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5. Procedimentos metodológicos

5.3. Planejamento da pesquisa

5.3.2. Procedimentos analíticos da arqueologia

Os senhores Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas, fornecedores de recursos para bruxos malfeitores, tem a honra de apresentar O MAPA DO MAROTO9 (ROWLING, 2000a, p.145).

Tendo em vista que o método foucaultiano apresenta uma lógica, mas não evidencia um procedimento analítico, o procedimento metodológico que adotamos foi embasado na organização analítica utilizada nos trabalhos de Leão e colegas (CAMARGO; LEÃO, 2015;

9 Por analogia à obra, utilizamos a citação do Mapa do Maroto, um mapa mágico que indica locais, passagens secretas e posição exata e todas as pessoas dentro da Escola de Hogwarts. O mapa abre suas informações no momento em que o bruxo faz o juramento que aparece na epígrafe desse trabalho e torna a se apagar quando esse bruxo informa: “Mal feito, feito!”.

COSTA; LEÃO, 2012; 2011). A partir deles essa estratégia, ou ainda, esse planejamento de pesquisa ganhou forma.

Assim embasados, o nosso processo se desenvolveu em três níveis: o desvelar dos enunciados e suas funções foi seguido pela identificação das regras e das formações discursivas e por fim, pelas regras das regras normalizadoras do campo discursivo. Os níveis tomaram forma na mesma medida em que se delineou um pensamento reflexivo. Contudo, ressaltamos que quando nos referimos a efetuar o processo arqueológico em níveis analíticos, eles devem ser entendidos mais próximo do que sejam rodadas reflexivas de construção e jamais etapas lineares e estanques.

As unidades do discurso foram reveladas por meio de uma operação, pois se refere a algo que o texto mostra e esconde ao mesmo tempo, uma vez que o saber comporta o visível e o enunciável e sua completude é sempre negativa. O primeiro passo esse trabalho foi efetuar um recorte para uma aproximação com o objeto, pois não só esse se define por uma rede complexas de relações, como cada enunciado é sempre inseparável de uma multiplicidade.

Como nosso objeto foi revelar os saberes presentes nas práticas dos potterheads, nos interessou descrevê-los em todos os seus termos, tais como o que eram suas verdades, crenças, valores, vontades. Um recorte propiciou que os enunciados manifestassem a construção desse espaço social de modo a podermos iniciar o trajeto, que foi da prática dos potterheads para o desvelar dos saberes que os mantém. Tal recorte se deu por meio de um trabalho reflexivo: buscamos encontrar os enunciados como lugares de sujeitos, fragmentos de um saber, parte de um campo discursivo associado, e uma materialidade indicativa das regularidades em termos de repetições de sentido e forma, e de rupturas em que claramente demarcam diferenças e descontinuidades, também em termos de sentido e forma (CAMARGO; LEÃO, 2015; COSTA;LEÃO, 2012; 2011).

Após a identificação dos enunciados procedemos à identificação das possíveis relações entre os mesmos. Dois tipos de relações se apresentaram: as relações em que os enunciados se apoiam e explicam mutuamente, as quais denominamos síncronas (e nos gráficos da análise representamos por linhas na coluna dos enunciados), e as relações entre enunciados em que um explica o outro, as quais chamamos incidentes (e representamos por setas nos mesmos gráficos). Esse procedimento apurou nossa sensibilidade para elucidar as funções enunciativas (CAMARGO;LEÃO, 2015; COSTA;LEÃO, 2012; 2011).

O enunciado está sempre ligado às funções que podem exercer ou desempenhar no contexto discursivo. A função é, portanto uma ação que se desempenha ligada a um domínio associado de saberes. Revelar a função enunciativa é uma operação de decifração de como o

enunciado pode ser moldado no contexto discursivo para se prestar a fazer parte de operações estratégicas, por isso, perceber em determinado conjunto de dados como esses enunciados se relacionam entre si tornou-se uma etapa fundamental (CAMARGO;LEÃO, 2015; COSTA;LEÃO, 2012; 2011). A maior parte dos enunciados de nosso campo mostrou-se ligado a mais de uma função enunciativa, bem como uma mesma função apresentou-se vinculada a mais de um enunciado; foi essa rede interligada de saberes-poderes que orientou essa decifração.

O segundo nível analítico buscou revelar as regras de formação e as formações discursivas. Como sinalizamos, para Foucault (2009a) a regra deve ser formada a partir de quatro critérios: objeto, modalidade, conceito e estratégia. Essa etapa reflexiva se aproximou não apenas do campo empírico, mas do teórico. Para cada formação enunciativa ligada a uma função, nos questionamos sobre: de que objeto de se tratava? Isso porque práticas diferentes formam objetos diferentes; buscamos o conceito no entendimento do que se falava sobre esse objeto, já que os conceitos emergem do próprio discurso como regularidades e coações; a modalidade partiu da reflexão: a partir de onde e de que maneira se enuncia a prática; e a estratégia foi revelada a partir da compreensão da finalidade de falar de determinado objeto, por esse conceito e a partir desse ethos. As regras surgiram por meio da organização desses quatro critérios. Apesar de cada um desempenhar um papel para sua formação, a repetição entre os elementos nos sintagmas gerou uma consistência capaz de formar a regra (CAMARGO; LEÃO, 2015; COSTA;LEÃO, 2012; 2011).

Como a regra é a condição que submete os elementos à rede discursiva, uma regra ou um conjunto de regras determinaram uma mesma formação discursiva, a depender da forma como essa regra ou conjunto de regras se desencadeiam partindo de enunciados e funções (CAMARGO;LEÃO, 2015; COSTA;LEÃO, 2012; 2011). A formação discursiva revelou-se como uma regularidade ou sistema de estratégias que transformam um saber em verdade. Como nossa pesquisa adotou certo grau de indução, o apoio na junção das teorias (Michel Foucault e Gilles Deleuze) se fez necessária a partir dessa fase analítica, exatamente para dar suporte e prosseguimento à análise a partir dos achados empíricos. Dessa forma, os enunciados nos revelaram os saberes desse campo discursivo e as formações discursivas apontaram como é possível a virtualidade dos potterheads a partir desses saberes.

Como última etapa analítica, buscamos elucidar a compreensão da regra das regras. Tal “regra geral” trata do que seria a lógica ou razão que permeia todo o campo discursivo, uma racionalidade capaz de regular tal campo e autorizar as práticas desse sujeito, a razão que permite que ocorram os jogos relacionais entre seus elementos e que possibilita a atuação de mecanismos (CAMARGO; LEÃO, 2015; COSTA; LEÃO, 2012; 2011). Essa etapa exigiu um

envolvimento ainda mais profundo tanto com o campo empírico como com o teórico; para essa fase a triangulação dos dados foi uma etapa relevante e esse esforço analítico reflete-se na conclusão desse trabalho.