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PROCEDIMENTO ESPECIAL DE TRANSMISSÃO, ONERAÇÃO E REGISTO IMEDIATO

2. AS DIVERSAS FORMAS DE TITULAÇÃO DE FACTOS SUJEITOS A REGISTO

2.2. PROCEDIMENTO ESPECIAL DE TRANSMISSÃO, ONERAÇÃO E REGISTO IMEDIATO

Em 2007, foi publicado o Decreto-Lei n.º 263-A/2007, de 23 de julho, que criou o procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imóveis, em momento presencial único, comummente conhecido por “Casa Pronta”.50

Este procedimento especial foi criado no interesse dos cidadãos e das empresas e tem na sua génese a redução burocrática desnecessária, a simplificação de procedimentos e a redução de custos.

De facto, neste procedimento é possível pagar os impostos que sejam devidos com a transmissão ou one-ração, celebrar os respetivos contratos, proceder imediatamente à realização de todos os registos, solicitar a isenção de pagamento do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e pedir a alteração da morada fiscal.

Bem se compreende que este procedimento tenha o êxito que lhe é reconhecido. Ao contrário de terem de se deslocar a diversas repartições, designadamente, conservatórias do registo predial, repartições de finanças, câmara municipal, entre outras, basta, aos contratantes, uma só deslocação aos serviços de registo para aí re-solverem tudo quanto é necessário à transmissão ou oneração.

Porém, estamos bem cientes que boa parte do sucesso deste procedimento reside, também, na segurança jurídica que se alcança e que não se verifica em nenhum outro.

Na verdade, o princípio da prioridade, previsto no artigo 6.º do Código do Registo Predial, estabelece que o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações corresponden-tes. Isto quer dizer que, através da prioridade do registo, o direito pode ser moldado ou alterado, fazendo com

50 Este procedimento encontra-se regulado nos seguintes diplomas: Portaria n.º 794-A/2007, de 23 de julho (Regulamentação Casa Pronta); Portaria n.º 794-B/2007, de 23 de julho (Regulamentação Casa Pronta); Portaria n.º 1534/2008, de 30 de dezembro (Regulamentação Casa Pronta); Portaria n.º 1535/2008, de 30 de dezembro (Regulamentação Casa Pronta); Decreto-Lei n.º 122/2009, de 21 de maio (Alterações ao regime Casa Pronta); Portaria n.º 1126/2009, de 1 de outubro (Dação em pagamento / Rústicos e mistos); Portaria n.º 67/2010, de 3 de fevereiro (permuta e doação); Portaria n.º 426/2010, de 29 de junho (Alterações ao valor das taxas); Portaria n.º 1167/2010, de 10 de novembro (Constituição de Propriedade Horizontal, Modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, ao mútuo e demais contratos de crédito e de financiamento, com hipoteca, com ou sem fiança); Portaria n.º 183/2012, de 20 de setembro (Certidões e Regis-tos); Portaria n.º 209/2012, de 19 de setembro (Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado); Portaria n.º 122/2017, de 24 de março (compra e venda com locação financeira e a divisão de coisa comum)

que aquele que registe primeiro tenha prevalência em relação àquele que, apesar de ter adquirido em primeiro lugar, apenas tenha registado posteriormente.

Ora, é, sobretudo, neste ponto que o procedimento se torna imbatível em relação aos demais. De facto, foi bem engenhosa e eficaz a técnica legislativa. Nos termos do artigo 8.º do citado Decreto-Lei n.º 263-A/2007, depois de verificados os pressupostos e formalidades respeitantes ao negócio que se pretende realizar, o serviço de registo realiza um conjunto alargado de procedimentos. O primeiro destes procedimentos consiste na ano-tação no Diário dos factos sujeitos a registo. Isto quer dizer que, através deste procedimento, o futuro adquirente pode opor perante terceiros um direito que ainda não adquiriu. Mesmo que, antes da aquisição o prédio objeto do negócio seja onerado com encargos da responsabilidade do transmitente, estes factos já não são oponíveis ao adquirente uma vez que a prioridade da sua aquisição está assegurada pela apresentação deste facto, feita anteriormente.

Este procedimento, apesar das vantagens que oferece não agrada, compreensivelmente, a todos. Referimo-nos a outros profissionais que também procedem à titulação de factos sujeitos a registo. A questão é muito delicada e não pretendemos fazer a exegese profunda da mesma, mas apenas tecer ligeiros comentários. Diz-se, frequentemente, que serviços como a “Casa Pronta” ou o “Balcão de Heranças” constituem uma concor-rência desleal do Estado perante os demais profissionais que atuam nesta área, designadamente porque o Estado pratica preços que não podem ser praticados pela “concorrência”. Provavelmente terão razão ou alguma razão. Mas a questão que merece ser discutida consiste em saber se o Estado pode ou não oferecer serviços de quali-dade e, se possível, a preços mais baixos ou mesmo gratuitos.

Como já afirmamos, compreendemos bem as razões que levam outros profissionais a tecer críticas ao procedimento “Casa Pronta”. A economia enfraquecida pela crise e o aparecimento de novas entidades com competência para titular factos sujeitos a registo podem pôr em causa a subsistência daqueles profissionais. Mas a pergunta subsiste: o Estado pode ou não concorrer com os privados nesta área? Pensamos que sim. Aliás, o Estado já o faz noutros setores, designadamente, no âmbito da Educação. Há uma tendência para considerar que o ensino superior público tem melhor qualidade que o ensino superior privado. Não sabemos se é verda-deira esta ideia, apenas constatamos que o ensino superior público é bastante mais barato que o ensino superior privado. O Estado concorre diretamente com as Universidades privadas. Porém, não observamos, neste caso, qualquer movimento contra o Estado por oferecer estes serviços.

Este procedimento teve, inicialmente, o seu âmbito muito restringido. Nos termos do artigo 2.º do citado Decreto-Lei, apenas se aplicava aos seguintes negócios jurídicos: a) compra e venda; b) mútuo e demais con-tratos de crédito e de financiamento celebrados por instituições de crédito, com hipoteca, com ou sem fiança; c) hipoteca; d) sub-rogação nos direitos e garantias do credor hipotecário, nos termos do artigo 591.º do Código Civil.

Além de não se aplicar a prédio misto, prédio descrito em várias conservatórias e prédio urbano formado, no próprio ato, a partir de outros, por fracionamento ou emparcelamento, constituem pressupostos do procedi-mento, de acordo com o previsto no artigo 3.º: a) A descrição do prédio no registo; b) A inexistência de dúvidas sobre a identidade do prédio; c) O registo definitivo a favor do alienante ou onerante; d) A inexistência de dúvidas quanto à titularidade do prédio; e) No caso de se tratar de compra e venda, a aquisição do direito de propriedade, no todo ou em parte, por uma ou mais pessoas, em simultâneo, tendo em vista a aquisição da

totalidade do prédio; f) A opção por contratos de modelo aprovado por despacho do presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN, I. P.).

O legislador foi, e continua a ser, muito cauteloso apenas admitindo, neste procedimento, a realização de contratos quando não subsista qualquer espécie de dúvidas.

Apesar disto, aos poucos vai alargando o âmbito de aplicação deste procedimento, nomeadamente: Pelas, Portaria n.º 1126/2009, de 1 de outubro, a todos a todos os tipos de prédios (urbanos, rústicos e mistos) e ao negócio jurídico de dação em pagamento; Portaria n.º 67/2010, de 3 de fevereiro, aos negócios jurídicos de doação e de permuta de prédios; Portaria n.º 1167/2010, de 10 de novembro, à constituição de propriedade horizontal, à modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, ao mútuo e demais contratos de crédito e de financiamento, com hipoteca, com ou sem fiança; Portaria n.º 122/2017, de 24 de março, aos negócios jurídicos de compra e venda com locação financeira ou divisão de coisa comum.

Apesar do alargamento que se tem verificado, pensamos que, decorridos mais de dez anos sobre o início deste procedimento, e considerando os resultados positivos verificados, estão reunidas as condições para se ir mais longe, alargando o âmbito do procedimento a outros negócios.

Veja-se, a título de exemplo, o seguinte: um prédio não descrito na Conservatória, integrado em herança indivisa. Determina a lei que o registo em comum e sem determinação de parte ou direito não é obrigatório (artigo 8.º-A do CRPred), estando dispensada a inscrição em nome dos titulares de bens ou direitos que façam parte de herança indivisa (artigo 35.º do CRPred)51, sendo que para fazer este registo52 é necessário documento comprovativo da habilitação e, no caso de prédio não descrito, declaração que identifique os bens (artigo 49.º do CRPred). Ora, um dos pressupostos do procedimento “Casa Pronta” é a descrição do prédio no registo53, pelo que este procedimento não pode ser utilizado para prédio não descrito, ainda que integrado numa herança indivisa. Parece-nos que, neste caso em concreto, uma vez que as descrições são abertas na dependência de uma inscrição (artigo 80.º do CRPred), poder-se-ia perfeitamente dar cumprimento ao artigo 8.º, n.º 1, a) da-quele DL n.º 263.º-A/2007, de 23 de julho, procedendo à anotação no diário dos factos sujeitos a registo54, para que, em momento posterior à titulação55 realizar o registo apresentado, procedendo assim à abertura da descri-ção. Assim, à transmissão deste imóvel, não descrito no registo, poder-se-ia perfeitamente aplicar o procedi-mento “Casa Pronta”, alargando desta forma o âmbito de sua aplicação, tal como aconteceu com o prédio urbano formado, no próprio ato, a partir de outros, por fracionamento ou emparcelamento.

Outro exemplo é o contrato de doação de um imóvel, formalizado através de procedimento “Casa Pronta”, pelo qual o doador pode doar, reservando para si o usufruto. Contudo, posteriormente e se o pretenderem fazer,

51 O processo n.º Pº C.P. 76/2008 SJC-CT, consultado em http://www.irn.mj.pt/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2008/p-c-p-76-2008-sjc-ct/downloadFile/file/ctpcp076-2008.pdf?nocache=1317032824.82, no dia 24 de abril de 2018, pelas 10:50 horas, vem referir que este registo intermédio está dispensado.

52 Pese embora a sua não obrigatoriedade, pode ser feito, mediante pedido por quem tenha legitimidade para tal.

53 “Decreto-Lei 263-A/2007, de 23 de Julho (…) Artigo 3.º

Pressupostos

1 - São pressupostos de aplicação do regime previsto no artigo 1.º: a) A descrição do prédio no registo; (…)”

54 Como é anotado no diário, um pedido de registo, de um prédio não descrito ao balcão, indicando o artigo matricial e respetiva freguesia. 55 No título além se mencionarem as declarações que seriam necessárias para se proceder ao pedido do registo, exibiam-se o documento comprovativo da habilitação de herdeiros, bem como o comprovativo da participação do imposto do selo das transmissões gratuitas (exceto se já tivesse caducado o direito à liquidação), que além de ser obrigatório como determina o artigo 72.º do CRPred, também serve como declaração que identifica os bens. Aliás, em sede de procedimento “casa pronta”, realizam-se procedimentos de transmissão de imóveis, integrados em herança indivisa, sem inscrição em nome dos titulares, exibindo-se no título o documento comprovativo da habilitação de herdeiros. Pelo que, a única diferença, é que não se procede à abertura da descrição do prédio.

nem ele usufrutuário, nem o radiciário podem transmitir o seu direito autonomamente no âmbito de procedi-mento “Casa Pronta”. Ora, parece-nos que, também, não faz muito sentido, pois apesar de se tratar da trans-missão de um direito, é um direito sobre um imóvel e que é um facto sujeito a registo obrigatório, nos termos dos artigos 8.º-A, n.º 1, a) e 2.º, n.º 1, a), ambos do CRPred.