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1 ou os dispõe de maneira menos tradicional), seja, quando se atém de perto aos modelos consagrados, no clichê.

I. Análise de motivos e tópoi 1 Caracterização do vampiro

4. Procedimentos narrativos

Existem certos procedimentos narrativos tão recorrentes em obras literárias vampirescas, a ponto de postularmos que tenham adquirido um papel estruturante nelas.

85 Nodier 1820: I, 20-23. 86 Le Fanu 1872:126-127. 87 Ibid., pp. 117-120.

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vampiro

protetor vítima

Triangulação – Replicação

O primeiro e mais fundamental desses procedimentos típicos da temática vampiresca parece-me ser a triangulação das personagens em virtude de suas motivações. O esquema básico começa entre a vítima e seu protetor, relação a ser mediada pelo vampiro:

Na cronologia de nossa temática, de início essa figura contraposta ao vampiro pode ser a mãe (no poema Der Vampyr de Ossenfelder; na Lenore de Bürger) ou outro parente da vítima (o jovem Aubrey, no ciclo ruthveniano). Em seguida, esse papel é preferencialmente assumido pelo noivo da vítima, o amante socialmente sancionado de quem o vampiro se torna um rival. Por sinal, para a narrativa vampiresca, é dessa contraposição de motivações que emerge o tipo do vingador. Um exemplo precoce, extraído da peça capitaneada por Nodier (Le vampire, 1820), seria o criado Edgar, prestes a se casar com Lovette, que, ao perceber a investida de Ruthwen, atira contra ele.

O cerne de muitas tramas de nosso corpus pode ser compreendido nessa chave esque- mática:

Varney the vampire:

“The mysterious stranger”: Sir Francis Varney

Charles Holland Flora Bannerworth

Azzo von Klatka

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Mas o procedimento da triangulação não se esgota aí. Outras figuras que não o protetor- -vingador parecem obedecer a uma lógica semelhante. Por excelência, o modelo é o do triângulo amoroso.

No melodrama parisiense de 1820, Rutwen seduz sucessivamente suas vítimas. Em dada cena, inclusive, para se aproximar de uma delas, inventa uma fictícia esposa falecida, que lhe seria extraordinariamente parecida:

Rutwen, du ton le plus doux.

Soyez sans crainte... si vous saviez quelle ivresse j’éprouve à vous voir ! une force irrésistible m’entrâine auprès de vous [...]

Hélas ! mon cœur n’a jamais palpité que pour une seule femme, une créature céleste, et vos trais m’ont rappelé tous les siens. Ce matin, mon cœur était usé par les regrets, la douce flamme des amours était éteinte dans mon ame, et ce soir elle vient de s’y rallumer au feu de vos regards; ce soir, je brûle !...

Lovette Mais, Monseigneur, celle que vous aimiez...

Rutwen

Elle est morte ! [...] Vous seule pouvez la faire revivre pour moi.88

Doutra parte, junto à patroa, para justificar a necessidade de apressar o casamento e partir imediatamente, Rutwen alega que o rei da Inglaterra lhe designara outra esposa, a qual não ama, e para furtar-se a esse suposto casamento indesejado quer acelerar o matrimônio com Malvina:

Malvina

Oui, il m’a expliqué le motif de ce prompt départ : il est averti que le Roi l’attend pour lui fiare épouser une dame de la cour qu’il n’aime point, il n’a d’autre moyen de se soustraire à cet ordre que de me présenter au Roi avec le titre de son épouse.89

Surge assim no álibi de Rutwen uma nova triangulação potencial, que inclui a esposa a ele supostamente designada pelo Rei da Inglaterra. O jogo dos vértices de espelhamento vai-se portanto complementando:

88 Nodier 1990:94-95 (Nodier 1824:377-378). 89 Nodier 1990:109 (Nodier 1824:388). Rutwen Lovette Edgar Aubrey Malvina

noiva fictícia designada pelo rei esposa falecida fictícia

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O elo triangular dos protagonistas só não é completo porque Rutwen não é rival de Aubrey (irmão dela e não seu namorado) e este tampouco mostra ser um vingador ativo (não é em virtude de seus esforços que o vampiro sucumbe).90

No conto anônimo The mysterious stranger, o jovem barão Franz von Kronstein se mostra ciumentíssimo do estranho convidado que avança sobre sua noiva e lhe ganha a intimidade; mostra-se contudo patético e incapaz de impor-lhe a devida distância, papel que caberá a um vingador-ciente distinto, o militar Woislaw. Poder-se-ia considerar, nesse caso, que a moti- vação do protetor também se viu parcialmente triangulada, dividida entre o noivo ineficaz e o vingador que não se liga afetivamente à vítima que se salva graças à sua intervenção.

Desta e doutras maneiras, o esquema básico da triangulação de motivações presta-se a múltiplos espelhamentos e variações. No caso de Dracula, para além da triangulação principal entre o noivo-vingador (Jonathan Harker) e o vampiro, há toda uma pequena constelação que se irradia nos pretendentes, a partir do vértice da noiva/vítima auxiliar, Lucy Westenra:

Tal procedimento propicia que, entrado em cena o vampiro, o “actante” do vingador seja condividido (assim como o da vítima) entre diversas personagens.91

Uma conseqüente conformação da narrativa é a replicação das situações-base, a mais impor- tante das quais é o ataque à vítima auxiliar, que prenuncia o ataque à vítima protagonista.

A replicação “clássica”, a partir dos anos 1820, muitas vezes é introduzida por meio de um duplo casamento. A peça de Nodier é o exemplo acabado disto: é por estarem previstos, para o mesmo dia, dois casamentos (sendo o dos criados uma espécie de reflexo antecipado do dos patrões), que se repetirá a cena de sedução e ataque à noiva. Um esquema que deitará raízes para além do ciclo da obras “ruthvenianas”.

90 A triangulação que o vampiro media entre irmão e irmã é algo diáfana, ou melhor, mais propria- mente virtual (ao mesmo tempo familiar, melodramática). Aubray não é nem bem o herói, menos ainda o vingador. Não é o noivo da vítima, mas maqueia-se em pai dela (“sir Aubray m’a servi de père”).

91 Que são, além dos três pretendentes de Lucy, ainda Jonathan Harker (o noivo e em seguida marido da vítima protagonista) e Abraham Van Helsing (o médico-ciente).

Lucy Westenra

Dr. John Seward

Lord Goldaming

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Les adieux furent tristes, cette année. On ne devait se revoir, en effet, qu’après les deux mariages accomplis, savoir: celui de M. Radcliffe et d’Anna au lieu même où nous sommes, celui de Ned et de Cornélia à Rotterdam, où le comte Tiberio faisait sa résidence.92

De volta ao ciclo de obras em torno de Ruthven, este nos sugere, sobretudo a partir de sua primeira adaptação para os palcos, que o viés da replicação possa ser expandido e lido inclu- sive em chave meta-discursiva: não se replicam sucessivamente apenas as ligações afetivas do vampiro (falecida esposa fictícia de Rutwen/ Lovette/ Malvina/ esposa fictícia designada pelo rei), mas também as obras assim por dizer endogenéticas que as desfiam aos olhos do público (Polidori/ Nodier et alii/ Planché / Ritter/ Wohlbrück/ Heigel/ Dumas etc.). Abrindo-se o foco (e dirigindo-o para a sincronia), percebemos a replicação imanente ao vampiro dramá- tico-ficcional também nas inúmeras paródias, pastiches e derivados que, na cena parisiense dos anos 1820, reagem quase simultaneamente à estréia do vampiro nos palcos.

Trata-se, com todas as letras, de recorrer a esquemas básicos narrativos que são, tanto no pólo da produção literária quanto no de sua recepção, codificados ao extremo: muito prestativos, como já se vê, à sua exploração na cultura de massas. A convenção, todavia, não é exclusiva do clichê e do estereótipo, mas serve também a obras mais matizadas: no dizer de Sainte-Beuve (ver a epígrafe a este capítulo), trata-se daqueles “grandes e elevados talentos” que “cedem à corrente e a impulsionam, imitam e encorajam os excessos dos quais eles acreditam sempre poder escapar sem desonra”.

Autoridade e testemunho. A explicação.

Parece claro que o recurso a algum tipo de autoridade ou testemunho, seja de textos ante- riores, seja de uma alegada tradição popular, mediada por exemplo por personagens carac- terizadas enquanto tais, é em si um tópos, inclusive na primitiva acepção retórica do termo, da articulação mesma do discurso. Em textos não ficcionais, o recurso à tradição é quase invariavelmente investido de valor argumentativo, por excelência ad verecundiam.93

Narratur apud Crusium in Turco-Graecia lib. VIII, Sabbato Pentecostes Turcas combus- sisse Graecum, biennio ante defunctum; quod vulgo crederetur, nocte sepulchro egredi, homines- que occidere; alios autem veram causam perhibuisse, quod quindecim pluresve homines, spectrum ejus videntes, mortui sint: sepulchro extractum, consumta carne, cutem ossibus adherrentem, inte- gram habuisse. Et forsan non aliud fuerit, quod Nicephorus Patriarcha Constantinopolitanus in Constantio Copronymo narrat [...]

92 Féval, La ville vampire [1874] (Féval 1891:28).

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Crusius narra, [em sua obra] Turco-Grécia em oito livros, que no sábado de Pentecostes os tur- cos haviam queimado um grego, falecido dois anos antes; o qual o povo acreditava sair à noite do sepulcro e [ir] matar os homens; e que para outros [ele] seria a própria causa [de morte], dado que mais de quinze homens teriam morrido ao ver seu espectro: extraído do sepulcro, teria [apresentado] a carne consumida e a pele íntegra, aderente aos ossos. E talvez não seja outra coisa aquilo que narra Nicéforo Patriarca de Constantinopla sobre Constâncio Coprônimo [...]94

Quia pluries contigit apud nos in Polonia, Russia, Lithvania: item in Ungaria, ut testantur plura authentica exempla, & ego multoties ab oculatis fide dignis testibus audivi [...]

Pois tantas vezes ocorre entre nós na Polônia, Rússia, Lituânia, e também na Hungria, como atestam numerosos exemplos autênticos, e muitas vezes eu [mesmo] ouvi de teste- munhas oculares dignas de fé [...]95

(Um tópos particular é o testemunho em primeira pessoa. Para um exemplo notável num texto dissertativo, veja-se o trecho em que Allacci conta de sua experiência com um tympa- niâios, reproduzido e traduzido em apêndice.96)

Na ficção, que eventualmente emula esse recurso, a introdução da autoridade ou da tra- dição adquire uma função narrativa.97Por excelência, ela se dá no momento em que o enredo

apresenta, na voz de alguma personagem e tendo em vista propósitos ficcionais, uma deter- minada explicação do fenômeno do vampirismo.

Let me add a word or two about that quaint Baron Vordenburg, to whose curious lore we were indebted for the discovery of the Countess Mircalla’s grave.

He had taken up his abode in Gratz, where, living upon a mere pittance, which was all that remained to him of the once princely estates of his family, in Upper Styria, he devoted himself to the minute and laborious investigation of the marvelously authenticated tradition of Vampirism. He had at his fingers’ ends all the great and little works upon the subject.

“Magia Posthuma,” “Phlegon de Mirabilibus,” “Augustinus de curâ pro Mortuis,” “Philosophicae et Christianae Cogitationes de Vampiris,” by John Christofer Herenberg; and a thousand others,

94 Allatius 1636:147. 95 Gengell 1716:122

96 Ver seção V. a) do Apêndice.

97 Por exemplo: a mencionada inserção do relato de Filóstrato no romance de Potocki (ver supra, cap. 3) é introduzida pela frase: “étant allé chercher un Philostrate de l’édition de Morel 1608, il jeta les yeux sur le

texte grec, et sans paraître éprouver le moindre embarras à le bien comprendre, il lut en espagnol de ce que je vais raconter” (Potocki 2008:216). Precisar detalhes bibliográfico-filológicos como esses empresta verossimi-

lhança e uma riqueza indexativa (como acima, cf. Barthes) não apenas ao relato em si, como também ao próprio procedimento de interpolação textual.

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among which I remember only a few of those which he lent to my father. He had a voluminous digest of all the judicial cases, from which he had extracted a system of principles that appear to govern – some always, and others occasionally only – the condition of the vampire.98

Elle aimait enseigner, comme toutes les personnes savantes.

– [...] Vouz comprenez bien, milady, et vous, gentleman[,] qu’en dehors même de son expérience

personelle, elle avait consulté un nombre considérable d’ouvrages au sujet des vampires. Jamais elle n’en disait un mot sans citer son auteur. Pardonnez-moi si je ne fais pas de même; outre que mon érudition est bien loin d’égaler la sienne, je n’ai pas la mémoire des noms baroques.99

Na fase inaugural de sua apropriação ficcional, vale dizer, até o início da década de 1820, os autores e editores quiseram garantir a compreensão do fenômeno junto a um público- alvo quiçá menos informado; além das explicações na voz de personagens (ou do narrador onisciente), provêm elementos elucidatórios em paratextos como prefácios, prólogos, pos- fácios, apostos em geral. No que concerne aos vampiros, se Potocki os fazia explicar por um douto cabalista, os editores que em 1819 publicaram em periódico o conto de Polidori (atribuindo-o entretanto a Byron) acharam por bem antepor um texto elucidativo:

thevampyre;

atalebylordbyron.

The superstition upon which this tale is founded is very general in the East. Among the Arabians it appears to be common: it did not, however, extend itself to the Greeks until after the establishment of Chistianty; and it has only assumed its present form since the division of the Latin and Greek churches; at which time, the idea becoming prevalent, that a Latin body could not corrupt if buried in their territory, it gradually increased, and formed the subject of many wonderful stories, still extant, of the dead rising from theur graves, and feeding upon the blood of the young and beautiful. [...]

In the London Journal of March, 1732, is a curious, and of course credible account of a particular case of vampyrism, which is stated to have occurred at Madreyga, in Hungary. [...]100

A nota, que se extende por duas colunas e meia e é creditada ao editor, faz referências abertas à bibliografia do vampiro, aí incluindo uma célebre passagem do poema The giaour, de Byron, e deve também algo a uma leitura ingênua da prosa irônica de Voltaire (“all over Hungary, Poland, Austria, and Lorraine”).

98 Le Fanu 1872:262-263. 99 Féval 1891:237-238. 100 In Polidori 1819:195b.

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Esse tipo de procedimento era muito caro a Charles Nodier. Em seus prefácios, posfá- cios, notas e artigos jornalísticos, há um sabor todo especial, mesmo literário, misturado à redação que se finge “expositiva”. Relativamente ao nosso objeto, há dele diversos exemplos pertinentes: a série de quatro artigos sobre a “poesia ilírica”, publicados no entreato da ocu- pação napoleônica da Dalmácia; o artigo “Sur quelques phénomènes du sommeil”; o pró- logo ao melodrama do Théâtre de la Porte-Saint-Martin; os prefácios e notas (às vezes em cascata) aos seus livros Smarra, Lord Ruthwen, Infernaliana... Não por acaso, o artigo seminal com que cativou antecipadamente a recepção de seu futuro melodrama vampiresco, publi- cado primeiramente no jornal Le drapeau blanc, foi em seguida por ele reunido num volume que se intitulava, com justiça, Mélanges de littérature et de critique.101

A explicação do vampirismo é o lugar da narrativa em que se expressam com todas as letras os receituários a ele intimamente ligados: suas causas; seu funcionamento; as medidas apotropaicas e os modos de aniquilação. Não precisam vir assim, de enxurrada, mas com freqüência são diluídos ao longo da narrativa. Na maior parte das vezes, a explicação, ou pelo menos a recomendação de medidas apotropaicas, ligam-se a uma alegada crença do povo: “les contes ridicules que tu entends dans ce pays”.102

A analepse.

Outro modo de suprir esse conteúdo, como mencionamos mais acima, é fazê-lo por meio do tópos localizado da explicação em analepse. O ciente, que, como vimos, via de regra é um criado, um camponês, um médico ou um vingador (às vezes uma combinação destes), conta um caso precedente de vampirismo para explicar às demais personagens – criando simultaneamente uma sugestão antecipativa no leitor/espectador – o que é aquele mal misterioso de que a vítima protagonista padece.

Cronologicamente, a primeira ocorrência indubitável de um tal procedimento no cor- pus está ligada a uma exigência dramática. Tendo adaptado a fábula nuclear de Polidori para o palco, Nodier, Carmouche e d’Abbans não encenam os acontecimentos passados na Grécia, antes põem a personagem Aubray a narrá-las para sua irmã. Similarmente, como vimos, o criado Scop narrava a Egdar o acontecido com a mais rica herdeira da Escócia cem anos anos.

101 Nodier 1820:409-417.

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Não saberia dizer até que ponto a insistente retomada deste esquema, nas tantas adap- tações derivadas do melodrama parisiense de Rutwen, teria de fato colaborado para que tal procedimento se consolidasse na temática; o fato é que seu emprego é freqüente também na narrativa. Dentre as obras a que venho recorrendo neste capítulo, um bom número traz esse elemento: as readaptações do melodrama Le vampire; o romance Lord Ruthwen ou les vampires; Varney the Vampire; “The mysterious stranger”; La ville vampire; “Die Todten sind unersättlich”; Domnişoara Christina. Os exemplos não se esgotam aí, naturalmente.

Em “Carmilla”, embora a suspeita já tenha sido levantada e confirmada pelo médico Spielsberg, são inseridos bem cinco capítulos (de um total de dezesseis) entre o diagnóstico e a expedição punitiva, em que um novo nível narratológico introduz uma pré-estória explicativa: a narração de como o General Spielsdorf perdeu sua filha para a misteriosa hós- pede Millarca. Na parcial coincidência dos nomes dos dois auxiliares (Spielsdorf/Spielsberg), poderíamos quem sabe antever um eco prenunciador da fusão das duas personagens numa só, o médico e caçador de vampiros Van Helsing.103

Moldura narrativa.

Muitas vezes, a ficção vampiresca é toda ela narrada em analepse por uma personagem. Aí já se trata de um caso diferente do acima comentado. A narrativa em primeira pessoa de “Carmilla” apresenta-se como uma extensa correspondência da jovem Laura ao Dr. Hesselius104; algo assim também encontramos no conto de Stenbock que parodia essa novela

bastante de perto, “A true story of a vampire”. No conto de Gautier, “La morte amoureuse”, o velho padre Romuald recorda, com uma ponta aberta de (resignada) nostalgia,105 as des-

venturas amorosas de sua juventude, há tanto deixadas para trás.

A moldura narrativa é, evidentemente, um procedimento (como tantos outros) não exclusivo da narrativa vampiresca. Não obstante isso, o procedimento possui um status privilegiado no interior de nosso corpus ficcional, em outras palavras, é dele característico.

103 Também em La ville vampire temos um esboço (inacabado) do médico-vingador, Magnus Szegli (Féval 1875:260ss); entretanto, pouco após ser introduzida, a personagem é subita e explicitamente posta de lado: “Quant au docteur Magnus et au jeune dessinateur, nous n’en parlerons même pas, eu égard à l’insignifiance de

leurs rôles” (Féval 1875:299); adiante, são chamados de “personnages de second ordre” (ibid., p. 315).

104 Do prólogo: “Upon a paper attached to the Narrative which follows, Doctor Hesselius has written a rather

elaborate note, which he accompanies with a reference to his Essay on the strange subject which the MS illumina- tes” (Le Fanu 1874:49).

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É freqüente que esse registro seja obtido por meio de paratextos.106 A nota de rodapé à

abertura da novela “Ewige Jugend”, de Sacher-Masoch, instaura ela também uma espécie de moldura narrativa:

Die in der nachstehenden Novelle geschilderten Vorgänge beruhen vollständig auf geschichtlicher Wahrheit und sind die Akten des Prozesses der Gräfin Elisabeth Nadasdy noch vorhanden.

Os acontecimentos da novela a seguir baseiam-se inteiramente na verdade histórica e ainda estão disponíveis nos atos do processo da condessa Elisabeth Nadasdy.107

No interesse da hermenêutica literária, provavelmente importa menos confirmar se a alegada “veracidade” é corroborada ou não pelos dados históricos e mais atentar para como o autor lança mão desse recurso.

Certas obras constróem-se mediante procedimentos mais complexos, como trechos de cartas, alternância de narradores etc. O romance Dracula é todo ele uma alternância de registros pessoais das personagens envolvidas: diários, cartas, gravações no gramofone. De modo geral, as narrativas que se aninham umas dentro das outras são também bastante comuns no corpus (para além das obras agora mesmo citadas, La ville vampire, Varney e diversas outras).

5. Outros motivos e índices

A simbologia do vampiro abriga ainda uma constelação de motivos menos centrais, e ainda índices não diretamente implicados na trama, quer dizer, motivos que podem não trazer conseqüências diretas para o curso da ação. Não é o caso, nessa etapa já bastante extensa, de examiná-los em detalhe. Até por sua disseminação (hoje sem sombra de dúvida massificada), que seja suficiente indicar sumariamente alguns deles, como a lua108; a noite; o

cavalo negro; as associações bestiais (lobos, cães, morcegos, ratos etc.); o vinho; a tempes- tade; o círculo mágico; a mão gelada; o retrato; a velhice precoce. Refiro a seguir instâncias sugestivas de alguns dentre esses, muito esquematicamente.

• A bem dizer, não se pode generalizar o emprego desses motivos sem pagar um preço. O caso talvez mais perceptível é o da lua cheia. Embora possa comparecer numa narrativa como índice, muitas vezes, ao contrário, tem sim implicações na trama vampiresca.

106 Cf. supra, sobre “a explicação”. 107 Sacher-Masoch 1877b:II,155.

108 Em muitas obras da temática, como no ciclo de Ruthven e em Varney, esta configura uma função nada marginal: são os seus raios a revificar o vampiro abatido.

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The knight Azzo repeated his visits every now and then. He always came in the evening, and

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