise do Direito Administrativo a atividade administrativa, realizada por meio do processo administrativo, conforme aponta José Joaquim Gomes Canotilho: “a exigência de um procedimento juridicamente adequado para o desenvolvimento da actividade administrativa considera-se como dimensão insubstituível da administração do Estado de direito democrático”.521 Marçal Justen Filho também a relação entre procedimentalização e atividade administrativa:

“A procedimentalização consiste na submissão das atividades administrativas à observância de procedimentos como requisito de validade das ações e omissões adotadas. Significa que a função administrativa se materializa em atividade administrativa, que é um conjunto de atos. Esse conjunto de atos deve observar uma sequência predeterminada, que assegure a

518

Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 5º, LV.

519

Marçal Justen Filho, Curso de Direito Administrativo, p. 293.

520

Cf. Maria Sylvia Zanella di Pietro, Direito administrativo, p. 30.

521

144 possibilidade de controle do poder jurídico para realizar os fins de interesse coletivo e a promoção dos direitos fundamentais.”522

Nesse sentido, a procedimentalização da atividade administrativa, em diversos segmentos, incorporou mecanismos de participação dos interessados, tendo em vista que a efetividade das políticas públicas demanda a participação de todos os interessados, diretos e indiretos, para a manifestação clara e transparente de todas as posições e alternativas em jogo.523 Esse aspecto é ainda mais relevante quando se trata de atividade regulatória – potencialmente limitadora de direitos e interesses de partes no processo – que requer, portanto, um procedimento claro, que preveja a participação dos interessados, inclusive com o estabelecimento da necessidade de audiências públicas:524

“A regulação é um dos mais expressivos frutos das tendências contemporâneas do Direito Público para o aperfeiçoamento da decisão administrativa com vistas a que seja eficiente em seu desempenho e legitimada em seu resultado, superando assim as linhas tradicionais da administração burocrática de corte positivista, em que, tanto a eficiência como a legitimidade, não eram mais que referências secundárias e periféricas.”525

No Brasil, o fenômeno da procedimentalização da atividade administrativa se intensificou a partir da edição de leis gerais de processo administrativo, produzidas pelos diferentes entes da Federação. Destacam-se a já citada Lei nº 9.784/1999, aplicável à União, bem como a Lei Estadual nº 10.177, de 30 de dezembro de 1998, aplicável à administração pública do Estado de São Paulo, que influenciaram a adoção de leis similares pelos demais integrantes da Federação. Mais recentemente, a Lei de Acesso à Informação,526 aplicável a todos os entes federados,527 veio a aprofundar essa tendência, regulando o acesso a informações públicas, pela adoção do princípio da publicidade máxima – o acesso à informação passa a ser regra, o sigilo a exceção.

Um importante aspecto a ser salientado é que, para desempenhar essas funções o Estado deve “preferencialmente, avançar paulatinamente na regulação desejada, de

522

Marçal Justen Filho, Curso de Direito Administrativo, p. 296.

523

Cf. Maria Paula Dallari Bucci, Direito Administrativo e políticas públicas, p. 269.

524

Cf. Augustín Gordillo, “La regulación económica y social”, p. 63.

525

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Direito Regulatório, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 95.

526

Lei nº 12.527/2011.

527

É importante salientar que as disposições da Lei de Acesso à Informação são aplicáveis também às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres (artigo 2º).

145 acordo com o princípio da permanente correção de erros (trial and error)”,528 a ser exercido, nos termos da lei ou nos limites da discricionariedade conferida pela lei.