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Processo de categorização social e a formação de estereótipos Pereira (2002) descreve que os primeiros estudos sobre

SUMÁRIO INTRODUÇÃO

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.4. Processo de categorização social e a formação de estereótipos Pereira (2002) descreve que os primeiros estudos sobre

estereótipos remetem a década de 20, no trabalho sobre opinião pública realizado pelo jornalista Walter Lippman (1922), onde os estereótipos foram definidos como fotografias inseridas na mente das pessoas. Depois disso, durante uma década, os estereótipos foram conceituados como elementos acumulados com base na experiência das pessoas e nas impressões sensoriais imediatas (Pereira, 2002).

De acordo com Márquez e Paez (2004) quando se discutem estereótipos sociais, consequentemente, caminha-se pela abordagem cognitiva, uma vez que a própria definição de estereótipos remete aos processos intrapsíquicos, porque são o resultado da articulação entre fatores motivacionais e de identidade, ligados à dinâmica social dos grupos e das ideologias. Pereira, Fagundes, Silva e Takei (2003) enfatizam que a instalação do estereótipo ocorre quando as pessoas inicialmente imaginam e definem o mundo, para depois observá-lo. A interpretação estaria associada à cultura, que determina de forma estereotipada a noção interna sobre o mundo externo. O aporte teórico para o estudo de estereótipos sociais é diversificado na psicologia social, a figura 3 ilustra essa relação teórica.

Figura 3. Relações teóricas para o estudo de estereótipos sociais. A categorização permite simplificar a realidade, selecionando aspectos do estímulo e agrupando-os numa categoria unificada. As categorias representam características semelhantes, onde os membros da categoria variam conforme sua tipicalidade (Cantor, Michel & Schwartz, 1982). Devido à separação existente entre os grupos humanos e a proeminência de determinados indicadores físicos e sociais, as pessoas realizam categorizações buscando o mínimo de esforço, então tendem a agrupar os indivíduos de acordo com as características percebidas como comuns ou compartilhadas (Stwart, Doan, Gingrich & Smith, 1998), que podem ou não originarem preconceitos e comportamentos discriminatórios (Lehman, 2006). Portanto, o conceito de estereótipos abandona a perspectiva inicial ao qual estariam vinculados: generalizações indevidas realizadas por indivíduos preconceituosos (Pereira, 2002) e passam a ser compreendidos como crenças generalizadas, resistentes a mudanças ou novas informações, sobre atributos pessoais de um grupo, facilitando a interpretação do mundo. Segundo Krüger (2004) os estereótipos sociais são crenças coletivamente compartilhadas sobre um atributo, característica ou traços de personalidade, moral ou físico generalizado para um agrupamento humano com base em um ou mais critérios, como a idade, sexo, profissão, etnia, religião, etc.

Pereira, Fagundes, Silva e Takei (2003) definem que o termo estereótipo deriva de duas palavras gregas, stereos (rígido) e typos (traço), portanto, trata-se de crenças sobre atributos típicos de um grupo, compartilhados no interior de outro grupo social. Os mesmos autores afirmam que os estereótipos possuem a função de simplificar a demanda do percebedor, facilitando o processo de informação. Podem funcionar como respostas aos fatores ambientais, especialmente conflitos grupais e atuar para justificar uma ação.

Estereótipos são categorias cognitivas que representam uma realidade de forma simplificada. Para Márquez e Paez (2004) os estereótipos possuem um componente projetivo (motivações dos observadores, distorções cognitivas, etc.) e um componente real (contato com os membros dos grupos estereotipados). Embora existam divergências (Smith, Miller, Maitner, Crump, Garcia-Marques & Mackie, 2006), quanto maior a aproximação com o grupo estereotipado, com aprofundamento e interação positiva, mais o estereótipo formado constrói-se com base em informações reais e menos projetivas. De acordo com Krüger (2004) os estereótipos podem se mobilizar de duas formas: (a) auto-estereótipos (estereótipos dirigidos para o próprio grupo); e, (b) hetero-estereótipos (estereótipos dirigidos para grupos distintos), e se classificam também de duas maneiras: estereótipos positivos e estereótipos negativos, havendo uma gradação de intensidade que varia de um a outro ponto.

Pereira (2002) ao avaliar diferentes perspectivas teóricas sobre os estereótipos explana que os estudos mais recentes indicam que as similaridades são decorrentes não apenas das semelhanças observáveis, que poderia levar a uma categorização inadequada, mas a perspectiva de que as semelhanças são conseqüências de uma teoria compartilhada que justifica a colocação dos membros numa mesma categoria. Bons exemplos são os estudos realizados por Medin (2005) que utilizam uma nova perspectiva de categorização, a abordagem baseada no conhecimento do percebedor e não apenas na similaridade observada. Em um dos estudos realizados pelo referido pesquisador utilizou-se as expressões “cabelo branco” e “cabelo cinza” que foram consideradas mais semelhantes do que os termos “nuvem branca” e “nuvem cinza”, embora os adjetivos fossem os mesmos, os objetos percebidos, no caso, os cabelos ou as nuvens, envolviam dois conhecimentos distintos pelos percebedores, no primeiro caso, o envelhecimento e no segundo, a meteorologia.

Marques e Paez (2006) ao descrever o modelo da escola de Bristol citam Henri Tajfel como principal precursor. De acordo com a

Teoria da Identidade Social proposta por Tajfel (1982) para haver afiliação grupal, os indivíduos envolvidos precisam definir-se e serem definidos por outros como membros de um determinado grupo, passando a pertencerem a uma determinada categoria social5 onde dividem envolvimento emocional e atingem consenso social sobre a avaliação de seu grupo e a sua pertença a este grupo, permitindo aos seus membros uma identificação social, relacional e comparativa. Turner, Oakes, Haslam e McGarty (1994) explanam que a identidade pode ser pessoal ou social, onde a identidade social se refere a possibilidade de pensar o “nós” e o “nosso” em oposição ao “eu” e ao “meu” (identidade pessoal). No entanto, ainda de acordo com os referidos autores, o que faz uma pessoa se definir de acordo com a identidade pessoal ou social, é o contexto de comparação, quando essa mesma pessoa se define enquanto membro de um grupo ao qual faz parte ou quando se percebe enquanto indivíduo e se compara com outros indivíduos. Na identidade social o processo de categorização envolve certa “despersonalização”, quando ao definir-se como diferente dos demais grupos, a pessoa se apropria do próprio grupo, afiliando-se e identificando-se com o mesmo. Há portanto, na psicologia social duas perspectivas sobre a formação de estereótipos, ambas cognitivas, mas enquanto que a primeira relaciona-se com características típicas dos indivíduos categorizados em seus grupos, a segunda perspectiva evidencia que os estereótipos dependem da relação entre os grupos.

As concepções a respeito dos membros do grupo externo são geralmente formuladas a partir do uso do pensamento categórico e são expressas, através de crenças estereotipadas compartilhadas por praticamente todos os membros do grupo (Pereira, Fagundes, Silva & Takei, 2003). A este respeito, os estereótipos podem assumir diferenças entre a percepção das características do grupo e a percepção das características dos indivíduos que compõem o grupo, dependendo da quantidade de informação obtida sobre o grupo e a familiaridade que o percebedor apresenta com o mesmo. Estudos afirmam que as distorções denominadas de viés intergrupal, indicam a tendência para avaliar os membros do out-group (exogrupo) como mais homogêneos do que o in- group (endogrupo), como também o favoritismo intergrupal que seria a tendência correlata de favorecer os membros do grupo de pertença em

5 Categorias sociais são instrumentos cognitivos que classificam e ordenam o ambiente social capacitando o indivíduo a desempenhar muitas formas de ação social (Tajfel, 1982).

relação aos demais (Cerclé & Somat, 1999; Pereira, Ferreira, Martins & Cupertino, 2002; Waldzus, Mummendey, Wenzel, & Weber, 2003;).

Os indivíduos procuram realizar um tipo de identidade social que contribua para um auto-conceito positivo durante a diferenciação grupal. O favoritismo intergrupal é determinado com referência aos outros grupos através de comparações sociais em termos de atributos valorativos. Mas o grupo de pertença não pode ser comparado a qualquer grupo, o out-group precisa ser percebido como relevante, de acordo com a saliência situacional e a proximidade. No experimento realizado por Tajfel e Turner (1979) denominado “grupo mínimo”, a simples consciência da existência de um out-group torna-se suficiente para estimular o favoritismo intergrupal e a comparação social, gerando uma competição espontânea entre os grupos.

As relações de status entre grupos dominantes e subordinados determinam os problemas de identidade social destes últimos. Assim, baixo status deveria intensificar hostilidade em relação ao out-group em grupos politicamente, economicamente ou socialmente subordinados. No entanto, quando as avaliações quanto às perdas e ganhos são aceitas e a competição é percebida como justa, o grupo “perdedor” pode concordar quanto à superioridade do grupo “ganhador”. Se este tipo de situação ocorre, o membro do grupo “enfraquecido” ou com “baixo status” pode procurar algumas saídas para alcançar um auto-conceito positivo: a) mobilidade individual (recusa da identificação com o in- group e mudança de grupo), b) criatividade social (mudar valores atribuídos ao in-group, transformando as categorias negativas em positivas) e c) competição social (comparar o in-group com grupos de menor status social para buscar atributos positivos) (Marques & Paez, 2006).

Quando o grupo dominante percebe sua superioridade como algo legítimo, ele pode reagir de forma discriminatória na tentativa de impedir que o grupo subordinado tente mudar a situação intergrupal, em contrapartida, se o grupo subordinado questiona suas características percebidas como vinculadas ao baixo status, isso despertará um conflito e poderá provocar mudança social. Quanto maior o conflito intergrupal mais os indivíduos se relacionam fazendo referência a sua pertença grupal e menos às características individuais. E embora o conflito possa se estabelecer, segundo Tajfel e Turner (1979) não há motivos para acreditar que a diferenciação grupal precise necessariamente ser conflituosa, gerando preconceito e discriminação.

Allport (1979) afirma que o papel da discriminação tem uma conseqüência social mais séria e imediata do que o preconceito, isto

porque segundo o referido autor existem pelo menos cinco graus de ação negativa possível:

(1) Antilocução: conversa hostil e difamação verbal. (2) “Evitamento”: evitam ter contato com membros do

grupo-alvo considerando tal situação inconveniente.

(3) Discriminação: exclui o grupo-alvo de ambientes (igrejas, locais de lazer, escolas) cerceando direitos fundamentais (direitos políticos, de lazer, educação, liberdade, dignidade, etc.)

(4) Ataques: o grupo-alvo é atacado de forma violenta por grupos “rivais”

(5) Exterminação: membros do grupo-alvo são submetidos a linchamentos, massacres, genocídios. São diversos os critérios utilizados para incluir um indivíduo numa categoria ou classificação, no entanto, alguns critérios se destacam de forma mais prevalente: a) as categorias primitivas (gênero, idade e etnia); b) a normatividade social; e, c) o princípio do metacontraste (ênfase nas diferenças). Segundo Brewer, Dull e Lui (1981) as categorias primitivas são as características básicas que exigem o mínimo de esforço cognitivo. Mas de acordo com Márques e Paez (2004) não se sabe se existe alguma hierarquia entre as categorias primitivas e se essa hierarquia se modifica de acordo com o contexto sócio-cultural. Pereira (2002) denomina as categorias primitivas de visão essencialística dos estereótipos, porque estão vinculadas a categorias naturais e não a artefatos humanos.

No processamento das informações, podem ocorrer distorções quando a informação estereotipada é fornecida antes das demais informações, quando se busca coerência para preservar a diferenciação entre os grupos (in-group e out-group), quando se interpreta os comportamentos com base em estereótipos, mesmo se estes comportamentos não implicam nesses estereótipos e por fim, quando há uma correlação ilusória, ou seja, existe a impressão de associação entre dois acontecimentos que na realidade não estão associados (Marques & Paéz, 2004).

Paicheler (1986) explica, que partindo de investigações desenvolvidas em psicolingüística dentro do estudo do impacto de uma lógica natural, existe a proposição de um enfoque diferenciado para a

formação de impressões (Asch, 1977)6. Segundo este enfoque, os sujeitos realizariam uma espécie de generalização que conduziria a construção de protótipos abstratos permitindo classificar o objeto em função de sua distância, maior ou menor, em direção aos tipos ideais (Colcombe & Wyer, 2002; Piko, Bak & Gibbons, 2007).

Semin (1994) define como principal característica dos estereótipos a redução da complexidade do ambiente social, que segundo o autor diferencia-se das representações sociais principalmente pelo seu conteúdo constituído por estruturas de processos cognitivos internos. Segundo Abric (2003) existem elementos pertencentes ao núcleo central de uma representação social que podem estar em repouso dependendo da situação de evocação. Estes elementos pertencem ao que foi definido por Guimelli e Dechamps (2000) como zonas mudas do campo da representação social. Os estereótipos de acordo com Menin (2006) podem estar localizados nas zonas mudas das representações sociais, por serem espaços que embora sejam comuns a um determinado grupo e nele partilhadas, não se revelam facilmente nos discursos diários e, ainda mais, nos questionários de investigação, pois são consideradas como não adequadas em relação às normas sociais vigentes, retornando ao que Jones e Davis (1965, apud Sousa, 2004) denominaram de efeito de desejabilidade social7

Portanto, a mudança no contexto pode facilitar a expressão de conteúdos condenáveis pelas normas sociais a outros grupos de representação; assim como pode estimular o efeito da transparência quando são descritas as representações de grupos conhecidos e também diminuir o efeito da influência social de normas ou de representações proeminentes no grupo de pertença.

Dependendo de quem aplica o instrumento no momento da pesquisa (efeito intrusivo do observador) ou a partir de quem se fala, por si mesmo ou em nome de outros (contexto normativo), o conteúdo apresentado nas representações sociais pode se modificar. Por isso, algumas técnicas são utilizadas no sentido de “driblar” tais vieses, à exemplo da técnica de substituição, quando se manipula a questão de forma que o participante não fale por si e sim pelo seu grupo e também a

6 Formar impressões significa emitir juízos através de informações diretas (interação) ou indiretas (ouvir dizer), mesmo que estas informações sejam restritas (Asch, 1977).

7 A percepção do ator social sobre a situação pode alterar o comportamento emitido correspondendo ao esperado para a situação no ambiente social (Sousa, 2004).

técnica de descontextualização normativa, quando os aplicadores dos questionários não compartilham do mesmo sistema de referência dos participantes.

Estudos buscaram identificar o papel das atitudes (Doise, 2001; Salesses, 2005) e dos estereótipos (Smith e cols., 2006, Menin, 2006) no processo de estruturação das representações sociais e nas relações entre grupos (Waldkus, Mummendey, Wenzel & Weber, 2003). As atitudes constituem uma das dimensões do campo representacional, e pesquisas foram realizadas no sentido de promover uma articulação teórica dos conceitos de representação social e de atitudes, visando conciliar o aspecto individual das atitudes à dimensão coletiva das representações sociais (Salesses, 2005). Com relação aos estereótipos, os esforços dos estudos realizados no sentido da busca por uma aproximação teórica indicam que alguns objetos sociais podem ter conteúdos semelhantes ou idênticos compondo categorias de estereótipos e do núcleo das representações sociais (Moliner & Vidal, 2003, Menin, 2006).

Além de interdisciplinar, a teoria das representações sociais possui uma intenção integradora, considera os pressupostos de não ruptura entre interno e externo, sujeito e objeto da representação, necessita frequentemente da utilização de uma abordagem multi-método e da inovação de estratégias metodológicas (Camargo, 2005).

3.5. Contribuições da Psicologia do Desenvolvimento na