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No primeiro semestre de 2006, fui convidada a orientar quatro pesquisas de TCC: três foram realizadas em duplas e uma, individualmente. Dessa forma, acompanhei um grupo de sete acadêmicas nas diferentes etapas da pesquisa: elaboração do projeto, coleta e análise dos dados, elaboração do relatório final e divulgação dos resultados. Realizamos encontros de orientação semanais nos quais discutíamos, em cada encontro, o que era necessário, pertinente e coerente com a trajetória de desenvolvimento de cada pesquisa. Utilizamos a audiogravação para o registro das falas ocorridas nesses encontros. As discussões de cada encontro foram gravadas em fita cassete para posterior transcrição e análise. A opção pela gravação dos encontros com as acadêmicas foi devida à possibilidade de, por meio das transcrições destas gravações, obtermos um registro ao qual fosse possível retornar para empreender a análise da pesquisa (SILVERMAN, 1994).

Na exposição do trabalho para uma banca examinadora, ao final do semestre, foi realizada também a videogravação para registrar a apresentação oral da síntese da pesquisa feita pelas acadêmicas, a apreciação do trabalho feita pelos professores avaliadores e o diálogo desencadeado nesta atividade. A filmagem foi feita por um profissional contratado, pois como orientadora dos trabalhos apresentados, estive sempre participando como membro da banca. Além disso, compreendo que por meio de um profissional experiente com o uso dessa tecnologia, haveria menos problemas com as filmagens, o que entendemos, requer sérios cuidados especiais com o som, a imagem, a luz. Conforme Loizos (2003), na gravação em vídeo, é relativamente fácil obter imagens, mas relativamente difícil ter uma boa qualidade de som.

No entanto, cabe destacar que tanto as acadêmicas como os professores avaliadores ficaram sabendo da filmagem, somente minutos antes de cada apresentação. Foi ali, no local da apresentação que solicitei aos participantes (tanto às acadêmicas, como aos professores avaliadores) autorização para que a apresentação fosse filmada, não havendo restrições de ambos.

A videogravação conforme Rosado (1990), é uma técnica que permite a construção do real, como espaço, tempo, objetos, personagens, assim como de seus movimentos, suas ações e suas interações. Essa técnica possibilita captar não só os componentes cognitivos da realidade, mas também, os afetivos. Segundo Ferrés (1996), a palavra “vídeo” tem origem no latim e é proveniente do verbo “videre”, que significa “eu vejo”. Esse autor afirma que este instrumento é mais poderoso do que o próprio espelho, pois o espelho devolve à pessoa sua imagem invertida, e o vídeo não. O espelho impõe um único ponto de vista, no vídeo podem- se contemplar vários pontos de vista.

No vídeo é possível escutar os sons, ver imagens, gestos, atitudes, maneiras de atuar e de ser. Nesse sentido, a

[...] análise através do recurso de vídeo não é tarefa fácil para se realizar. Ela envolve um processo de tomada de consciência e reflexão simultânea

de variados códigos expressivos: linguagem, metalinguagem,

deslocamentos, posturas, expressões faciais, maneirismos, entre outros (SADALLA e LAROCCA, 2004, p.422).

Cada acadêmica foi orientada a elaborar, também, um portfólio reflexivo, registrando os aspectos mais significativos vivenciados durante o desenvolvimento das diferentes etapas da pesquisa. O portfólio reflexivo, de acordo com Sá-Chaves (2005b), pode ser definido como uma coleção, seleção e organização do trabalho do futuro professor ao longo de certo tempo e que pode traduzir a evidência da sua auto-reflexão, aprendizagem e desenvolvimento pessoal e profissional.

A palavra portfólio é derivada do verbo latino portare que significa transportar e do substantivo foglio que significa folha. Originário do portfólio do artista (que contém desenhos, pautas de músicas, poesias), a estratégia passou a ser aprofundada e utilizada nos diferentes níveis de ensino. Entretanto, ele é muito mais do que uma mera compilação de dados, por ser resultado de um processo de seleção e reflexão sobre a aprendizagem enquanto construção do conhecimento. Para Nunes e Moreira (2005) são três as características de um

portfólio: a natureza longitudinal, a diversidade de conteúdo e o caráter colaborativo e dialógico dos processos que subentende.

É a finalidade do uso do portfólio que determina o seu conteúdo. É mais comum o seu uso no contexto pedagógico como procedimento avaliativo da aprendizagem. Conforme Sá- Chaves (2000) é preciso distinguir o portfólio reflexivo de diário de campo, diário de bordo, dossiê, etc. Diferente dos demais, que têm um enfoque meramente avaliativo, esporádico, descritivo e seletivo, o portfólio prioriza a competência da reflexividade crítica adquirindo um enfoque formativo com a co-construção do conhecimento pelo formador; um enfoque continuado que captura as dinâmicas de flutuação no crescimento dos saberes pessoais e profissionais dos interlocutores; um enfoque reflexivo que busca ultrapassar o registro descritivo simples e narrativo prático para o nível de reflexividade crítica; e o enfoque compreensivo como atitude de pesquisa e auto-indagação sistemáticas, compreendendo os processos em estudo, identificando as dimensões afetivas, cognitivas, de ação e metacognitivas que estiverem subjacentes às tomadas de decisão.

Compreendemos que a estratégia de utilizar o portfólio permite tornar os professores que a desenvolvem autores mais conscientes da complexidade de suas escolhas e de suas decisões e, assim, mais autônomos no percorrer da caminhada. Possibilita ao acadêmico um diálogo constante consigo mesmo na tentativa de organizar sua aprendizagem e desenvolvimento, motivando-o, produzindo sentido naquilo que está fazendo.

Sugerimos que cada participante organizasse seu portfólio contendo os seguintes itens: 1. Breve memorial apresentando sua caminhada acadêmica e profissional;

2. As reflexões desencadeadas individualmente junto à orientadora nos encontros de orientação registrando reflexivamente as discussões, questionamentos e encaminhamentos mais significativos ocorridos no processo;

3. Reflexões coletivas desencadeadas nos encontros feitos com toda a turma de alunos que estão em fase de TCC junto à coordenação;

4. O registro das reflexões pessoais desencadeadas pelas escolhas, impasses, dilemas, avanços, recuos promovidos pelos estudos teóricos que fundamentam a pesquisa de cada aluna;

5. A coleta das suas produções escritas com as anotações e sugestões da orientadora, desde a elaboração do projeto até o relatório final.

A organização deste material permitiu a confecção de uma espécie de inventário, no qual ficaram registrados tanto os produtos quanto os indicativos do processo percorrido pelas

alunas ao longo da elaboração do TCC. Tal material permitiu analisar o processo reflexivo das acadêmicas, já que ele se caracteriza como fundamento da auto-reflexão, estimulando o pensamento reflexivo, pois, centra-se nos processos de conscientização relativa ao desenvolvimento pessoal e à estruturação de sua própria identidade, apresentando características de profundidade e desenvolvimento conceitual.

As acadêmicas participantes já produziram portfólios em semestres anteriores na disciplina de Estágio Curricular Supervisionado. Naquele semestre, as acadêmicas foram orientadas a realizá-lo também na pesquisa do TCC como mais uma alternativa à promoção de sua reflexividade.

Na organização dos portfólios, a forma narrativa facilitou a compreensão dos fatos narrados, dos motivos, justificativas e sentidos que as acadêmicas atribuíam aos fatos, bem como seus pensamentos subjacentes ao processo interpretativo das ocorrências. A forma narrativa esteve presente, também, nos encontros de orientação quando as acadêmicas traziam para discussão sua caminhada, seus avanços e recuos no processo de produção da pesquisa. Para Bruner (1997), o princípio organizador da experiência humana no mundo social é narrativo. Dessa forma, esse autor considera a narrativa como um fato cultural compartilhado por todas as sociedades, manifestando-se com diferentes graus de elaboração, constituindo-se a partir dela a maior parte dos atos comunicativos humanos. Entendemos que esse é um elemento a ser considerado nas pesquisas que buscam analisar e interpretar a maneira como as pessoas, em diferentes sociedades, operam cognitiva e reflexivamente.

Benjamin (1994) também defende a importância das narrativas para a construção da identidade do sujeito e chama a atenção para a forma como a fragmentação da experiência coletiva na modernidade tem contribuído para o seu enfraquecimento. Preocupado em compreender como o imaginário social é construído e narrado às gerações mais novas, ele apresenta o pressuposto que o todo contém a parte e a parte contém o todo. Sugere, a partir disso, que se deve observar cada fragmento, tentando compreendê-lo nas relações que o constituem. Assim, um simples fragmento pode ser a porta de entrada para o real, e o mundo social passa a ser visto como uma constelação constituída por vários pontos que estabelecem entre si nexos e conexões, revelando que o social não está dado e não possui um único significado. Preocupado com o mundo cotidiano, ele ressalta que a arte da narrativa não deve ser associada apenas aos grandes acontecimentos, mas a todas as situações da vida humana.

Segundo Benjamin (1994), a matéria prima da narração é a experiência, pois todo narrador tem como referência a sua própria experiência e aquelas outras que lhe forem

narradas. Essa experiência humana está inscrita na temporalidade e na consciência coletiva de várias gerações. “Adere à narrativa a marca de quem narra, como à tigela de barro a marca das mãos do oleiro” (p. 63). É nesse contexto que a memória assume importância vital no processo de narrar, constituindo-se na capacidade épica por excelência, fazendo com que o ouvinte precise expressar o interesse em escutar a narrativa, retendo a história.

Para Alarcão (2004), o acento que se coloca no sujeito cognoscente atualmente revalorizou as narrativas como estratégias epistêmicas, pois, as situações vividas constituem- se como pontos de partida para a reflexão. Destaca esta autora, também, que a prática, se adquirida na formação inicial, tem grandes probabilidades de perdurar pela vida profissional adentro.

Conforme Connelly e Clandinin (1995), o estudo da narrativa é o estudo da forma, segundo a qual os seres humanos experienciam o mundo. Essa noção pode ser transposta para a concepção que vê a educação como a construção e reconstrução de histórias pessoais e sociais, considerando os professores e alunos como narradores e personagens das suas próprias histórias e das histórias dos outros. Dessa forma a narrativa configura-se em um elemento relevante para a investigação da prática educativa, visto que os homens são, em sua essência, contadores de histórias.

Bakhtin (1981) salienta que os pesquisadores das ciências humanas parecem descobrir que a narrativa na forma de história, tanto oral quanto escrita, possui um parâmetro lingüístico, psicológico, cultural e filosófico fundamental na tentativa de explicar a natureza e as condições de nossa existência. As narrativas podem revelar as memórias, intenções, histórias de vida, ideais, ou seja, a “identidade pessoal” de seus autores. Assim, por meio delas, compreendemos os textos e contextos mais amplos, diferenciados e mais complexos de nossa existência. Nesse sentido, conforme Cunha (1998) trabalhar com narrativas na pesquisa e/ou no ensino é partir para a desconstrução/construção das próprias experiências, tanto do professor/pesquisador como dos sujeitos da pesquisa e/ou do ensino. Exige que a relação dialógica se instale criando uma cumplicidade de dupla descoberta. Ao mesmo tempo em que se descobre no outro, os fenômenos revelam-se em nós.